segunda-feira, 23 de julho de 2012

14º andar

* Por Paulo Valença



1


Doutor Maciel em pé, recostado no parapeito da varanda do 14º andar, olha para baixo.

Com a mão direita penteia os cabelos finos, lisos para trás, no gesto bem seu de quando nervoso ante um problema. Os automóveis, as motos, os pedestres que transitam na luta diária pela sobrevivência. Os edifícios defrontes imponentes, modernos, bonitos. Atrás desses está o mar azul, com os banhistas que devido à distância, se tornam bonequinhos... Tudo na rotina costumeira. Sim, haja o que houver com a gente, nada pára, tudo segue ao comando de uma Força Maior. E saber que ele, Maciel, está com a mesma doença que vitimou o seu pai, o velho Luis!

O sensato então, é encarar a própria realidade.

- Cruel realidade!

Dá voz, concluindo o que pensa. E se deixa assim ficar, por trás do pequeno muro, a atenção voltada para fora, à avenida que cresce a agitação de veículos e pedestres.

O mar cintila com mais intensidade o seu azul ante a luz do sol que o acalenta, no abraço da manhã que vai amadurecendo.

Agora – torna a refletir – é se preparar para as horas que terá de enfrentar na luta contra o terrível mal, que é mesmo o chicote da humanidade...

- O câncer!

A voz novamente expandindo o desabafo de quem vê realmente de frente o próprio mal e, de repente, a indagação: E se...

Embaixo, o pátio desocupado, o jardim bem cuidado à direita, o posto do guarda, o portão largo conjugado. O seu pai no leito, acabando-se aos poucos. A repetição do mal. As horas cruéis, o drama que Neide – a esposa – e os filhos adolescentes – Júnior e Glauce – que terão de enfrentar, enquanto tudo segue, para a inutilidade, dentro da verdade dolorosa!

2

Na televisão, no noticiário policial, o delegado Amâncio dá o seu depoimento sobre o corpo que caiu da varanda do 14º andar do Edifício Morada do Jequié, em Boa Viagem:

- Estamos trabalhando para solucionar o caso.

Faz uma pausa, valorizando-se, e prossegue falando:

- Pela posição do corpo caído junto à parede de acesso ao edifício, nos faz pensar que se trata de um suicídio.

Nova pausa e conclui, a atenção voltada à câmara da Televisão:

- Segundo a própria esposa do falecido doutor Maciel, a Senhora dona Neide, ele vinha ultimamente tomando remédios e estava muito deprimido... Mas, repito, estamos trabalhando para esclarecer tudo.

Hoje à tarde, será o sepultamento no Parque do Sossego, do falecido doutor.

O repórter agradece à autoridade, que então lhe dando as costas, apressado se afasta com outros policiais, para a sala à esquerda.

Os comerciais aí retornam ao vídeo.

Sim, a vida prossegue na eterna marcha de ontem, hoje e sempre.

Sempre.


* Paulo Valença é autor paraibano, com livros de ficção premiados nacionalmente; Verbete do Dicionário Biobibliográfico de Escritores Contemporâneos; Verbete da Enciclopédia de Literatura Contemporânea; Membro de várias instituições literárias; Presente em diversos sites; Reside em Recife/PE.

Um comentário:

  1. Eita vida mais ou menos essa...
    Ainda assim, torci para que ele lutasse, enfim.
    Abraços Paulo.

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