domingo, 24 de junho de 2012

Um nome incomum

* Por Lêda Selma

Os urandienses eram uma grande família. Muitos fazendeiros, muitos agregados e quase todos compadres duas ou até três vezes. E Urandi regozijava-se de seus filhos naturais e adotados.

Fatos pitorescos aconteciam sempre por aquelas bandas, trazidos pela estrada de ferro, quer no período das missões, quer no dia-a-dia rotineiro daquele pedacinho baiano brotado em pleno sertão.

O pároco do lugarejo, conhecido apreciador da água-benta-de-cana, não se curvava à estupefação de seus paroquianos ante seus arroubos atípicos para um padre interiorano, numa época em que as tradições, o convencionalismo e os valores morais e religiosos não podiam, sequer, ser arranhados. E coitado de quem o questionasse ou se intromecesse em seus guardados especiais...

– Quem bulir em meus particulares vai levar uma pisa tão grande que é pra não esquecer nunca a insolência do atrevimento.

– Visse, um padre ensopado até o gargalo do gorgomilo, só pode ser coisa do Coisa – dizia o beato, um sujeito medroso e assombrado.

Mas, o padre era especial, uma exceção amadíssima e compreendida por todos. E suas extravagâncias já tinham sido até tombadas pelo patrimônio folclórico do município, assim como seu corpo, pela cachaça.

Certo dia, um sujeito bronco e de uma simplicidade constrangedora, orgulhoso de sua estréia como pai, gostou tanto de um nome “chique e pomposo” que não teve a menor dúvida em presentear seu pimpolho com tal preciosidade, apesar dos tropeços em pronunciar um trissílabo proparoxítono ainda tão estranho e exuberante para a localidade (Péricles, importado de Salvador).

– Pade, óia que danada de boniteza ieu fiço conjuminado com minha patroa (e ostentava o rebento como um troféu, um prêmio à sua virilidade): é fio home, de sacão preto e tudo mais de mió. Promode isso, vô lhe dá um nome de macho, o sinsinhô assunte.

– Deixe logo de aperreio e desse olha lá, veja cá e me diga de pronto o nome do pirralho, que eu não tenho todo o tempo do mundo para ficar aqui ouvindo essa ladainha desentoada, não.

– Tá certo, meu pade. Assunte se num é um nome de uma lindeza sem pareia; escuitei no rádio, acostei no pensamento e gravei na memória: Pe-ni-cles. Escuita bem: Pe-ni-cles – soletrou com a boca cheia de orgulho e vazia de dentes, para indignação do padre que foi logo esbravejando:

– O quê? Que história é esta de Penicles? Com este nome não batizo de jeito nenhum, nem se Cristo mandar, pois Ele não está nem doido de fazer uma coisa dessa.

– Mas, que que é isso, sinhô? Parece que o pade se confundiu e foi muito demais com essa lindeza toda. Pernuncia comigo e sente: Pe-ni-cles. Assim, com a boca cheia de letra; se avie, pade... Pe-ni-cles..

– Por minha batina, que aberração é esta?! Penicles... tem cabimento? Ah! Cristo, o Senhor é o culpado; foi pôr miolo em desmiolado, olha no que resultou!? Penicles... pode? Então, por que já não coloca logo Orinocles?!

* Do livro Pois é, filho...

• Poetisa e cronista, licenciada em Letras Vernáculas, imortal da Academia Goiana de Letras, baiana de Urandi, autora de “Das sendas travessia”, “Erro Médico”, “A dor da gente”, “Pois é filho”, “Fuligens do sonho”, “Migrações das Horas”, “Nem te conto”, “À deriva” e “Hum sei não!”, entre outros.

Um comentário:

  1. Muito divertido o texto. Adorei, num sabe? E meu pade só batiza se chamá Orinocles....kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

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