sexta-feira, 18 de maio de 2012

Terremoto de Lisboa

* Por Jair Lopes

As grandes catástrofes naturais que atingiram a civilização nas últimas décadas, como vulcões, terremotos, enchentes e tsunamis e até vazamentos de usinas nucleares como em Chernobil e no Japão ano passado, têm sido catalogadas como as maiores já acontecidas desde que o homo sapiens se pôs a registrá-las. Contudo, proporcionalmente, o maior cataclismo já acontecido foi o terremoto de Lisboa de 1755. Em primeiro de Novembro daquele ano ocorreu uma catástrofe tríplice na cidade e seus arredores que, sem qualquer concessão, foi o desastre maior que já atingiu a Península Ibérica. As 9 horas e 20 minutos da manhã a terra estremeceu e fez cerca de 100.000 mortos em virtude dos desmoronamentos, de incêndios que acabaram com o resto que havia sobrado e de três colossais tsunamis que se seguiram. Católicos de todas as cores e de todo o mundo rezaram por Lisboa e os lisboetas, porque a capital de Portugal era (ainda é) uma das cidades mais beatas do Planeta.

Naqueles tempos ainda existia inquisição na Península, e tanto cristãos velhos como conversos, ou cristãos novos, praticavam um catolicismo de curral que não lhes permitia divergir um cagagésimo sequer dos ritos preconizados pela igreja, sob o risco de enfrentar atos de fé que poderiam até levá-los para a fogueira. Então, era comum os cidadãos encomendarem junto às suas paróquias, para depois da morte, uma infinidade de missas e solicitações de velas e rezas para que suas almas descansassem em paz. Naturalmente todas as missas e velas eram pagas antecipadamente. A inquisição, venal como era, via nessa “devoção” uma fonte de renda copiosa e inesgotável. E os devotos não tinham escolha, suas almas dependiam de seus recursos.

Contudo, para decepção dos católicos que haviam colocados suas fichas nessa loteria póstuma, sua devoção de nada adiantou e Lisboa foi punida como Sodoma o fora nos tempos bíblicos. Ficou registrado que o otimismo gerado pela filosofia de Leibniz, a qual afirmava que “vivemos no melhor dos mundos possíveis” e que havia contaminado as mentes européias, ficou extremamente abalado pelo virtual desaparecimento de Lisboa. O otimismo praticado não previa espaço para destruição de cidades, um acontecimento desses jamais poderia caber “no melhor dos mundos”.

Devemos lembrar que as obras de reconstrução da cidade coordenadas durante o mandato de Marquês do Pombal, eminência parda do reinado do pífio Dom José desde 1746, foram facilitadas graças ao esbulho do ouro vindo do Brasil que permitiu a reconstrução da nova cidade, moderna, no lugar da Lisboa medieval que ainda existia nos finais do século dezoito. A reconstrução da cidade destruída tornou-se uma prioridade quando praticamente nem tinham terminado os tremores, ou seja, já no dia seguinte o plenipotenciário e despótico Marquês de Pombal começou a esboçar ideias para reconstruir aquilo que havia desaparecido e consertar o consertável. A despeito do péssimo juízo que se faz de Pombal pela sua suposta arrogância, por seu mandato ditatorial e pela expulsão dos jesuítas em 1757, é inegável que foi graças a sua energia que se puderam reparar os danos que o sismo havia causado. A história registra que ele começou dizendo "Enterrem os mortos e alimentem os vivos" e, arregaçando as mangas, tornou-se um trabalhador incansável que só parou quando a morte veio ao seu encontro. Em razão de sua determinação e capacidade de trabalho, Lisboa reergueu-se rapidamente e melhorou sob todos os aspectos, tornou-se uma cidade moderna.

Com um sismo de 9,0 graus na escala Richter, (esclarecendo, a escala Richter ainda não existia, mas os geólogos atuais deduzem os valores dos terremotos antigos pelos estragos que fizeram e pelos sinais que deixaram nas camadas do solo) a cidade estremeceu violentamente e começou a desabar como um castelo de cartas. Era dia de todos-os-santos e, por isso, calou fundo no imaginário carola da maioria da população. Nas casas ardiam velas nos oratórios, o que pode ter contribuído fortemente para o incêndio das ruínas causadas pelo abalo. O povão, apavorado pelos incêndios, correu como uma onda à zona portuária, local menos atingido pelas chamas. Foi aí que a coisa ficou mais feia ainda. Um enorme tsunami de mais de trinta metros de altura, galgou as beiras do rio Tejo e invadiu as ruas e casas já destruídas, e, em seguida, no rastro da primeira, vieram mais duas ondas gigantescas.

Alguns fiéis, genuflexos e consternados, persignavam-se, elevavam os olhares para o céu na vã esperança que uma luz das alturas lhes viesse acudir, mas a massa daquele povo assustado tentou fugir das praias, mas tropeçava nos escombros e caía nas chamas, estava literalmente entre o fogo e o mar ameaçador. E os desabamentos das paredes que restavam, combinado com o fogo apavorante e a água que levava tudo de roldão, fizeram que metade da população da cidade morresse ou desaparecesse. Montões de cadáveres despedaçados, queimados e afogados atestavam o poder fenomenal dos eventos. Para muitos, aquele Deus vingador do velho testamento julgara Lisboa e a condenara por seus pecados e iniquidades, como outrora fizera com Sodoma.

Contrariamente aos cidadãos comuns e escravos que viviam nas partes baixas da cidade em casas de qualidade inferior, a nobreza, o clero e os áulicos do poder habitavam construções de boa qualidade nas partes mais altas, então não é de estranhar que estes tenham, na sua maioria, saídos incólumes ou tenham tido prejuízos materiais de menor monta, quase sem perdas de vidas. O terremoto de Lisboa fora extremamente indulgente com as classes sociais altas e terrivelmente malévolo com o povão. Pareceu até justiça divina ao contrário. Eu hein!

• Escritor, autor dos livros “O Tuaregue” e “A fonte e as galinhas”.

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