sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Leia nesta edição:

Editorial – Menino comove o velho Beethoven.

Coluna Contrastes e confrontos – Urariano Mota, crônica “A velha Danuza Leão”.

Coluna Do real ao surreal – Eduardo Oliveira Freire, microcontos, “Pílulas literárias 146”.

Coluna Observações e Reminiscências– José Calvino de Andrade Lima, crônica, “Recife & Olinda”.

Coluna Porta Aberta – Emir Sader, artigo “Por que eles têm medo do Lula?”.

Coluna Porta Aberta – Guilherme Scalzili, artigo “Na Estrada”

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária” – José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com

“A Passagem dos Cometas” – Edir Araújo – Contato: nenem138@gmail.com

“Aprendizagem pelo Avesso” – Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br

“Cronos e Narciso” – Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br

“Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

Menino comove o velho Beethoven

A estréia oficial de Franz Liszt no seletivo mundo dos concertos se deu quando tinha, somente, de onze para doze anos de idade. A essa altura, já dominava por completo o instrumento de sua predileção, o piano, e executava as peças mais complexas e sofisticadas com perfeição e, sobretudo, com paixão. Não havia crítico, por mais severo que fosse, que lhe fizesse a menor restrição. Liszt aliava, à técnica apuradíssima, um máximo de emoção, que transmitia à platéia e a “contagiava”.

A primeira apresentação para valer – já havia participado de diversos saraus, mas em salões particulares, com público restrito e selecionado – deu-se em abril de 1823, no suntuoso e sofisticado Palácio Aumgarten, construção em estilo barroco situada no distrito de Leopoldstadt, em Viena, que na atualidade é uma das grandes atrações turísticas da capital austríaca. Fez, ali, duas memoráveis apresentações.

Antes da primeira, resolveu que um mestre que já era mito do mundo da música erudita, que admirava, no qual buscava se espelhar e que iria estimar por toda a vida, Ludwig van Beethoven, tinha que estar presente. Para isso, precisava ser convidado. O garoto resolveu que faria o convite pessoalmente, a despeito da fama que o autor da “Nona Sinfonia” já gozava de ser um sujeito esquisito e temperamental (esquisitices atribuídas à sua progressiva surdez). Coisas de gênio. Vencendo a natural timidez, Franz foi à casa do consagrado compositor, cheio de esperança. Decepção! Foi recebido não só com frieza, mas com hostilidade e grosserias.

Ao convite que fez a Beethoven, para que assistisse à sua apresentação de estréia, ouviu um “não” azedo e irritado. O que fazer? Nada, não é mesmo? Embora decepcionado com a recusa do famoso compositor, que não compareceu a esse concerto, Liszt teve performance primorosa. Recebeu os mais rasgados e entusiásticos elogios da crítica. É certo que muitos analistas, mais cautelosos, decidiram esperar novas apresentações do jovem virtuose antes de emitir opinião.

Após o segundo concerto no palácio de Aumgarten, todavia, não houve como não se render às evidências. A performance foi ainda melhor do que a da estréia, que já havia sido irrepreensível. Foi a definitiva consagração de Liszt.

Mas não foram os elogios da crítica, posto que muito bem vindos, que mais satisfizeram o menino prodígio. Não se sabe lá por qual razão, Beethoven, que havia recusado o convite para os dois concertos, decidiu comparecer, sem aviso prévio, à segunda apresentação. Queria ouvir pessoalmente (enquanto isso ainda era possível) o virtuose de quem tanto falavam. Não se sabe o que esperava, mas presume-se que não era nada de bom. Mas Beethoven não se arrependeu de ter ido ao concerto.

Intempestivo, como era, o velho compositor não se conteve ao final da última execução de Liszt. Visivelmente emocionado, “transtornado”, conforme o testemunho posterior dos que presenciaram a cena, quase chorando, o normalmente sisudo gênio deixou de lado seu mau humor e sua hipocondria para protagonizar momento histórico. Saltou para o estrado do teatro e, publicamente, demoradamente, abraçou, comovido, o menino pianista. O salão de concertos quase veio abaixo de entusiasmo, com os gritos e aplausos da platéia, em delírio. Assim, como A. Tenório D’Albuquerque ressaltou, em seu livro “100 Músicos Imortais” (citando a biografia “Liszt Erster Teil”, de Ludwig Nohl) “Beethoven repetia, no mesmo local, o que fizera há 36 anos com Mozart”.

Após conquistar celebridade na Áustria, de repente, Viena tornou-se demasiadamente pequena para o talento do pequeno gênio. Por decisão do pai, que atuava como uma espécie de seu empresário, partiu em turnê, para conquistar as platéias mais sofisticadas e exigentes da Europa. Destaque-se e reitere-se que Liszt, na ocasião, tinha somente doze anos de idade. Colheria ainda, ao longo de vitoriosa, porém estafante carreira, muitos outros triunfos.

Mas a vida de um artista, por mais genial que seja, não se caracteriza apenas por sucessos. Fracassos, frustrações e decepções de toda a sorte têm que ser esperados, pois acontecem – para uns mais e para outros menos, mas praticamente ninguém é poupado. Nessas ocasiões, o que mais a celebridade que cai em desgraça precisa é de amigos, mas leais e sinceros, que se façam presentes nos momentos de aflição e de maior necessidade. O mais comum é os que mais juram amizade se afastarem quando os fracassos ocorrem, deixando o artista sozinho e atarantado com seus problemas e frustrações.

Neste aspecto, porém, Liszt foi felicíssimo. Teve um talento ímpar de conquistar amigos que nunca o abandonaram, quer na alegria (o que, óbvio, é fácil), quer, e principalmente, nas tristezas. Para tanto, contou, decisivamente, a sua atitude em relação ao próximo. Explico.

A vida de Liszt, se bem que cheia de aventuras amorosas sumamente reprováveis pelos critérios morais da época, revelou algo muito positivo em sua conduta, fruto de um caráter reto e elogiável: a lealdade para com os amigos. E, por ser leal, tinha o direito de exigir o mesmo dos outros. Na verdade, nem precisou. Ademais, outra característica mencionada pelos que conviveram com esse gênio é um enorme espírito de gratidão.

