sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Termômetro da cultura

A palavra é o próprio homem. Somos feitos de palavras. Elas são nossa única realidade ou, pelo menos, o único testemunho de nossa realidade”. Esta declaração pode ser tomada como uma espécie de profissão de fé do poeta, ensaísta e diplomata mexicano Octávio Paz, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1990, em sua atuação política.

Em ensaios, artigos e entrevistas, defendeu a necessidade (vital) da preservação do idioma por todas as sociedades vigorosas e em evolução que aspirem continuar evoluindo. Entendia que a língua de que ela se utiliza é o termômetro do vigor de sua cultura, em seu sentido amplo, que abrange todos os costumes, tradições, comportamentos, práticas e aspirações coletivas desse povo.

Considerava que um dos sintomas mais alarmantes e e inequívocos da decadência de determinado país era a corrupção da sua linguagem, que se refletiria em toda a sua comunicação, quer a artística e literária, quer a trivial e cotidiana, quer, e principalmente, a oficial, dos seus governantes. Declarou, em determinada ocasião, a esse propósito, em uma das tantas (e instrutivas) entrevistas que concedeu: “Quando uma sociedade se corrompe, a primeira coisa que gangrena é a linguagem”. E essa advertência faz todo o sentido. Afinal, o idioma falado por determinado povo é seu principal fator de aglutinação social, sua mais notável, posto que não única, característica nacional.

Daí considerar a linguagem como termômetro para detectar se a sociedade está febril – sintoma inequívoco de doença, de curva descendente da saúde que a pode levar a irrecuperável colapso e à morte – ou se sua cultura está saudável, dinâmica e em contínua evolução. Octávio Paz ressaltou que um país “doentio” se deixa contaminar pela retórica vazia e demagógica dos que cultuam o estatismo, o burocrativismo, a estagnação e a posterior retrocesso das suas instituições. A tal propósito, advertiu: “Para se evitar a implosão institucional, a decadência cultural e a destruição do tecido social, a primeira medida seria limpar o idioma e extirpar o veneno da retórica oficial”.

Para essa limpeza e extirpação, Paz recomenda, como detergente e antídoto, a transparência na comunicação dos governantes com os governados. Ou seja, a exposição de idéias (se estas existirem), de programas e de prestações de contas de forma a que todos entendam, sem sofismas e nem ambigüidades. Parece-me que desta ausência de clareza e de objetividade todos os governos, de todos os países (uns mais e outros menos) padecem na atualidade. O “termômetro”, pois, indica que algo não está saudável no corpo social planetário. Creio que a humanidade, no início desta segunda década do século XXI, manifesta sintomas alarmantes de decadência. Octávio Paz observou, em um dos seus ensaios: “Se os líderes lessem poesia seriam mais sábios”. Não tenho dúvidas sobre isso.

Para nós, escritores, a defesa do idioma de que nos utilizamos, preservando sua pureza e vigor, é mais do que importante: é vital. Cabe-nos a responsabilidade natural – até em decorrência da atividade que exercemos – de guardiões da linguagem. Somos, saibamos ou não, parâmetros e certamente servimos de modelos da arte de bem comunicar para milhares, quiçá milhões de pessoas. O segredo da boa redação e, por conseqüência, da comunicação sadia e eficaz, está na simplicidade. Note-se que um texto “simples” não pode e não deve ser confundido com “simplório”. Deve ser claro, objetivo, ordenado e perfeitamente inteligível pelo seu destinatário, o leitor. Para isso, todavia, não precisa e não deve descambar para a vulgaridade.

Escrever bem não significa usar e abusar de um pedantismo cafona e rançoso, que nada comunica, embora possa impressionar basbaques. Não exclui a verdadeira erudição, caso quem redija a tenha. Se a tiver, certamente saberá se fazer entendido e transmitirá sua mensagem com elegância, posto que com eficiência, já que uma não exclui a outra. Octávio Paz disse a respeito: “Somente pela transparência é que se pode chegar a uma nova realidade, livre da cafonice enjoativa da publicidade e das palavras asfixiantes, nauseabundas e açucaradas dos parasitas e dos cortesãos”.

Há quem discorde do premiado poeta e entenda que ele exagerou na defesa da necessidade de preservação do idioma. São os tais dos eternos críticos, que criticam tudo e todos apenas por impulso (ou vício?), sem saberem quem e o que criticam. Há milhões desses, mundo afora, e temo que sejam irrecuperáveis, que se constituam em casos perdidos e sem remédio. Octávio Paz poderia responder a esses céticos empedernidos (provavelmente sem conseguir convencê-los, pois eles não sabem sequer porque criticam): “O homem é um ser que se criou a si próprio ao criar uma linguagem. Pela palavra, o homem é uma metáfora de si próprio”. E não é?!

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Na reconstrução do Timor Leste, a preocupação inicial era o resgate da língua oficial, na ocasião falada por menos da metade das pessoas, num país coalhado de dialetos, e o Português sendo deixado de lado. Lembro-me que muitos brasileiros se apresentaram para ensinar a nossa língua. Não sei dizer como as coisas andam por lá agora.

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