quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A Academia dos Jogos Florais

Victor Hugo começou sua brilhante (diria fulgurante) carreira literária “por cima”. Ou seja, aos 17 anos de idade, conquistou, logo de cara, os três primeiros e cobiçados prêmios da “Academia dos Jogos Florais” da França. Certa ocasião, em uma das tantas palestras que proferi, citei esse fato como grande feito do futuro escritor e fui aparteado por alguém da platéia, que não via grande mérito nesse evento e, portanto, na conquista do poeta (seus primeiros passos no campo das letras foram na poesia). Claro que se tratava de falta de informação do caro aparteador.

Ele desconhecia – como tantos, e tantos e tantos e bons intelectuais desconhecem – a milenar história (na França é secular e existe até hoje, sendo evento dos mais prestigiados e seus prêmios dos mais cobiçados) da Academia dos Jogos Florais. Na ocasião, fiz questão de esclarecer, não apenas meu atento e participativo aparteador, mas a todos os presentes, sobre o que era essa entidade e qual a natureza dos torneios poéticos que promovia (e que promove até hoje). Gosto de ser questionado em minhas palestras. É sinal que meus ouvintes estão atentos e não sonolentos e bocejadores, o que é uma.tragédia para qualquer palestrante.

Como tenho a mania de tornar minhas exposições as mais didáticas possíveis, peço licença ao paciente leitor para fazer uma pausa no relato de algumas circunstâncias da vida de Victor Hugo, para tratar dessa entidade, cuja “inspiração” foi a congênere e antecessora da Roma Antiga. Os Jogos Florais originais não tinham, como os atuais têm, caráter competitivo. Não, pelo menos, no seu início. Tratava-se de uma das maiores festas populares da Cidade Eterna, realizada anualmente no início da Primavera. Devia seu nome a Flora, deusa das flores e dos jardins, à qual os romanos homenageavam com cânticos e com poesias.

Com o passar do tempo, essa festa foi se transformando, até adquirir caráter de competição, ou seja, de uma espécie de olimpíada, posto que não esportiva, mas artística. Na época dos imperadores, o evento se transformou em renhida disputa poética, cobiçadíssima pelos grandes poetas da época, porquanto a vitória conferia prestígio e às vezes fortuna ao ganhador, comparável (grosso modo) aos premiados atualmente com o Nobel de Literatura.

Esses torneios eram organizados por assembléias literárias e contavam com a participação de competidores procedentes das mais longínquas partes do vasto e poderoso império romano. Pudera! Os vencedores transformavam-se numa espécie de “superstars” e recebiam entusiástica aclamação pública, além de coroas de rosas, de mirto e de louros. Vencer os Jogos Florais, então, era a glória.

Na França, a Academia encarregada de organizar esse evento anual não tem, claro, a conotação religiosa que os romanos lhe emprestavam. Mas confere idêntico prestígio, diria até que maior do que em Roma, já que os vencedores ganham amplo espaço na mídia e, quem é escritor sabe o quanto a divulgação é importante para o sucesso na carreira literária. Os prêmios, a exemplo da antecessora romana, também são em flores, porém com importante diferença: estas são, respectivamente, de ouro, prata e bronze.

A Academia dos Jogos Florais da França é bem anterior ao século XIX, oportunidade em que Victor Hugo participou da competição e, aos 17 anos de idade, conquistou os três primeiros lugares. Foi fundada em 1323, por um grupo de poetas, em uma época em que se dedicar a compor poesias era tido como coisa de boêmios, de debochados, de parasitas e vagabundos. Creia-me, leitor, houve tempo em que esses mágicos “pastores de emoções” eram tidos como tal (pelo menos pelos detentores do poder político).

Tendo em vista essa conotação pejorativa da poesia na época, a entidade chamou-se, originalmente, “Colégio da Ciência Gaiata”. Em 1500, uma dama da cidade de Toulouse, Clémence Isaure, resolveu reabilitar o prestígio dos poetas, reformando a Academia e transformando-a no que é até hoje e dando0lhe o nome atual. Grande e esclarecida mulher!

Não é apenas a França, todavia, que promove, anualmente, Jogos Florais. Portugal, Espanha e Itália, por exemplo, há dois ou três séculos, também têm os seus. No Brasil, eles acontecem em várias localidades, embora não contem com a necessária e suficiente divulgação para se tornarem populares. Uma pena!

Gabriel Garcia Marquez, em seu romance “O amor nos tempos do cólera”, cita os Jogos Florais da Colômbia e sugere tratarem-se de concorrido e prestigioso evento artístico-cultural. Como se vê, o primeiro prêmio literário conquistado por Victor Hugo teve, sim, relevância, ainda mais sabendo-se que os poemas que inscreveu conquistaram os três primeiros lugares. Ou seja, como se diz no popular, “fez cabelo, barba e bigode”. Como conseqüência desse sucesso, as portas das editoras se lhe abriram pela primeira vez. Assim, em 1822 (ano da independência do Brasil), aos vinte anos de idade, pôde lançar seu primeiro livro, “Odes e Poesias Diversas”, alguns meses antes de casar-se com Adéle Foucher.

A partir daí, sua carreira literária estava lançada e seu prestígio estava em ascensão, apesar dos altos e baixos que todos temos em algum tempo na vida. Em 25 de fevereiro de 1830, três dias depois do 28º aniversário do escritor, estreava, num teatro de Paris, a peça “Hernani”, de Victor Hugo, cujo prefácio é considerado o Manifesto do Romantismo francês. Nessa época, ele já chefiava o famoso “Cenáculo”, reunindo a nata da intelectualidade da França. Como se vê, a Academia dos Jogos Florais foi, sim. importante e mais, decisiva na vitoriosa carreira do nosso ilustre e talentoso personagem.

Boa leitura

O Editor.

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2 comentários:

  1. Obrigado, amigo, por abordar em minúcias este grade e secular prêmio literário Academia dos Jogos Florais, outorgado, meritoriamente a um dos maiores - senão o maior - poeta e escritor de França. Achei bárbado a maneira como expôs toda a narrativa.

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