Vejam o que ele fez com Beethoven. Se o genial autor das sinfonias (das quais as mais famosas são a “Quinta” e a “Nona”) tem um dos mais belos monumentos em sua memória, e justamente em sua cidade natal, Bonn, isso se deve à lembrança e ao empenho de Franz Liszt, que arrecadou dinheiro para financiar a obra, em concertos e mais concertos para esse fim, mesmo quando sua saúde já estava seriamente abalada. A gratidão, convenhamos, é um sentimento raro. Mas esse gênio da música esbanjava essa virtude. Não há, como se vê, como não gostar de pessoas assim, por mais defeitos que tenham e por maiores que sejam as loucuras que cometam.

Boa leitura.

O Editor.


Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
A velha Danuza Leão

* Por Urariano Mota

Às vezes penso que os textos necessários são os que escrevemos contra a vontade. Que são desconfortáveis para quem escreve. Textos em que, mesmo segurando a mão, vêm pesados mais do que deveriam. Como imagino ser este de hoje, sobre a colunista Danuza Leão.

Um mal inescapável nas pessoas famosas é que elas envelhecem em público. A sua decadência física, quando se expõem em imagem, dá na gente um travo, porque será assim que envelheceremos. A sua decadência humana, quando se expõem em obras, nos dá repugnância e raiva, porque mostram que passaram do ponto de morrer como pessoas. Dilataram o tempo de forma desonrosa. Danuza Leão envelheceu assim, de modo duplo, no corpo e no espírito.

Entendam, por favor. Se a velhice física é uma lei biológica, a velhice da alma, não. Há homens que envelhecem tão bem na sua revolta, no seu ânimo, que deles não se pode dizer que são velhos irreconhecíveis para o que foram quando jovens. Penso em Niemeyer, no vigor dos seus 104 anos, a receber aulas de filosofia, a reclamar no hospital porque deseja voltar ao trabalho. Penso em Tosltói, que na idade em que os escritores se aposentam, escreveu um conto como Depois do Baile.... Mas que imensa bobagem. Lembro Tolstói e Niemeyer, quando o assunto é Danuza Leão. Que descabida desigualdade, que disparate.

Entendam por quê. Os leitores dos domingos, da Folha de São Paulo, recebem sempre os atentados contra a dignidade da pessoa que foi Danuza Leão. Os mais precavidos evitam o espetáculo, dela e de semelhantes que decaem em triste exibição. Mas hoje, por outros caminhos, me chegou a sua última cara de Bardot dos trópicos. Sim, de Bardot, aquela que nos enchia a vista na infância e se tornou uma velha muito feia da direita francesa. Pois Danuza, com menos talento cinematográfico, endurece as artérias no que escreve. Se não, olhem estas pérolas, do seu último domingo:

“Ir a Nova York já teve sua graça, mas, agora, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça?

AFINAL, QUAL a graça de ter muito dinheiro? Quanto mais coisas se tem, mais se quer ter e os desejos e anseios vão mudando -e aumentando- a cada dia, só que a coisa não é assim tão simples. Bom mesmo é possuir coisas exclusivas, a que só nós temos acesso; se todo mundo fosse rico, a vida seria um tédio...

Queremos todas as brincadeirinhas eletrônicas, que acabaram de ser lançadas, mas qual a graça, se até o vizinho tiver as mesmas? O problema é: como se diferenciar do resto da humanidade, se todos têm acesso a absolutamente tudo, pagando módicas prestações mensais?

As viagens, por exemplo: já se foi o tempo em que ir a Paris era só para alguns; hoje, ninguém quer ouvir o relato da subida do Nilo, do passeio de balão pelo deserto ou ver as fotos da viagem -e se for o vídeo, pior ainda- de quem foi às muralhas da China. Ir a Nova York ver os musicais da Broadway já teve sua graça, mas, por R$ 50 mensais, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça? Enfrentar 12 horas de avião para chegar a Paris, entrar nas perfumarias que dão 40% de desconto, com vendedoras falando português e onde você só encontra brasileiros - não é melhor ficar por aqui mesmo?

Viajar ficou banal e a pergunta é: o que se pode fazer de diferente, original, para deslumbrar os amigos e mostrar que se é um ser raro, com imaginação e criatividade, diferente do resto da humanidade?

É claro que ficar rico deve ser muito bom, mas algumas coisas os ricos perdem quando chegam lá. Maracanã nunca mais, Carnaval também não, e ver os fogos do dia 31 na praia de Copacabana, nem pensar. Se todos têm acesso a esses prazeres, eles passam a não ter mais graça.

Seguindo esse raciocínio, subir o Champs Elysées numa linda tarde de primavera, junto a milhares de turistas tendo as mesmas visões de beleza, é de uma banalidade insuportável. Não importa estar no lugar mais bonito do mundo; o que interessa é saber que só poucos, como você, podem desfrutar do mesmo encantamento.

Quando se chega a esse ponto, a vida fica difícil. Ir para o Caribe não dá, porque as praias estão infestadas de turistas -assim como Nova York, Londres e Paris; e como no Nordeste só tem alemães e japoneses, chega-se à conclusão de que o mundo está ficando pequeno”.

O acesso ao consumo para o povo do Brasil, criado pelo governo Lula, revelou o caráter da velhinha Danuza Leão. Que pena. Ela era melhor no tempo em que entrava muda e saía calada, como no filme Terra em Transe. Que grande mulher, pelo silêncio, ela parecia ser em 1967.


* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici e “Soledad no Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.

Pílulas literárias 146

* Por Eduardo Oliveira Freire

"TÃO BOBO"
-Vejo uma bailarina a bailar, ao sair da xícara.
- Apesar dos anos, continua o bobo de sempre.
- Não consegue ver, ela é tão linda...


***

- PAPAI...
Posso colorir seus pensamentos com sentimentos.


***

- O QUE VAI QUERER?
- A menina que você esconde nessa máscara vulgar.
- Isso nunca.


