quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Surfando nas ondas do implausível

* Por Fernando Yanmar Narciso

Já se passaram três meses desde que Gloria “Fofão do apocalipse” Perez começou a segurar as enormes e pesadíssimas rédeas do horário nobre, com a tarefa ingrata, com viés de roleta russa, de manter enterradas no sofá as milhões de bundas reconquistadas por João Emanuel Carneiro com a paquidérmica Avenida Brasil. E até aqui... Bom, digamos que, se a novela das 9 fosse um casamento, Avenida Brasil foi uma longa e deliciosa lua-de-mel e Salve Jorge é a papelada do divórcio.

Qualquer autor experiente precisa saber as regras básicas para se construir um romance. Você cria seus personagens, a estrutura básica do que pretende com o seu conto e, daí para frente, ninguém, nem mesmo você, tem certeza do que vai acontecer. É um universo de possibilidades, mas a regra nº 1 para se escrever uma história bem-sucedida é: Mantenha os pés no chão e cuide para que seus delírios não se tornem delirantes demais. O público não é mais aquela massa ingênua, que engolia qualquer absurdo que vocês-sabem-quem criava na década de 70.

Dona Glorinha já tem 30 anos de experiência em teledramaturgia, tempo mais que suficiente para aprender o que funciona e o que não funciona na construção de uma novela. Jornalista, ela foi escolhida por Dias Gomes e uma debilitada Janete Clair para substituí-la na autoria de sua última novela, Eu Prometo, em 1983, em conjunto com o criador de Sucupira. Assim ela se tornava a sucessora direta da “usineira de sonhos”, apelido dado por Carlos Drummond de Andrade. E, assim como sua mestra, ela sempre se recusou a dividir o fardo de fazer um capítulo diário com co-autores, para manter a, por assim dizer, coerência de suas idéias. E o resultado dessa escolha tem se evidenciado em todos os seus tropeços na trama atual e em suas antecessoras.

Há N maneiras de se contar uma mesma história, e parece que, pra variar, ela escolheu a pior de todas dessa vez. Salve Jorge só tem trazido sono para o telespectador e noites mal-dormidas para a autora desde seu início, que pode ter até iniciado o trabalho com a melhor das intenções, mas acabou se afundando num verdadeiro labirinto de Minotauro.

Não me levem a mal, a vontade de explorar o tráfico humano numa novela é um gesto louvável, mas não da forma como ela tem mostrado o calvário de Morena (Nanda Costa) e da agora defunta Jéssica (Carolina Dieckmann). As maneiras como as duas tentaram escapar das garras dos traficantes só não foram mais rocambolescas que o caixão que vira jet-ski do MacGyver. Não importa para onde ou como Morena e Jéssica tentassem fugir, lá estava o Russo- que, por sinal, não é e nem fala russo, e também não é o assistente de palco do Chacrinha- para trazê-las de volta para o covil.

Falemos sobre realidade fantástica. Não há uma pessoa no planeta que não tenha ouvido falar em Godzilla. Se hoje é impossível que explosões de bombas nucleares possam trazer de volta à vida um super-dinossauro congelado, imaginem na década de 50! Mas a gente deixa essa passar, afinal a guerra nuclear e toda a sua incerteza e dúvidas eram medos muito plausíveis naqueles tempos e, sem esse conceito, o símbolo-mor do Japão não existiria.

A origem de Godzilla a gente é capaz de aceitar. O caixão jet-ski do MacGyver, também. O jeito para lá de bizarro como o capitão Jack Sparrow foi resgatado do mundo dos mortos, idem. Mas o fato de Morena e Jéssica terem sido trazidas de volta para o Brasil, ficarem em relativa liberdade, mas se recusarem a falar pras autoridades ou para quem quer que seja sobre tudo o que elas e as outras garotas enganadas pelo tráfico têm passado no exterior? Aí não tem peruca loira de Simone Marques que aguente!

Tudo bem que tem o caso de os bandidos terem ameaçado as famílias delas de morte, mas e daí? Se elas tivessem contado tudo para a delegada Helô (Giovanna Antonelli), ela já tinha mandado prender a quadrilha e palmas pro rádio! Afinal, Lívia (o boneco de Olinda humano Claudia Raia) e sua gangue não são os únicos traficantes de gente do mundo. Em todas as surras que Morena já deu na cruel e estranhamente ruim de briga traficante Wanda (Totia Meirelles), o que custava ela lhe dar uma facada na cabeça e acabar logo com todo esse tormento? A guria já provou que não é de levar desaforo pra casa. Se o Russo viesse pra cima, era só esfaquear ele também e dona Lívia vinha de sobremesa. Mas ela não pode fazer isso porque, caso contrário, a novela acabaria.

E, minhas amigas donas de casa desocupadas, é melhor arranjarem outros afazeres pois, apesar do insucesso, dona Glorinha já recebeu ordens de alargar a trama, pois a sua substituta está com o cronograma atrasado. Halla halla!

*Designer e escritor. Site: HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br

Um comentário:

  1. Alongou-se quase tanto quanto a autora terá de se alongar e se reinventar. Não vou ser descortês e escrever "não vi e não gostei". Novela não faz parte dos meus interesses, porém leio sobre elas, e acho boa a sua maneira de analisar os furos dessa trama.

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