segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O Presépio

* Por Tânia Haskel

Meu marido sempre me pergunta impaciente, o porquê de eu gostar tanto dos rituais e preparativos do Natal. E esse “tanto” é na verdade exagerado mesmo, confesso, pois passo o ano a procurar sites, livros e revistas especializados em Natal, seja em português, em alemão, inglês, em italiano, (não que eu seja poliglota, o Google que me ajuda a traduzir, rs...) seja em fevereiro, julho ou setembro. Quando chega dezembro, praticamente enlouqueço! Penso no que preparar na ceia, se o pinheiro tem enfeites suficientes, nos biscoitos de Natal, na faxina da casa, nos presentes e papéis para os presentes da família, coloco músicas natalinas para ouvir, enfim, é uma paranóia muito prazerosa, um estresse que me deixa extasiada!

Ainda quando morava em Blumenau, depois que comecei a trabalhar no centro, esperava ansiosa pela chegada da revista “Cláudia Natal” às bancas, que na época eram maravilhosas, cheias de receitas e dicas para as festas. Ia todos os dias, às “bancas Zimmermann” à procura de novidade e aproveitava para andar calmamente pelas calçadas da Rua XV na hora do almoço para ver as decorações das lojas, das ruas, ouvindo os sons natalinos da “Brunetti Discos” ecoando pelos ares. Já ia entrando no clima.

Agora, longe e saudosa da minha terra, recorro à internet, que me traz, além de informação, o resgate de tradições que sempre foram cultivadas naturalmente em minha casa paterna e que enraizaram pelo coração, coisas das quais senti muita falta e que não encontrei no Brasil afora, onde morei. Enfim, sempre estou buscando algum motivo que resgate essa alegria em mim: textos que traduzo caso sejam em língua estrangeira, fotos, poesias, estórias, gravuras, receitas, sites de compra para encontrar simples, mas quase inexistentes formas de cortar biscoitos natalinos, etc.... Depois que minha filha nasceu a procura tem se inflamado mais e mais. Vivo em busca de músicas, quebra-cabeças infantis on-line com tema de Natal, revistas, etc. Já mandei buscar livro sobre “o tema” na Alemanha. Agora estou aqui, para escrever um pouco sobre essa sina deliciosa. Tenho um projeto de um Livro de Natal, que faço aos pouquinhos ano a ano, para ficar com minha filha no futuro, pois quer ela queira quer não, já está fazendo parte dele.

Já li que na vida, as pessoas, para se realizarem e deixarem sua semente para as futuras gerações, devem escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore. Pois já plantei uma árvore (uma araucária ou Pinheiro de Natal, claro), já tenho uma filha (que adora fazer comigo os biscoitos de Natal e ouvir os Pequenos Cantores da Guanabara cantando “É Natal”) e agora me falta apenas o Livro. . .

Acho que mais do que fazer brotar o espírito de Natal, nessa época do ano tento resgatar no fundo da alma, os tempos da minha vida que já foram mágicos, cheios de brilho e inocência, tempos estes de genuína felicidade.

Talvez por ter sonhado com meu irmão Renato numa noite dessas, achei por bem lhe render uma homenagem e registrar aqui a sua preocupação em me fazer sempre um Natal especial com seus maravilhosos presépios, projetos acalentados com prazer e paixão por anos à fio.

Nos finais dos anos 60 e início da década de 70, quando eu ainda era uma menininha, ao se aproximar a época de festas de final de ano, meu irmão, na época ainda um adolescente, saía com a enxada no ombro em direção ao bosque que ficava atrás de nossa casa (na época ainda havia bosques...) em busca da planta-parasita “barba-de-velho”, musgos, cascas de árvore e pequenas bromélias róseas para enfeitar o nosso futuro presépio. A grama ele tirava de um canto do campinho de futebol que existia também pertinho de casa. Não demorava muito e lá voltava ele, suado, sujo de terra e cheio de sacos repletos de coisas que prá mim eram mágicas e recém saídas dos livros de contos-de-fada, e com uma enorme vontade de começar logo a montagem do presépio.