***

NOITE DENSA...
- Sinto cheiro de brigadeiro. Estou com fome!
- Não faz isso, tio gigante.
- Por quê?
- É que ao devorar a noite, as pessoas não irão dormir e ficarão muito cansadas para viver.
- É tão chatinha. Também com esse nome, Consciência.


* Eduardo Oliveira Freire é formado em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense, com Pós Graduação em Jornalismo Cultural na Estácio de Sá e é aspirante a escritor

Recife & Olinda

*Por José Calvino de Andrade Lima

“Do Recife
De Olinda
Das pontes
Das praias
Dos coqueiros
Das gaivotas

Dos carnavais
Dos bares
Das jangadas
Das cirandas
Dos amores

Do poema
Da lua
Do sol
Dos arrecifes
Dos morros
Das cidades,
cenário encantador,
evoca Recife e Olinda.”

23 de dezembro de 2007. Um poema fora feito em parceria com um amigo, na praia de Pau Amarelo. Como é gratificante ter amigos... Fiquei emocionado com o seu estilo poético e com sua visão. Cenário encantador, ele evocava Recife e Olinda em tempo tão curto para uma elaboração mental e o desenvolvimento de um poema tão bem escrito! Valeu, poetamigo, você se coloca nessa seqüência de imagens poéticas, sintetizando sua força criativa na construção da seqüência e seu caráter performático.

O uso poético contribui para o potencial da pintura, da fotografia, da filmagem, enfim, foi para mim uma investigação tecnológica, um ensinamento que retrata com sucesso o tema: Recife & Olinda. O mar de Pau Amarelo, leitoramiga, refletindo um céu azul luminosamente ensolarado, com uma brisa praieira, o jangadeiro rolando na praia a jangada pro mar... Pensei, se Dostoievski estivesse aqui, será que teria escrito Crime e Castigo? Acho que no mínimo, O Pai do Chupa, esse poema Recife & Olinda, que retrata, acredito, o clímax entre essas duas cidades.

No final da tarde fui parar no Beco da Fome e fiquei ouvindo Azambujanra recitar “O frustrado”:

“ Se eu fosse adulador não viveria às portas da loucura ou da miséria; eu viveria na mansão Tibérica: Do ódio, da paixão e da porfia. Sem o meu sangue, vivesse a covardia de bajular o lodo da matéria; eu extrairia a principal artéria e esse sangue covarde morreria; se eu vivesse atrás dessa gentalha, eu venceria as principais batalhas melhor que Aníbal, César e Cipião. Mas como nada disso sei fazer; sou um frustrado e vivo a padecer... Sem escalar o Monte de Sião.”

(Do livro: O grande comandante, p. 103 – ed. 1981)

Azambujanra encerra recitando o Poema do Beco, de Manuel Bandeira:

“Que importa
A paisagem,
A glória, a baía,
A linha do horizonte?

- O que eu vejo é o beco.

* Formado em comunicações internacionais, escritor, teatrólogo, poeta, compositor e rei do Maracatu Barco Virado. Como escritor e poeta, tem trabalhos publicados nos jornais: Diário de Pernambuco, Jornal do Commercio, Folha de Pernambuco e em vários sites... Tem 12 títulos publicados, todas edições esgotadas. Blog Fiteiro Cultural: http://josecalvino.blogspot.com/

Por que eles têm medo do Lula?


* Por Emir Sader

Lula virou o diabo para a direita brasileira, comandada por seu partido – a mídia privada. Pelo que ele representa e por tê-los derrotado três vezes sucessivas nas eleições presidenciais, por se manter como o maior líder popular do Brasil, apesar dos ataques e manipulações de todo tipo que os donos da mídia – que não foram eleitos por ninguém para querer falar em nome do país – não param de maquinar contra ele.

Primeiro, ele causou medo quando surgiu como líder operário, que trazia para a luta política aos trabalhadores, reprimidos e super-explorados pela ditadura durante mais de uma década e o pânico que isso causava em um empresariado já acostumado ao arrocho salarial e à intervenção nos sindicatos.

Medo de que essa política que alimentava os superlucros das grandes empresas privadas nacionais e estrangeiras – o santo do chamado “milagre econômico” -, terminasse e, com ela, a possibilidade de seguirem lucrando tanto às custas da super-exploração dos trabalhadores.

Medo também de que isso tirasse as bases de sustentação da ditadura – além das outras bases, as baionetas e o terror – e eles tivessem que voltar às situações de incerteza relativa dos regimes eleitorais.

Medo que foi se acalmando conforme, na transição do fim do seu regime de ditadura militar para o restabelecimento da democracia liberal, triunfavam os conservadores. Derrotada a campanha das diretas, o Colégio Eleitoral consagrou um novo pacto de elite no Brasil, em que se misturavam o velho e o novo, promiscuamente na aliança PMDB-PFL, para dar nascimento a uma democracia que não estendia a democracia às profundas estruturas econômicas, sociais e midiáticas do país.

Sempre havia o medo de que Lula catalizasse os descontentamentos que não deixaram de existir com o fim da ditadura, porque a questão social continuava a arder no país mais desigual do continente mais desigual do mundo. Mas os processos eleitorais pareciam permitir que as elites tradicionais retomassem o controle da vida política brasileira.

Aí veio o novo medo, que chegou a pânico, quando Lula chegou ao segundo turno contra o seu novo queridinho, Collor, o filhote da ditadura. E foi necessário usar todo o peso da manipulação midiática para evitar que a força popular levasse Lula à presidência do Brasil, da ameaça de debandada geral dos empresários se Lula ganhasse, à edição forjada de debate, para tentar evitar a vitória popular.

O fracasso do Collor levou a que Roberto Marinho confessasse que eles já não elegeriam um presidente deles, teriam que buscar alguém no outro campo, para fazê-lo seu representante. Se tratava de usar de tudo para evitar que o Lula ganhasse. Foram buscar ao FHC, que se prestou a esse papel e parecia se erigir em antídoto permanente contra o Lula, a quem derrotou duas vezes.

Como, porém, não conseguem resolver os problemas do país, mas apenas adiá-los – como fizeram com o Plano Real -, o fantasma voltou, com o governo FHC também fracassando. Tentaram alternativas – Roseana Sarney, Ciro Gomes, Serra -, mas não houve jeito.

