sexta-feira, 27 de julho de 2012

Breve apresentação do escritor Marco Albertim

* Por Urariano Mota

O escritor e jornalista José Carlos Ruy me sugeriu a oportunidade e não posso faltar.

Lembro que na Pensão sem nome, ali no cruzamento da Avenida João de Barros com a Suassuna, onde hoje há uma Faculdade de Direito no Recife, no mesmo velho casarão, agora pintado e limpo, ali no primeiro andar, Marco Albertim estava foragido no quarto onde eu morava, tendo como testemunha um mimeógrafo debaixo da cama. Imaginem que testemunha! Para a repressão, com aquele objeto seríamos uma célula comunista e gráfica. Como se fosse agravante, ao lado, como uma segunda acusação, havia uma viúva cearense em outro aposento, que tudo sabia pois tudo adivinhava, que ele estava clandestino, oculto e sem registro, mas o coração da viúva era infinito em bondade, que é uma forma superior de compreensão. E por isso escapamos. Ali, ele passava o dia todo em silêncio, fugitivo da repressão do exército, que havia invadido a sua casa no bairro de Cajueiro. Lembro essas coisas porque foi ali, em 1971, naquela hora de angústia, que ele iniciou o seu aprendizado literário, ao ler Cem Anos de Solidão. Era visível a forma com que devorava o livro de Gabriel García Márquez, com as páginas voando uma após outra sem descanso ou intervalo. Ali... o que deveria falar nesta altura, da obra genial ou da má hora em que ela se fez fecundante? Talvez não seja este o momento em uma apresentação breve. Adiante.

De lá até hoje, para fazer um corte e montagem em mais de 40 anos, como se ao fim de uma longa carreira no tempo eu apenas dissesse “é isso”, anoto que pude ver o amadurecimento da sua arte. De jornalista a escritor, de relatos mais breves que estas linhas a voos ambiciosos em que planou, pairou sobre a paisagem da sua terra, testemunhei muitos saltos. Em suas colunas do Vermelho podem ser vistas crônicas de valor acima do efêmero, das quais destaco os perfis que ele traça de pessoas e gente da terra onde nasceu, a ponto de uma vez me ocorrer que Goiana havia sido premiada com o seu escritor. Lembro de Luiz, o pesquisador solitário, lembro também dos contos em que a cidade se ergue, por entre o musgo de gerações e a vida. Goiana, em Pernambuco e Pernambuco, recebeu a sorte de ter em Marco Albertim um filho, um socialista que se tornou escritor. Ou terá sido o contrário, o germe da maravilha que é a literatura, lá na primeira adolescência foi quem o transformou para a esquerda? Eu me inclino para a segunda pergunta afirmação, pois sei de experiência o quanto a poesia, o romance fazem da gente um coração que deseja o mundo. Então assim foi, porque assim tem sido.

Essas coisas têm que ser ditas em vida do escritor. Ele, como todo artista, desconfia do próprio valor. O artista, amigos, é um ser frágil, de vidro fino, que ao comum das pessoas parece um narciso insatisfeito, guloso sem limite, sempre a esperar um elogio. Mas não. É insegurança, é uma desconfiança atroz, perseguidora, permanente, que não dá trégua. Creiam, até mesmo os maiores criadores têm sempre uma hora em que se perguntam: “Será que sou quem imagino ser? Se sou quem me imagino, por que ninguém afirma a minha qualidade?” Em uma mesa em Olinda, em um fim de tarde, já ouvi do escritor Marco Albertim: “quem foi que elogiou o que escrevo?”. Na hora, é cômico. Na reflexão, compreendemos, todos somos feitos do mesmo barro. Por isso é preciso que se diga e se escreva e se proclame e se grave: o conto de Marco Albertim é surpreendente. Surpreendente porque muito amadureceu a sua expressão literária. Por frases que cortam feito quicé (faca afiadíssima, quase só lâmina gasta de ser amolada – diferente das definições do dicionário). Pela descrição sensual da gastronomia. Pelo natural da narração do coito. Pela zona de atmosfera em que põe o leitor. Já em outros contos, densos, existem informações, micróbios de um romance – porque estão aos 7 meses de barriga, prenhes de ideias, que não cabem nos parágrafos.

Então chegamos ao específico do romance Conspiração no Guadalupe, que o Vermelho publicou em capítulos, reabilitando o bom gênero do folhetim. Assim o anunciou José Carlos Ruy:

“Conspiração no Guadalupe terá 32 capítulos, que aparecerão nos próximos finais de semana no PP&A, que serão agrupados numa vinheta própria para facilitar a leitura do conjunto do material publicado.

Guadalupe, explica Albertim, é um bairro de Olinda (PE) e o romance conta a conspiração clandestina de cinco militantes desgarrados do Partido Comunista numa cidade cuja prefeitura estava nas mãos da direita. Artesãos populares aliam-se aos conspiradores, junto com Bajado, pintor que viveu em Olinda, um babalorixá e iorubas diversos. Tudo de mistura a uma trama de amor – com sexo na superfície – entre os dois casais de uma base do Partido”.

