domingo, 20 de maio de 2012

Haja paciência!

* Por Lêda Selma

Estava, mais uma vez, em uma sala de espera de consultório médico. Não que eu seja hipocondríaca, ou que tenha a saúde frágil. Não, não, apenas, mais uma visita de rotina ao médico. A propósito, hipocondríaca é certa amiga, daquelas de infância. Deus me aumente o estoque de tolerância!, a cada bate-papo com a tal que, diga-se, é de amargar! Por falar nisso, seu fígado é o culpado, acusa-o sempre.

Bom, já que abri parênteses, um exemplo da hipocondria da moça: desesperada, ligou-me, com jeito de despedida, certa noite. Se mal entendi, despedida eterna. Ah! o terceirizador de sua partida, o sangue. Engastalhado na urina, indicava-lhe estado terminal, garantiu-me. Tentei acalmá-la. Vã tentativa. “Estou desgraçada! Só espero o resultado do exame para selar, de vez, meu destino: a morte!”. Dia seguinte, novo telefonema, e a voz toda adocicada pelo alívio: “Ufa, não será desta vez, amiga! Pelo menos, por enquanto, não arredarei pé da vida. Não era sangue e sim, excesso de beterraba e de amora, acho que exagerei na ingestão de ambas!”.

De volta à sala de espera do consultório médico. Bem, de repente, como habitual, a intimidade entre desconhecidos faz-se a tônica da espera que, não raro, se arrasta, qual lesma claudicante, pelos corredores das impaciências dos pacientes. E novas bestagens enchem o espaço de inutilidades:
– Estou ‘exáustica’. Andei o dia inteiro atrás do meu ‘adevogado’ pra pegar sua ‘rúbrica’ e não encontrei o sumido. É por isso que coisa ‘gratuíta de graça’ não presta – pavoneava, com voz empostada e com gosto de esnobismo, uma mulher rechonchuda, de seios graúdos e balouçantes, prestes a escapulirem da blusa, boca enorme e excessivamente vazia. Não de palavras, claro!

Alguém se interessou pelo problema da madama, e foi aí que a fulana esbaldou-se na falação:
– Estou em ‘procéssico’ de divórcio. Meu marido arrumou uma ‘concubínica’ e o jeito foi tomar providências. Por isso, ‘instituí’ um ‘jurístico’ pra tomar conta do caso. Mas, haja ‘paciêncica’!

HAJA! – gritei interiormente, e, em súplia: Senhor protetor dos ouvidos aviltados, socorro! Esses ‘proparoxítonos’ forjados detonaram-me o humor e os ouvidos; melhor ser surda que ouvir asnuras! Leda fantasia, pois, enquanto audição possuísse, ouviria besteiras de variados calibres, a torto e a direito.

De outra feita, em um daqueles muitos recreios tão característicos do serviço público, ouvi de uma nortista muito engraçada, crítica e debochada (fazia troça até de si), minha colega de sala, alvo constante de suas próprias gozações:

– Um dia, li numa revista a palavra pérgula e achei chiquérrima. Copiei a maravilha pra não esquecer e, então, pensei: vou lascar esta joia numa conversa com letrados. Jamais consegui. Por mais que eu me esforçasse. Parecia até coisa feita, gente. Eu, doidinha pra exibir meu vernáculo, as chances aparecendo e, na hora H, ficava em dúvida e não me lembrava direito da maldita. Nunca sabia se falava na pústula, na pérgula ou no prostíbulo da piscina.


Momento poético:

Esta clareira aqui, sob o peito,
tem vazios, valas, lonjuras
e fósseis de amores tardios.

Nem mais ouço os alaridos
de meus sonhos chamuscados
sobre as peliças de outrora.

Mas sinto o rodopio do vento
grimpar ladeiras e flancos,
com a saudade nos ombros.

• Poetisa e cronista, licenciada em Letras Vernáculas, imortal da Academia Goiana de Letras, baiana de Urandi, autora de “Das sendas travessia”, “Erro Médico”, “A dor da gente”, “Pois é filho”, “Fuligens do sonho”, “Migrações das Horas”, “Nem te conto”, “À deriva” e “Hum sei não!”, entre outros.

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