Trataram de criar o pânico sobre a possibilidade da vitória do Lula, com ataque especulativo, com a transformação do chamado “risco Brasil” para “risco Lula”, mas não houve jeito.

Alivio, quando acreditaram que a postura moderada do Lula ao assumir a presidência significaria sua rendição à política econômica de FHC, ao “pensamento único”, ao Consenso de Washington. Por um lado, saudavam essa postura do Lula, por outro incentivavam os setores que denunciavam uma “traição” do Lula, para buscar enfraquecer sua liderança popular. No fundo acreditavam que Lula demoraria pouco no governo, capitularia e perderia liderança popular ou colocaria suas propostas em prática e o país se tornaria ingovernável.

Quando se deram conta que Lula se consolidava, tentaram o golpe em 2005, valendo-se de acusações multiplicadas pela maior operação de marketing político que o pais ja conheceu – desde a ofensiva contra o Getúlio, em 1954 -, buscando derrubar o Lula e sepultar por muito tempo a possibilidade de um governo de esquerda no Brasil. Colocavam em prática o que um ministro da ditadura tinha dito: Um dia o PT vai ganhar, vai fracassar e aí vamos poder governar o país sem pressão.”

Chegaram a cogitar um impeachment, mas tiveram medo do Lula, da sua capacidade de mobilização popular contra eles. Recuaram e adotaram a tática de sangrar o governo, cercando-o no Parlamento e através da mídia, até que, inviabilizado, fosse derrotado nas eleições de 2006.

Fracassaram uma vez mais, quando o Lula convocou as mobilizações populares contra os esquemas golpistas, ao mesmo tempo que a centralidade das políticas sociais – eixo do governo Lula, que a direita não enxergava, ou subestimava e tratava de esconder – começava a dar seus frutos. Como resultado, Lula triunfou na eleições de 2006, ao contrário do que a direita programava, impondo uma nova derrota grave às elites tradicionais.

O medo passou a ser que o Brasil mudasse muito, tirando suas bases de apoio tradicionais – a começar por seus feudos políticos no nordeste -, permitindo que o Lula elegesse sua sucessora. Se refugiaram no “favoritismo” do Serra nas pesquisas – confiando, uma vez mais, na certeza do Ibope de que o Lula não elegeria sua sucessora.

Foram de novo derrotados. Acumulam derrota atrás de derrota e identificam no Lula seu grande inimigo. Ainda mais que nos últimos anos do seu segundo mandato e na campanha eleitoral, Lula identificou e apontou claramente o papel das elites tradicionais, com afirmações como a de que ele demonstrou “que se pode governar o Brasil, sem almoçar e jantar com os donos de jornal”. Quando disse que “não haverá democracia no Brasil, enquanto os políticos tiverem medo da mídia”, entre outras afirmações.

Quando, depois de seminário que trouxe experiências de regulações democráticas da mídia em varias partes insuspeitas do mundo, elaborou uma proposta de lei de marco regulatório para a mídia, que democratize a formação da opinião pública, tirando o monopólio do restrito número de famílias e empresas que controlam o setor de forma antidemocrática.

Além de tudo, Lula representa para eles o sucesso de um presidente que se tornou o líder político mais popular da história do Brasil, não proveniente dos setores tradicionais, mas um operário proveniente do nordeste, que se tornou líder sindical de base desafiando a ditadura, que perdeu um dedo na máquina – trazendo no próprio corpo inscrita a sua origem e as condições de trabalho dos operários brasileiros.

Enquanto o queridinho da direita partidária e midiática brasileira, FHC, fracassou, Lula teve êxito em todos os campos – econômico, social, cultural, de políticas internacional -, elevando a auto-estima dos brasileiros e do povo brasileiro. Lula resgatou o papel do Estado – reduzido à sua mínima expressão com Collor e FHC – para um instrumento de indução do crescimento econômico e de garantia das políticas sociais. Derrotou a proposta norte-americana da Alca – fazer a América Latina uma imensa área de livre comércio, subordinada ao interesses dos EUA -, para priorizar os projetos de integração regional e os intercâmbios com o Sul do mundo.

Lula passou a representar o Brasil, a América Latina e o Sul do mundo, na luta contra a fome, contra a guerra, contra o monopólio de poder das nações centrais do sistema. Lula mostrou que é possível diminuir a desigualdade e a pobreza, terminar com a miséria no Brasil, ao contrário do que era dito e feito pelos governos tradicionais.

Lula saiu do governo com praticamente toda a mídia tradicional contra ele, mas com mais de 80% de apoio e apenas 3% de rejeição. Elegeu sua sucessora contra o “favoritismo” do candidato da direita.

Aí acreditaram que poderiam neutralizá-lo, elogiando a Dilma como contraponto a ele, até que se rendem que não conseguem promover conflitos entre eles. Temem o retorno do Lula como presidente, mas principalmente o temem como líder político, como quem melhor vocaliza os grandes temas nacionais, apontando para a direita como obstáculo para a democratização do Brasil.

Lula representa a esquerda realmente existente no Brasil, com liderança nacional, latino-americana e mundial. Lula representa o resgate da questão social no Brasil, promovendo o acesso a bens fundamentais da maioria da população, incorporando definitivamente os pobres e o mercado interno de consumo popular à vida do país.

Lula representa o líder que não foi cooptado pela direita, pela mídia, pelas nações imperiais. Por tudo isso, eles tem medo do Lula. Por tudo isso querem tentam desgastar sua imagem. Por isso 80% das referências ao Lula na mídia são negativas. Mas 69,8% dos brasileiros dizem que gostariam que ele volte a ser presidente do Brasil. Por isso eles tem tanto medo do Lula.

• Sociólogo e cientista político

Na Estrada

* Por Guilherme Scalzili

As referências beat nortearam minha formação literária de maneira mais intensa e duradoura do que as da contracultura hippie, sua herdeira imediata, que encantava boa parte da juventude da época. Éramos demasiados boêmios, iconoclastas, agressivos e pessimistas para as utopias do pacifismo cabeludo, e por isso, instintivamente, preferíamos nortear nossos devaneios experimentalistas e libertários pelas figuras quase místicas de Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William Burroughs. E Bob Dylan, sempre.