Da sua leitura anotamos duas ou três luzes. Já nos primeiros capítulos há uma boa descrição da noite olindense, na angústia e desespero daquelas noites da ditadura. O cenário de Olinda, com seus dias e carnaval, contrapõe-se à noite onde todas as virtudes se negam nos bares. Os perfis e militantes clandestinos, com seus amores, afetos, se tornam protagonistas, e suas afeições e desafeições no amor chegam a pôr em caráter secundário até mesmo a luta contra a ditadura, parece. Como nestes pontos:
“- Tenho a graça de Ogum, estou prenha e tenho um macho que é meu e do Partido. Quero entrar para o Partido!
- Como você descobriu o Partido? – Gertrude insistiu no embaraço.
- Se eu fosse do Distrito vocês estariam presos. Como eu descobri... Ouvindo a conversa de vocês, ora bolas!

Maújo só levantou o dedo. Chica não queria perder a chance de ser ouvida pelos três ao mesmo tempo, sem o socorro de batuques.
- Nunca falamos de Partido na sua frente.
- Li uns papéis de Maújo. Ele deixou na escrivaninha. E chega de me tratar em banho- maria. Não suporto isso ......
- Está se saindo um novato ao lado de Chica, Maújo. Ela recrutou-se, perdeu a paciência com você. Recrutou-se no Bonfim, ouvindo frevo. Deixou você com a calça nas mãos.

Não demora e ela o matricula na escola do pai-de-santo. Será um aprendiz de feiticeiro!

Gertrude não perdera o costume de portar o diabo a tiracolo. Não se vingara do esbulho. Depois do discurso incomum de Maújo, sentiu-se livre para fazer uso do latim de sua preferência.
- Não seria tão ruim assim. Depois de um ano, teríamos trinta capoeiristas na escola do Partido. Trinta negros de Angola na base do Guadalupe! O que me diz dessa possibilidade?
- Não perdeu a mania de bravatas. Fala em possibilidades. Quero ver faturas.”.

No romance há o colorido da cidade. É deliciosa a aparição de Bajado, um artista de Olinda”, como ele se assinava nos quadros e murais. Bajado está imortal no capítulo XXVIII do livro. O curioso, e bom, é que a própria narração se torna um quadro de Bajado, como aqui:

“Chica juntou-se a Bajado, dona Biu, às duas filhas. Atrás, Maújo, Caetano e Gertrude em animada conversa com diretores das duas agremiações. O mais interessado era o presidente do Homem...

Artesãos diversos, todos segurando instrumentos de uso no ofício. Chica os instruíra.

As Pretinhas, atrás deles, dançando o maracatu. Os capoeiras, exibindo-se ao som do berimbau.

Quatro da tarde do sábado, biroscas servindo de abrigo a desocupados, bêbados vadios, cronistas de ladeiras e becos. Em frente ao Mercado da Ribeira, um séquito de escravos não os surpreenderia tanto.”

Em dúvida, os que não têm a felicidade de conhecer Bajado e sua Olinda, para sentir a conformidade e adequação da prosa de Albertim ao artista, em dúvida olhem estas figuras do pintor:

http://2.bp.blogspot.com/_X3evsZM2wL8/TMG8RyLBoLI/AAAAAAAAABI/

lAlQUl8vvYo/s1600/2544_pintura_artista_bajado_olinda_pernambuco_brasil.jpg

ou aqui

http://www.brasilartesenciclopedias.com.br/mobile/nacional/images/bajado01g.jpg

Esse romance, poderia ser perguntado, não possui um certo Jorge Amado, quando apanha elementos de culto afro e substitui Salvador por Olinda? As semelhanças são exteriores, penso. Em Conspiração no Guadalupe não há uma substituição de paisagem, porque em Marco Albertim houve uma apropriação de Olinda, da sua paisagem que não é só física, mas humana. Neste sentido, ele pode assumir o lugar do narrador, do escritor que a cidade até hoje reclama. Uma Olinda entre o popular, o espírito irreverente, o demoníaco e sua rebeldia. Enfim, para ter a síntese que não consegui até este momento, concluo: Goiana antes e agora Olinda têm o seu escritor.

O véio da Bodega precisa saber.

* Escritor, jornalista, colaborador do Observatório da Imprensa, membro da redação de La Insignia, na Espanha. Publicou o romance “Os Corações Futuristas”, cuja paisagem é a ditadura Médici e “Soledad no Recife”. Tem inédito “O Caso Dom Vital”, uma sátira ao ensino em colégios brasileiros.

2 comentários:

  1. Marco Albertim avançou tanto em sua literatura, que eu i leio aqui, mas nem tudo consigo entender e daí acho melhor não comentar. É muito difícil para mim. Preciso ler mais, avançar mais, para então compreendê-lo.

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  2. Errata: Erro de digitação: eu o leio aqui.

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