Esse nosso bosque, como não existe mais, merece um parágrafo à parte:

A meninada daquele tempo tinha a sorte de ainda haver lugares assim para se divertir dentro de um bosque urbano. Não existia a rua Humberto de Campos, que hoje desemboca nos pavilhões da Oktoberfest, aliás, nem rua existia, havia apenas a mata e crianças livres pulando e correndo pelos caminhos que a serpenteavam. Tinham toda a liberdade e segurança prá brincarem de esconde-esconde, subir em árvores, caçar passarinho, saborear as frutas típicas da mata Atlântica, seguir vaga-lumes e macaquinhos nos galhos, alheio aos olhos de todos, já que as árvores frondosas abundavam ali. Lembro que , pequena e com sarampo, proibida de sair de casa, ouvia pela janela aberta do quarto, apenas os assovios e gritaria de brincadeira da meninada vindos de lá, e ficava morrendo de vontade de estar com eles, imaginando fadinhas e elfos alados em meio às névoas matinais, revoando no reino encantado que, na minha imaginação, ficava dentro daquele lugar. Havia um límpido riacho que cortava o bosque no qual a “piazada” se refrescava e pescava nas tardes quentes de verão, e havia ainda o campinho de futebol que ficava numa clareira aberta por entre as árvores onde a vaquinha do sr. Udo Wacholz pastava sossegada até ser ordenhada pela molecada. Meus pais contavam que meu irmão Renato era quem fazia o serviço da ordenha, os vizinhos Rudinei e Paulo César Pruner seguravam um punhado de erva prá que ela comesse e se distraísse, enquanto meu outro irmão segurava o caneco para o leite, que depois de terminada a traquinagem, era bebido por todos. Essa história rendeu uma bela dor-de-cabeça à minha mãe e uma boa surra nos meus irmãos, no dia em que o dono da vaca veio reclamar o leite que estava lhe faltando na hora da ordenha. Ih.....

Bem, o nosso não era exatamente o “bosque dos 100 Acres” das estórias do ursinho Pooh, mas de lá saíam todos os anos as maravilhas silvestres que iriam abrilhantar nosso presépio de Natal. E era isso que o fazia ser tão especial.

O primeiro passo para montá-lo era escolher o local exato onde ficaria, pois isso determinaria o quanto poderia expandir num dos cantos da sala, sob a vigília do pinheiro que seria montado mais tarde. Ah, quanta coisa boa acontecendo!! Como uma criança agüenta tanta emoção?? E as cigarras, nessa época, há muito já davam sinais de sua graça, ciciando no jardim. Prenúncio de mais alegrias!

Em seguida, era a vez da casinha. Como todo ano, uma nova era confeccionada. E o material básico inicial necessário saía do caixão de lenha de minha mãe. Como tínhamos forno e fogão à lenha, essa etapa ficava fácil de concluir. Lenha fina e redonda fazia as vezes de estrutura, alicerce e sustento para o telhado. As paredes laterais (não existiriam as frontais, pois era aí que Jesus ficaria exposto) e telhado eram confeccionados com cascas de árvore e gravetos. Ficava lindo! Por cima de tudo ele colocava cuidadosa e estrategicamente a barba-de-velho, dando a rusticidade necessária no local escolhido por Maria e José para o nascimento de Cristo, afinal, o filho de Deus havia nascido num lugar tão humilde e mesmo assim era REI DO MUNDO, justo que tudo fosse feito no maior ritual e esmero. Eu não saía de perto dele, sempre acocorada e curiosa, olhando todo o processo e ajudando a segurar os materiais, buscando pregos e serrote na caixa de ferramentas do pai, e ficando mais extasiada à medida que aquele amontoado de lenha ia tomando forma de casa.