O legado do universo beat é inestimável. Os repertórios musicais, visuais, literários e até mesmo filosóficos da chamada pós-modernidade possuem ramificações que levam diretamente àquele espírito. Se não podemos simplificá-lo em fórmulas estéticas homogeneizantes, porém, é um erro grotesco negar sua influência a partir do repúdio ao individualismo (como faz a esquerda mais bitolada) ou desses purismos formais que a crítica conservadora usa para se proteger das incertezas cotidianas.

Não era pequena, portanto, a responsabilidade que Walter Salles assumiu ao transpor a notória saga de Kerouac. E o diretor soube resolver dignamente quase todos os desafios inevitáveis do projeto. Muniu-se de um elenco inspirado, apesar da juventude e da complexidade dos papéis, com destaque para Garrett Hedlund (Dean Moriarty/Neal Cassady), Tom Sturridge (Carlo Marx/Ginsberg), Viggo Mortensen (Old Bull Lee/Burroughs) e Elisabeth Moss (Galatea Dunkel/Helen Hinkle). A fotografia de Eric Gautier explora bem as paisagens inóspitas e se movimenta com desenvoltura nos interiores dos veículos, tão difíceis de filmar. A direção de arte é excelente e a trilha sonora de Gustavo Santaolalla harmoniza-se com o privilegiado fundo musical da época.

Há problemas na adaptação. O roteirista Jose Rivera optou por uma estrutura demasiado convencional, mais preocupada em esmiuçar a cronologia dos relatos (mantendo fidelidade à biografia dos envolvidos) do que em reproduzir o turbilhão episódico da narrativa original. Esse tratamento intermediário prejudica a identificação do espectador com os personagens e arrasta o desenvolvimento da trama, impondo-lhe uma falsa divisão de atos e anunciando conflitos e rupturas que não se realizam. Trata-se de uma expectativa desnecessária, pois Salles costuma utilizar um tempo narrativo muito característico, dado à contemplação e às pausas reflexivas, realçadas aqui (e em diversos momentos de sua obra) na clara homenagem a Wim Wenders, outro apaixonado pelos relatos de viagem.

É um trabalho bonito, provocativo, relevante sob diversos aspectos. Maior audácia formal e menos reverência histórica o transformariam no filmaço que o tema exigia. Mas talvez fosse muita transgressão para os padrões e costumes hollywoodianos.


*Jornalista, advogado, historiador e escritor, autor dos livros “O colar da Carol ta na grama”, “A colina da Providência”, “Pantomima”, “Acrimônia” e “Crisálida”.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Leia nesta edição:

Editorial – Insólito desenvolvimento de um gênio

Coluna Ladeira da Memória – Pedro J. Bondaczuk, crônica, “Não quero me esconder”.

Coluna Contradições e paradoxos – Marcelo Sguassábia, crônica, “P_revisões para amanhã”..

Coluna A favor de tudo, contra todos – Fernando Yanmar Narciso, crônica “O Alemão nunca foi tão Complexo”.

Coluna Do fantástico ao trivial – Gustavo do Carmo, conto “Tarde demais 20”.

Coluna Porta Aberta – Pedro Du Bois, poema “Redundância”.

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Livros que recomendo:

“Balbúrdia Literária” – José Paulo Lanyi – Contato: jplanyi@gmail.com

“A Passagem dos Cometas” – Edir Araújo – Contato: nenem138@gmail.com

“Aprendizagem pelo Avesso” – Quinita Ribeiro Sampaio – Contato: ponteseditores@ponteseditores.com.br

“Cronos e Narciso” – Pedro J. Bondaczuk – Contato: WWW.editorabarauna.com.br

“Lance Fatal” – Pedro J. Bondaczuk - Contato: WWW.editorabarauna.com.br


Obs.: Se você for amante de Literatura, gostar de escrever, estiver à procura de um espaço para mostrar seus textos e quiser participar deste espaço, encaminhe-nos suas produções (crônicas, poemas, contos, ensaios etc.). O endereço do editor do Literário é: pedrojbk@gmail.com. Twitter: @bondaczuk. As portas sempre estarão abertas para a sua participação.

Insólito desenvolvimento de um gênio

A precocidade de determinadas crianças não raro é forçada pelos pais e não tem nada de natural. Basta, muitas vezes, que um garotinho ou garotinha de seis ou sete anos cantem razoavelmente afinado (a) alguma canção, ou nem mesmo isso, para que, de imediato, sua família já veja nele ou nela um cantor ou uma cantora em potencial. Enchem sua cabeça de fantasias e findam por mutilar sua personalidade, distorcendo-a irremediavelmente e produzindo um futuro ou neurótico ou uma futura neurótica. Em alguns casos, arruínam sua infância e tais “futuros artistas”, com o tempo e as circunstâncias, frustram todas expectativas, suas e dos pais, para decepção e desgosto gerais.

Não foi, todavia, o que aconteceu com Franz Liszt.E isso graças a seu esdclarecido pai, Adam, que fez de tudo para que o menino fosse como os demais da sua idade, sem impor-lhe expectativas e nem responsabilidades incompatíveis com a idade. Pelo contrário, fez de tudo para afastá-lo do piano e não por temor de que o garoto quebrasse, ou mesmo desafinasse o instrumento. Agiu assim para evitar que, por uma tendência de imitação, o menino achasse que já era músico, a despeito dos seus seis anos de idade.

Quando percebeu, porém, que o filho tinha, mesmo, tendência para a música, provavelmente a contragosto, cedeu às evidências. Contratou, para dar as primeiras noções dessa arte que exige tanta disciplina e técnica, o mais renomado professor que vivia nas redondezas da sua cidade. Dizem os biógrafos – e não tenho porque duvidar dessa afirmação – que a partir de então, o pequenino Franz “se desligou do mundo”. Passava seis horas por dia estudando e fazendo exercícios, num estado de excitação até perigoso.

