quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Um brinde ao que poderia ter sido -Ou: Avenida Plasil em cinco atos

* Por Fernando Yanmar Narciso

A partir de agora, assumo que vocês, meus caros leitores, assistiram tanto à novela das 9, agora em sua reta final, como ao filme cult Corra, Lola, Corra, de 1998. É necessário ter visto ambos para compreender minhas propostas para o que a novela de João Emanuel Carneiro, com seus vários furos, poderia ter tido para calar a boca dos críticos e, principalmente, da audiência indignada com os furos aqui citados. Porque, quando a própria audiência começa a rir à custa dos erros do autor, é porque a coisa tá feia!

Ato 1: No primeiro capítulo, Carminha engana Genésio, pai de Rita/ Nina, para ele vender a casa, assim ela manda Max roubar para eles o dinheiro da transação. Ele descobre, mas já é tarde demais. Roubado, Genésio persegue Carminha na chuva, mas acaba sendo atropelado por Tufão na Avenida Brasil, e Rita vê tudo. Surpreendentemente, a menina parece não ter família por parte de pai, pois nenhum parente sequer aparece para o funeral dele ou para disputar a guarda da criança, que fica com a madrasta Carminha que a deixa no lixão e ninguém nunca mais ouve falar na Rita. Se a família tivesse aparecido, ela não seria adotada por uma família argentina, Carminha e Max acabariam sendo presos e ela não precisaria voltar ao Brasil 12 anos depois, com a barriga roncando por vingança. Mas, em compensação, JEC não teria uma história para encher linguiça por 180 capítulos.

Ato 2: Ignorando o furo da falta de parentes. No primeiro capítulo, Carminha deixa Nina no lixão e ela jura vingança. 12 anos depois, ela descobre onde Carminha mora através da internet e poderia ou contratar um matador para invadir a mansão- ou como gosto de chamar, o Taj Mahal no Divino, seqüestrar a megera e dar um tiro na cabeça dela, ou, pelo bem da dramaturgia, a própria Nina poderia tocar a campainha da mansão, Carminha atenderia, a garota vingadora enfiava um revólver na goela dela, sem mais perguntas, e PUF! Fim da vingança. Ela não envolveria mais ninguém no plano, chocaria todo o bairro com seu ato “sem sentido” e valeria a pena passar o resto da vida na prisão após a missão bem-cumprida. Mas, novamente, uma história assim não teria assunto para mais de uma semana de novela.

Ato 3: Ignoremos os atos anteriores. No famoso capítulo 103, onde Carminha desmascara a mocinha vingadora e a enterra viva, muita gente achou ridículo a megera ter colocado só um palminho de terra ao redor de Rita e ainda não ter atirado nela, como “uma oportunidade para que ela colocasse a cabeça no lugar e nunca mais fosse atrás dela”. JEC devia ter seguido sua idéia inicial e posto Nina ou dentro de um caixão ou trancada num mausoléu. Lúcio, capanga de Carminha que fez o serviço, parece que se esqueceu que Nina o ajudou quando tentou roubar a mansão junto com Max. Se o autor tivesse um pouquinho de bom-senso, faria Lúcio voltar mais tarde com Mãe Lucinda, a amiga de Nina, Betânia, com Jorginho ou com quem fosse para resgatar a mocinha num sinal de gratidão, em vez de ter deixado que ela se livrasse sozinha de sua “punição terrível”. OK que ela ainda estava amarrada e dopada na cova, mas daquela quantidade de terra em cima dela até um neném conseguiria escapar.

Ato 4: Vou voltar a açoitar cavalo morto agora... Virou até piada na internet o fato de Nina não ter guardado as fotos que bateu de Carminha traindo Tufão com Max num site de armazenamento de fotos, assim como a câmera, supostamente digital, que ela usou para tirar as fotos, ter simplesmente sumido depois que ela deu o flagra. O próprio autor deve ter se arrependido de ter feito a lenga-lenga com as fotos impressas e deixadas com três pessoas de confiança e ainda cerradas num cofre de banco, provavelmente armazenadas num pen-drive, mas sem essas cópias das fotos, como a vilã teria sua oportunidade de dar a volta por cima? Se eu fosse Nina, assim que tivesse batido as tais fotos, contrataria uma frota de ônibus para desfilarem na porta da mansão do Tufão, com suas laterais adornadas com impressões das fotos no tamanho de outdoors, para a família Tufão e o bairro do Divino inteiro ver. Que noveleiro não teria um orgasmo ao ver uma cena dessas? Uma vingança suprema! Carmem Lúcia nunca mais teria coragem de colocar os pés no bairro, e toda a trama passaria a girar em torno dela tentando retornar aos braços de Tufão e se vingar de Nina. A novela estaria dando picos de ibope em sua reta de chegada e rapelaria todas as estatuetas no Troféu Imprensa ano que vem.

Ato 5: ignoremos todos os atos acima. Após a morte do pai e ser largada no lixão, Nina é adotada pela família argentina, é muito feliz na outra terra, apesar da crise econômica do país, e acaba esquecendo que Carmem Lúcia e Max existiram em sua vida. Um final bem à brasileira para uma história tão triste. E, novamente, a novela nem chegaria a ser uma minissérie. Mas, paciência, né?

*Designer e escritor. Site: HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br

Um comentário:

  1. Os novelistas escrevem contra o tempo, e assim perdem o fio da meada e a coerência. Achei graça das suas observações: um crítico mordaz.

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