Mas antes que levássemos a casinha prá dentro da sala, meu irmão acabava de inventar uma bela cadeia de montanhas na paisagem, uma verdadeira cordilheira, com perspectivas sobrepostas, artifício este que seria repetido por anos a fio. Pregara e colara papel pardo à parede, amassando-o nos lugares certos para dar a exata impressão de relevo. Colara algodão nas pontas para representar a neve que caía nas montanhas naquela noite gelada de dezembro em Nazaré. Depois olhava, examinava, calculava e sua imaginação ia fluindo e criando asas.

Um balde cheio de areia fina era jogado no chão forrado de papel e jornal, no local destinado ao presépio. Minha mãe se afligia e resmungava um pouco com a sujeira inicial, mas logo relaxava e ali, finalmente repousaria a casinha. Agora começaria o melhor, acreditava eu, pois conhecia a veia criativa de meu irmão, já que era músico, bom desenhista e futuramente um cinegrafista e fotógrafo de rara sensibilidade.

Uma vez trazida a choupana para ser o centro das atenções no meio da cena imaginada por meu irmão, começavam a ser assentadas as trilhas e estradinhas de areia, ladeadas por tufos de musgos, pedrinhas e onde seria finalmente depositado o gramado. Placa por placa foi sendo colocada e surgia daí uma linda e uniforme pastagem verde. E por todo esse pasto eram colocadas florzinhas e aqui e acolá as róseas e delicadas bromélias. Tudo no maior capricho, paciência e paixão.

No meio desse campo florido, imaginou dar um toque especial, colocando um espelho por baixo de algumas das placas de grama e sobre ele um alvo e pequeno cisne de brinquedo, como que um lago houvesse surgido no milagre da noite sagrada, e ao invés da pomba, um cisne branco a trazer a paz. Ficou criativo e esplêndido!

Aí começavam a ser distribuídas as figuras de cerâmica, cuidadosamente guardadas e embaladas durante todo o ano, os personagens de toda essa cena sacra: uma ovelha na estrada de areia, outra no pasto florido, outra próxima às montanhas nevadas, os pastores tranqüilos a contemplá-las, os 3 Reis Magos em fila, chegando à manjedoura para louvar o recém-nascido, Maria e José orando, a vaquinha e o burrico observando tudo (eu adorava colocá-los na casinha), o Anjo na ponta do telhado à abençoar todos, e o personagem principal, motivo de toda nossa alegria, trabalho, expectativa, beleza e paz : o menino Jesus!!

Parecia que estava pronto, mas algo não estava exatamente completo nos planos do meu irmão: e à noite? Com a árvore de Natal com seus galhos compridos e pingentes pendurados sobre tudo, como todo esse trabalho seria visto? Então teve a idéia de instalar uma luzinha no interior da casa, envolta em papel celofane amarelo e por trás do anjo do telhado uma lâmpada de pisca-pisca azul e lá no alto das montanhas, outra luzinha por detrás de um papel de seda recortado em forma de círculo, seria a lua. Deu um trabalhão, mas o resultado final ficou maravilhoso, digno de exposição. E o melhor era saber que no ano seguinte haveria outro presépio, com expectativas, inovações e idéias geniais para saudar novamente a chegada de Nosso Senhor e Salvador.

O bosque de nossa infância se desvaneceu como um fim de tarde, entre brumas.

O futuro cobrou seu espaço, desmatou tudo e abriu a rua Humberto de Campos, construiu o “Angeloni” e o “Big” e todo o progresso que nossa linda cidade agora desfruta. O riacho foi aterrado e cedeu lugar ao Condomínio onde eu mesma morei por 5 anos depois de casada. Mas felizmente, as lembranças, progresso algum consegue desvanecer. Quase 40 anos depois, consigo lembrar de cada detalhe, do cuidado e capricho empenhado no propósito de tornar nosso Natal mais bonito. Espero que meu irmão, de onde estiver, tenha gostado do relato e se lembrado das tantas vezes que ele nos proporcionou essa alegria. E que ele, co-responsável pelos meus Natais mais legais, agora me guie para que faça presépios tão inspirados e lindos para a alegria de muitos Natais na minha nova família.

• Escritora de Blumenau/SC

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