Ao contrário de muitas crianças de hoje, obrigadas pelos pais a maçantes e estafantes aulas de música, ninguém precisava lembrar a Franz que ele tinha que estudar. A iniciativa partia sempre dele. Foram inúmeras as ocasiões em que os pais tiveram que usar de muita energia para tirá-lo da frente do piano e obrigá-lo a brincar com outras crianças. Sua paixão pela música, em determinada época, atingiu o paroxismo. O garoto foi acometido de uma altíssima febre, cuja causa médico algum conseguia determinar.

Após muitas consultas e reiterados exames, a conclusão a que se chegou, sobre a etiologia daquela disfunção orgânica, foi a de que ela não era causada por nenhum vírus ou bactéria ou por desarranjo de qualquer órgão. Era de fundo psicológico. Era amor extremado pela arte, uma espécie de obsessão. O organismo do menino definhou a tal ponto que ele esteve à beira da morte.

A partir de então, o pai assumiu de vez um papel que exerceria com mão de ferro enquanto viveu: o de disciplinador. Nunca mais permitiu ao filho que fizesse as coisas à sua maneira. Estabeleceu normas rígidas, com horários inflexíveis e rigorosos para tudo: para comer, dormir, brincar e... estudar. Se Franz queria música, muito bem, a teria. Contudo, teria que ser com moderação e disciplina. E assim foi.

Quando Franz Liszt completou nove anos de idade, já era celebridade na Hungria e na Áustria. Por exemplo, deu um concerto, que se tornou inesquecível, na casa do Barão Von Braun, em Oldenburgo, para o qual foi o convidado de honra, apresentando-se ao lado de “monstros sagrados” da época, de músicos consagrados e de reputação solidamente firmada. Eram todos adultos. Todos, menos o melhor deles: o menino Franz.

Ao cabo do evento, o garoto prodígio foi o alvo de todas as ovações dos presentes. Seus biógrafos garantem que todos aqueles louvores não tiveram nada a ver com a idade, mas com a perícia e a paixão com que o músico mirim executou um concerto de Ferdinand Ries, improvisando em torno de um tema bastante conhecido, façanha que, até então, ninguém ousara fazer, dada a complexidade da composição. Franz Liszt literalmente “brincou” com o instrumento, valorizando uma peça musical que já era, por si só, magnífica.

Dias depois, deu outro recital, com idêntico sucesso, na mansão do Conde Esterhazi, em Presburgo, cidadezinha em que a elite européia costumava veranear. O entusiasmo pela performance de Franz Liszt nessa apresentação acabou sendo decisivo principalmente para a sua carreira musical. Representantes das famílias mais ricas e influentes da Hungria, como os Szãpary, os Amadeu, os Apponyie e os Erlõdy, entre outros, presentes ao recital, concluíram que tamanho talento merecia tratamento melhor do que o pai estava lhe dando. Cotizaram-se e deram-lhe uma bolsa de estudos com os professores de maior reputação e mais caros da Europa, com duração de seis anos.

Franz Liszt foi enviado a Viena, para estudar com Carl Czerny. Mas o mestre saiu do sério ao ouvir o pequeno gênio. Intuiu que, burilando aquele diamante bruto, ganharia muito mais do que dinheiro: ficaria para sempre ligado, através dos séculos, a uma “celebridade” da música. Tinha tanta certeza disso, que decidiu tomar Liszt como aluno gratuitamente, justo ele que tinha a fama de ser um dos professores mais caros da Europa.

Ao mesmo tempo, providenciou a contratação de outro mestre, este de harmonia e composição, considerado insuperável. E sabem que era? Era, nada mais, nada menos do que o último instrutor que Ludwig van Beethoven teve, ou seja, Antonio Salieri (detratado, injustamente, no filme “Amadeus”). Foi ele que conduziu o jovem talento, o menino prodígio, pelos caminhos da música religiosa, em que iria se destacar tanto. Em suma, aos doze anos de idade, quando a maioria dos pré-adolescentes ainda tem a cabeça cheia de sonhos e de fantasias, Franz Liszt já era músico formado, completo e genial, apto a encarar as maiores e mais requintadas platéias de música erudita da Europa e do mundo.

Boa leitura.

O Editor.

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Não quero me esconder

* Por Pedro J. Bondaczuk

Um dia desses comentei com um amigo, em tom que ele interpretou como sendo de queixa (embora a intenção nem fosse essa), que nos últimos 14 anos, ou seja, desde agosto de 1998, apenas uma pessoa, uma única, escreveu artigo a meu respeito. É verdade que esse texto valeu por milhares, por milhões, por um número infinito de referências sobre mim, tão generoso, posto que preciso, que foi. Seu autor dispensa comentários. Foi o escritor e jornalista – que considero, sobretudo, grande amigo, mesmo sem que trocássemos jamais uma única palavra, oralmente, e sem que nunca nos tenhamos sequer visto, a não ser por fotografias – Urariano Mota.

É verdade que eu estava mal acostumado (ou bem acostumado, dependendo do ângulo que se encare). Nas décadas de 80 e 90, por praticamente vinte anos consecutivos, fiz palestras sobre os mais variados assuntos, em escolas, universidades, centros culturais etc., primeiro da cidade de Campinas e, posteriormente, em diversas localidades do País. Essas preleções, que atingiram, em determinada época, a assombrosa cifra de oito por mês, foram fartamente divulgadas pela imprensa, por iniciativa não minha, mas dos que as promoviam. Não havia, pois, semana em que não houvesse pelo menos uma referência ao meu nome em jornais de várias cidades.

Quando lancei meu primeiro livro de contos, “Quadros de Natal”, achei que essa divulgação facilitaria as vendas. Engano meu. Pitorescamente, minha obra mereceu poucas referências escritas, a maioria meras notas, e em torno de cinco artigos a propósito, se tanto. Foi um “banho de humildade” que tive que tomar e que me devolveu às devidas proporções, fazendo-me “baixar a bola”, como diz a garotada quando temos a estúpida tentação de nos sentirmos os tais.

