quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Onde está seu sonho?

* Por Mara Narciso

Tenha um sonho. É obrigatório tê-lo, sonhá-lo, idealizá-lo. Siga esse sonho. Aliás, persiga esse sonho. Vá onde ele estiver, e não abandone o desejo de alcançá-lo e segurá-lo. É necessário possuí-lo, e a ameaça de cansaço servirá de estímulo para correr atrás dele.

Está no subsolo? Escave. Use os pés, as mãos, as unhas, pás e alavancas. É preciso ir buscá-lo lá embaixo. Está muito fundo? Escave mais, fure, abra túneis, use escavadeiras, dinamite, amarre-se em cordas, dependure-se, arrisque-se, enfie-se terra adentro, use a bateia no rio subterrâneo, mas não volte sem os seus diamantes.

É a cidade que esconde seu sonho. É um tesouro que pode estar numa rua, praça, edifício, casa. Avance sobre o perímetro urbano. O trânsito está fluindo. Aproveite. Cace seu sonho como quem procura o paraíso. É uma profissão, uma qualificação com vistas a uma realização pessoal. Através de uma função que aprenderá, e depois irá exercer um ofício. Assim conseguirá trabalho, respeito, status, posses, poder. É isso que quer? Comece logo a sua corrida. É como numa olimpíada. É preciso pegar o transporte certo, adquirir as habilidades adequadas, e não ter medo da concorrência. Qualifique-se!

Olhe para cima. Seu sonho está no alto, lá no céu. Claro, escuro, dia, noite, sol, chuva? Use lunetas, suba nas montanhas. Está distante demais? O telescópio não o faz visível? Frete um foguete, vá a Estação Orbital Internacional, arrisque uma olhada pelo Hubble, mas não perca de vista esse sonho. Vá logo, e traga seu punhado de estrelas.

Sobre o chão encontra-se esse sonho. Longe, muito longe, lindo e raro. Enfie-se no mato, embrenhe-se na floresta, escale a árvore mais altaneira, alcance com binóculos o horizonte da floresta, mire mais longe, aviste seu sonho, desça, chegue mais perto. Veja a preciosidade. Contemple as formas, observe as cores, repare na textura, sinta o perfume e colha a sua flor. Não volte sem ela. Aquela raridade só floresce uma vez por ano, e em poucas horas esvanece, murcha e demora doze meses para acontecer de novo. Caso esse seja o seu sonho, nutra-se, faça dele seu alimento, sua felicidade.

O seu sonho está no fundo do mar? Aprenda a nadar e depois a mergulhar, e não tenha medo das profundezas oceânicas. Vá de navio, olhe lá longe, a claridade solar e o sal marinho não conseguirão impedi-lo de vislumbrar seu sonho. Também aprenda a enxergar o infinito marítimo, e no lugar exato, mergulhe. Mesmo entre tubarões. Com escafandro, e se for pouco, vá de submarino. Não deixe escapar o bem magnífico que lá se encontra, no fundo do mar. É uma pérola de grande valor. É linda, e é sua. Afinal é o seu sonho. Traga-a para a superfície, sinta-a entre os dedos, mire-a, beija-a e convença-se de que era isso mesmo o que desejava. A dificuldade da busca a torna mais preciosa.

Se o seu sonho é encontrar o amor, precisará de mais fôlego e coragem do que nas missões anteriores. Não poderá haver receio de perfurar o chão, subir à estratosfera, perder-se na floresta, enfrentar as feras mais traiçoeiras, ou afundar-se nas águas do mar. Para encontrar a pessoa sonhada, não propriamente idealizada, que preencha os requisitos desejados pelo sonhador, é preciso seguir as exigências da mais radical das gincanas. Para dar certo, combine antes com o objeto do seu desejo, quem sabe por telepatia, ou por torpedo? Ter reciprocidade é tão difícil quanto encontrar um desconhecido na multidão. Se o seu sonho é encontrar a pessoa da sua vida, vá com todas as suas forças e credenciais. E torça para que não haja desencontro de expectativas. O ruim é quando alguém faz parte do seu sonho, mas você não está no sonho dela.

“Moverei céus e terras, mas alcançarei meus objetivos”, é o que se diz. Porém, mais inóspito do que o solo lunar, mais hostil que as profundezas do pré-sal, mais inatingível que o cume do Everest, é o amor não correspondido. É chegar ao sonho e acordar no vazio. É o desalento da sequidão do Saara, mesclado com o frio irregelante do Pólo Norte. Nesse desaprumo existencial não é possível lutar. As forças se esgotam, mal chega a consciência da tragédia. A pessoa esvaziada se deita, e num gesto de autopiedade, fecha os olhos e desiste desse sonho. E de todos os outros. Evitando embrulhar a frustração em papel vermelho lamenta num suspiro: eu não tenho mais sonhos. Talvez desejos. Até começar tudo outra vez!

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade” – blog http://www.teclai.com.br/

8 comentários:

  1. Que estupenda injeção de ânimo e de esperança...
    Bravo, Mara!

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    1. Verdade, Marcelo, em mim e nos outros. Obrigada pela persistência em ler meus escritos. Fico muito feliz com sua atenção e carinho. Muito obrigada!

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  2. "..Vou saber que valeu
    Delirar e morrer de paixão
    E assim, seja lá como for
    Vai ter fim a infinita aflição
    E o mundo vai ver uma flor
    Brotar do impossível chão."



    Esse é um pequeno trecho da música "Sonho Impossível"

    Preciso dizer mais nada, lindo, lindo, lindo!
    Beijos

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    1. Perfeita essa explosão de otimismo. Precisamos ler/ouvir isso. Obrigada Núbia!

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  3. Bravos, Mara! Esse é o tipo de texto que gosto de ler. Já guardei-o em meus arquivos, entre as preciosidades literárias que tenho orgulho de manter em meu acervo. Parabéns, querida amiga!!!

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    1. Um comentário que nos enche de animação. Obrigada, Pedro!

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  4. Fico muitíssimo contente quando leio uma preciosidade dessa de otimismo... " A esperança é a última que morre."
    Parabéns, escritoramiga!
    Abração do,

    Cal

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    1. Eu mesma estava precisando disso, então busquei dentro da alma minhas antigas energias. Obrigada, José Calvino, pela presença constante.

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