Continuei, porém, fazendo palestras e sendo citado na imprensa. Quando lancei o segundo livro, “Por uma nova utopia”, cujos direitos comerciais doei, na totalidade, ao Centro de Defesa da Vida – entidade voltada à prevenção do suicídio – com documento de doação passado em cartório, para que não houvesse dúvidas, o efeito foi maior do que aquele do “Quadros de Natal”. Além de várias notas a propósito, essa obra foi comentada em pelo menos dez artigos, de dez jornalistas e escritores diferentes. Atribuí essa fartura de referências (desta vez, corretamente), não ao valor dos textos, mas ao fato de haver, com o fruto do talento que Deus me deu, ajudado uma instituição benemerente que fazia (e faz) um trabalho humanitário tão meritório.

Foi exatamente este livro o objeto do penúltimo comentário escrito a meu respeito, antes do artigo do Urariano Mota. O autor foi o jornalista e crítico literário Celso Martins. Seu texto, intitulado “Suicídio? Jamais!”, foi publicado na edição de agosto de 1998 do jornal “Despertador”, órgão oficial da Associação Espírita Despertador. O articulista, em certo trecho, assim se referiu ao meu livro (e à minha pessoa):

“O Professor Pedro J. Bondaczuk, jornalista do Correio Popular, bem como do Diário do Povo, escreveu, e o CDV conseguiu que fosse editada, a excelente coletânea de artigos atuais e oportunos sob o título de "Por uma Nova Utopia". Li este livro de uma sentada, porque os artigos são curtos, porém, de uma admirável oportunidade na análise de temas sobre a ecologia, sobre as drogas, o analfabetismo, a fome das crianças brasileiras, havendo ainda espaço para os poetas. O Professor Pedro J. Bondaczuk tem uma cultura geral muito vasta; entretanto, escreve com leveza e elegância. Do jeito que sempre apreciei ao pesquisar o pensamento de Humberto de Campos e de Rubem Braga, os meus cronistas preferidos desde que me entendo por gente”.

Depois disso... mais nada! É certo que em 1998 pus fim ao ciclo de palestras, por não conseguir mais conciliar minha agenda profissional com essa atividade que tanto prazer me dava. Coincidência ou não, nada mais foi escrito a meu respeito desde então, até 2011, quando Urariano Mota comentou, com tanta generosidade e tanta oportunidade meus mais recentes livros, “Cronos & Narciso” e “Lance fatal”. E justo numa época (que se estende até hoje), em que minha produção literária se multiplicou e ganhou mais qualidade, decorrência natural tanto da prática quanto do amadurecimento intelectual e espiritual!

É certo que neste período fui entrevistado por canais de televisão, tanto da TV aberta (como a TVB e a EPTV de Campinas, entre outras), quanto da fechada, no caso, a AllTV. Mas estas entrevistas nada tiveram a ver com minhas atividades literárias. Concentraram-se todas em meu trabalho de jornalista. Sobre meus livros, infelizmente, ninguém escreveu ou disse mais nada. Vaidade a parte (afinal, conquistei o direito de ser um pouco vaidoso), este silêncio vem se constituindo em empecilho à venda daquilo que publiquei e, por conseqüência, tem me fechado portas e mais portas nas editoras.

Estas explicações, que partilho com vocês (embora correndo o risco de ser mal interpretado), dei ao amigo que citei, para que ele não pense que minha queixa se deve, somente, à vaidade (claro que, como qualquer ser humano, também sou vaidoso do que faço). Tem um fundo mais amplo e principalmente prático. Afinal, como qualquer neófito em publicidade sabe, “quem não divulga, se esconde”. E meus melhores livros, já escritos e revisados, ainda estão por ser publicados, na dependência de que os que já o foram reajam no mercado e vendam o suficiente para motivar as editoras a voltarem a apostar em mim.


* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

Previsões para amanhã

* Por Marcelo Sguassábia

Os garis de Copacabana não divisarão nenhum navio no horizonte, nem horizonte que recicle o lixo de suas vidas. A enfermeira de plantão lerá “As Intermitências da Morte” e acabará morrendo de tédio ao virar a página 153. Na sala ao lado, a caneta do médico falhará quando estiver prescrevendo Viagra ao paciente.

O velho Hermógenes do 302 irá cortar o cabelo, a barba, o bigode, a carne, o iogurte, os remédios e o talco para chulé porque a aposentadoria não vai dar pra tudo isso. Os milhares de japonesinhos que nascerem prematuros terão os olhos mais puxados para as mães que para os pais, e todos eles dominarão os recursos do novo Playstation antes de completarem dois anos. O carteiro receberá uma carta apaixonada, mas a remetente não será correspondida. O vestibulando fará teste vocacional e descobrirá que não presta pra nada.

O juiz da nonagésima vara sairá mais cedo pra pescar. A reforma agrária ganhará terreno e deixará os latifúndios em estado de sítio. Um relojoeiro da Região Metropolitana de São Paulo irá bater com as dez, um verdureiro de Mairiporã irá pro vinagre, alguma Inês será morta e uma doceira será cremada.

O leiteiro flagrara a esposa dando de mamar para o encanador. A vendedora de panelas se casará com um cabo e ganharão de presente um conjunto inox de meia-tigela. Sem ter por que e com quem lutar, o almirante de esquadra dispensará as tropas e passará a Playboy em revista. O jornalista preservará suas fontes, mas investigará a fundo a greve dos chafarizes. Um padre de vocação vacilante largará a batina por culpa de uma fiel demasiadamente carismática.

O serial killer deixará digitais no Cereal Kellogg’s. O campeão de xadrez receberá como prêmio um xeque sem fundos. Os donos de livrarias venderão poucos exemplares de auto-ajuda, mas terão um bom retorno sobre “O Capital”. A vaca Mocha irá ruminar a dor de ver seu bezerro acompanhado de alface, queijo, molho especial, cebola e picles no pão com gergelim. Enquanto isso, as fábricas de mortadela abocanharão novas fatias de mercado.

O clarinetista errará a nota ao acertar as contas com a prostituta. E a prostituta, por sua vez, continuará ganhando a vida amando o próximo. Tire o cavalo da chuva: o Coelho, peixinho do chefe, será promovido a leão de chácara antes do cantar do galo. O secretário da receita passará a chefe de cozinha, por ordem expressa do cerimonial da presidência. O estado do aparelho de som passará de agudo para grave, se continuar a tocar os greatest hits de Chrystian e Ralf.

A bala perdida será encontrada no bolso do blazer do guarda Belo. Encostado à parede, o costureiro entregará os pontos. A praga daquele pestinha infestará todas as outras crianças do bairro. As mulheres mexicanas, para tornarem calientes seus casamentos, encherão de pimenta os tacos do quarto.

Agrônomos desenvolverão versões transgênicas da batata da perna, da planta do pé, da palma da mão e da flor da pele. Os projetos sairão finalmente do papel: uma borracha irá apagá-los impiedosamente. O referido papel será jogado às traças. Desprezado pelas traças, será lançado ao lixo, que será recolhido pelos garis de Copacabana.

• Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).

O Alemão nunca foi tão Complexo

* Por Fernando Yanmar Narciso

Pode-se dizer que, a cada novo trabalho, João Emanuel Carneiro meio que sabota o status quo da Rede Globo. A audiência, outrora tão acostumada com o ritmo morno das novelas do horário nobre, gosta tanto quando ele chega com sua forma ágil e imprevisível de escrever folhetins e suas vilãs carregadas na pimenta que se tornou uma missão suicida tentar substituir à altura suas tramas. Gloria Perez sabe disso como poucos.

Assim como em 2009, quando substituiu JEC pela primeira vez, ela está a ponto de saltar da janela de tanto stress, tentando reconquistar a audiência desgarrada, saudosa de Avenida Plasil. A imagem da megera maquiavélica- pero no mucho- Carminha regressando ao inferno representado por aquele lixão asséptico, e passando pela humilhação suprema de admitir a derrota para sua maior rival e selar um acordo de paz com ela no último capítulo permanece fervente em nossas memórias... Vê-las se abraçando foi como assistir a um eclipse total do sol. E o povo continua falando daquela novela “primorosa” que já acabou há um mês.

Ao contrário de JEC, que praticamente se transfigura num novo autor a cada trabalho, as pessoas sabem exatamente o que vão encontrar nas novelas de Glorinha. Tendo sido treinada por uma moribunda Janete Clair para seguir seus passos após sua morte (quase uma samurai das donas de casa alienadas), ela segue até hoje à risca as lições aprendidas. Tramas centrais despudoradamente fantasiosas, idéias improvisadas que logo viram a espinha dorsal da história, vilões mais caricatos que Soraya Montenegro e casais principais que passam mais de 200 capítulos se desencontrando até o inevitável casamento no último capítulo. Sem falar no ritmo vagaroso, nos elencos quilométricos, na causa social que ela abraça em cada trama e na característica pessoal mais estrambótica da autora: Um núcleo carnavalesco que reside em algum país de cultura exótica, cujo vôos para o Brasil são tão rápidos que mais parecem o teletransporte de Jornada nas Estrelas. Você pode ir e voltar, digamos, do Congo, no mesmo dia!

A primeira vez que ela usou desse artifício foi em O Clone, de 2001, e foi a sua novela mais aclamada e premiada até agora. O problema é que, depois dela, a mistureba não conseguiu mais dar uma liga tão boa. Caminho das Índias, a novela que substituiu A Favorita, de Carneiro, foi considerada por muitos um “clone do Clone”, e por muitos meses a audiência foi baixa para os padrões da emissora, só dando uma melhorada quando Gloria Perez teve de ser operada e foi substituída por um mês por Carlos Lombardi, que deu à trama o dinamismo e a fluidez que ela precisava. E quando a autora retornou, bastou estender as mãos e receber o Emmy de melhor novela do mundo no ano seguinte.

Agora falemos de “Nem São Jorge Salva”, o folhetim do momento. Partindo da pitoresca Istambul, passando pelo underground de Madri e aterrissando nos morros do Rio de Janeiro, Glorinha tenta nos empurrar goela abaixo a bizarra história de amor de Morena (a deliciosíssima, tesão da minha vida, Nanda Costa) com o oficial do Exército Théo (Rodrigo Lombardi), em pleno clima de pacificação das favelas cariocas. E, até aqui, depois de trinta e poucos episódios, a trama ainda não mostrou a que veio, ao passo que, com cinco capítulos- CINCO!- todo mundo já sabia por quem torcer no bairro do Divino.

Só pra variar, o casalzinho principal simplesmente não “cimentou” nos corações da audiência. Vai ver é o vício do brasileiro em desprezar qualquer mocinha que não seja a Regina Duarte, mas dizem por aí que o personagem de Lombardi contradiz a letra da melosa música composta por Roberto Carlos. Como o príncipe encantado descrito na música pode ser tão indeciso, imaturo e dado a surtos de bipolaridade? Como “esse cara”, que tem quase 40 anos e ainda mora com a mãe conseguiria impor respeito num regimento sem ser a piada do batalhão? E pior, o que foi que Morena, uma adolescente do morro já vivida, matuta, que tem filho e o pavio mais curto que a audiência da trama, viu num sujeito desses pra cair de amores por ele? Quem entende o amor, você me diria.

Mas já que não dá para conquistar as donas de casa pelo coração, que seja pelo sangue. Logo, o núcleo do tráfico humano em Istambul terá uma nova “moradora”: A própria Morena, que será sequestrada e forçada a se prostituir grávida do Théo, e como se a humilhação fosse pouca, ela também terá o filho vendido e traficado, enquanto sua mãe recebe uma bala perdida num baile funk e entra em coma. Coisas de rotina...

E depois dessa, imagino que Glorinha esteja pensando em tatuar um alvo nas costas da mocinha e levá-la para um passeio na Faixa de Gaza. Ou então vão vendê-la para o Yellow Bastard, o maníaco sexual do filme Sin City... Mas não nos preocupemos! Afinal de contas, toda mocinha tem um final feliz, mesmo as apedrejadas pela audiência. Mehraba!


*Designer e escritor. Site: HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br