segunda-feira, 21 de maio de 2012

Gênero mal compreendido

A poesia, pelo menos no Brasil, é tratada como algo menor, maldito, visto com menosprezo pelo público e pelos editores. Até os que se confessam seus fieis apreciadores raramente adquirem livros do gênero. Via de regra, quando os têm na estante de sua biblioteca, estes foram presentes de alguém. Os mais broncos chegam a dizer, ou a insinuar, que escrever versos se trata de coisa de "maricas". Para outros, poesia não passa de jogo de palavras, sem nexo ou sentido. Outros, ainda, confundem-na com a água com açúcar banal e infantil, de rimas pobres, popularesca, que alguns tentam lhes impingir. Não é nada disso, óbvio.

Porém, por causa dessa forma de encarar a poesia, por parte de muitos e muitos leitores, para um poeta lançar um livro do gênero, tenha o valor literário que tiver, precisará (salvo raras exceções) custear a edição. Nenhuma editora se arriscará a bancá-lo. E raramente o infeliz autor consegue vender um número de exemplares suficiente que lhe permita sequer recuperar o investimento feito. A não ser que se trate de um dos chamados "monstros sagrados" das letras, como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Mário Quintana e um ou outro mais. E todos estes também enfrentaram as mesmas dificuldades que os desconhecidos enfrentam para brindar o público com a sua arte. No entanto... a poesia (felizmente) está longe de morrer.

Não sei como é a realidade dos poetas em outros países. Presumo, todavia, que seja muito melhor do que a nossa, a julgar pela quantidade deles brindada com prestigiosos prêmios literários, como o Pulitzer, o Camões, o Cervantes e, sobretudo, o Nobel de Literatura. Escrevo isso com base em experiência pessoal. Tenho cinco livros de poesia escritos e nenhum publicado.

Sem querer me jactar (mas também sem falsa modéstia) posso garantir que meus poemas têm conteúdo e que receberam críticas favoráveis de vários críticos literários de renome e reconhecida competência, que sequer me conheciam pessoalmente e que não tinham, portanto, razões para tentarem “ser agradáveis” comigo. Todavia, tentei publicá-los, procurei para tal várias editoras, algumas das quais com diversos livros de outros poetas em seus respectivos catálogos e... Vocês já devem ter imaginado o que aconteceu. Não consegui, sequer, convencer os responsáveis pela seleção do que é publicável que ao menos lessem minhas obras, sem nenhum compromisso. Desisti. Já me conformei em permanecer rigorosamente inédito, pelo menos no que diz respeito a livros de poesia. Continuarei divulgando meus versos, mas apenas na internet. Que remédio!!!

Ouso dizer, sem receio de equívoco, que a poesia é o mais difícil e complexo dos gêneros literários para se trabalhar com qualidade. Exige do escritor os mesmos requisitos dos demais, com a agravante de requerer que ele não somente tenha, mas saiba expressar aguçadíssimas emoções. O poeta não fala tanto ao intelecto (embora fale bastante), mas objetiva, antes e acima de tudo, emocionar quem lê seus textos poéticos. "A função do poeta é dar às palavras o seu valor harmônico e criar de novo, com o auxílio delas, associando-as, substituindo-as, surpreendendo-as em posições inéditas, o ar de mistério de que originariamente se cercavam". Estas observações foram feitas, no início do século XX, por André Maurois, no livro "Vozes da França", a propósito da obra de Paul Valéry. São, no entanto, mais do que válidas e atuais. Trata-se de uma das raras (e mais lúcidas) definições sobre o papel desse tipo de escritor, cujo papel é um tanto (para não dizer totalmente) confuso na cabeça dos leigos.

Concordo com Jorge Luís Borges quando declara que ao poeta não compete “definir” e esclarecer os temas de que trata, mas apenas “sugerir”. É um sugestionador por excelências. E de tal sorte, que cada pessoa que ler seus poemas, os interpretem de forma particular, toda sua, de acordo com sua realidade pessoal. No caso da poesia, portanto, o papel do leitor é participar, interpretando a seu modo os textos e, mais, “sentindo-os”, sendo, por conseguinte, lídimo parceiro da criação. Cabe ao escritor desse gênero, todavia, induzi-lo a tal.

Todos somos, quando amamos, um pouco poetas. Já escrevi isso em bárias oportunidades, mas não reluto em reiterar. E o somos mesmo que não tenhamos, jamais, escrito um único verso em nossa vida. Amando, passamos a ver o mundo por um filtro encantado, de magia e de beleza. O poeta é um eterno apaixonado, ou pela mesma mulher, ou por uma infinidade delas ou, o que é mais comum, pelo “amor”, sem que sua paixão se volte a nenhuma pessoa específica.

Alguém chegou a escrever (não me lembro quem), jocosamente, que quando está amando, até um cachorro late em versos. Exagero? Nem tanto! O amor tem mesmo essa característica de nos tornar receptivos ao que é bom, positivo, belo e transcendente. Até sofrer por amar vale a pena. Por outro lado, quando alimentamos pensamentos mórbidos, sombrios e fatais, questionamos a vida, sua origem, finalidade e significado. Ou seja, mesmo que não venhamos a nos dar conta, filosofamos então. É do escritor George Santayana esta feliz observação: “O amor torna-nos poetas, e a morte, filósofos”. Prefiro, óbvio, preencher coração e mente com a grandeza do amor e poetar a não mais poder, do que questionar esta maravilhosa (e não raro perigosa) aventura de viver e ponderar sobre minha extinção.

Embora saiba que jamais conseguirei escapar dela, temo a morte, na qual não vejo a mínima beleza, o mais remoto encanto. Prefiro esquecê-la e ser surpreendido por ela, quando chegar minha hora fatal. Dedico o meu tempo à beleza, ao ideal, à poesia, ao amor e a tudo o que de bom a vida proporciona ou possa proporcionar.

Bem, escrever sobre poesia, sem transcrever nenhuma, é uma atitude vil, que interpreto como a heresia das heresias. Por isso, ilustro estas descompromissadas reflexões com três poemas, de um dos mais sensíveis e reverenciados poetas brasileiros, Mário Quintana. Ele nos legou magníficos momentos de beleza e de emoção, como este poema:

Na volta da esquina

“Atenção: o luar está filmando...
Uma senhora gorda, com um chapéu de plumas.
Noite alta, um bêbado passa cantando.
Se me amasses...
Entre a minha casa e a tua há uma ponte de estrelas”.


Outra pérola de sensibilidade de Quintana são estes versos:.

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos


“Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...

Suas palavras
seriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz os iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel.
Trago-te palavras apenas...e que estão escritas
do lado de fora do papel. Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento
da Poesia...
como uma pobre lanterna que incendiou!”


Finalmente, para iluminar sua segunda-feira e encher de beleza sua semana, trago à sua apreciação este poema, com jeitão de apelo:


Bilhete

“Se tu me amas, ama-me baixinho
não o grites de cima dos telhados
deixa em paz os passarinhos
deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...”


Boa leitura.

O Editor.

Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk

Um comentário:

  1. Vou aos poucos entendendo esse complexo mundo poético. Estou lendo "O Eu profundo e outros eus", de Fernando Pessoa para o nosso próximo Clube de Leitura, domingo que vem. Está difícil demais. Sei que não conseguirei romper todos os poemas. Vou lendo em voz alta e aos saltos vou entendendo um ou outro verso. Alguns me tocam e os releio. E assim vou passeando por Portugal no final do XIX e começo do século XX, em Português da época. Creio que você adoraria participar desse clube, Pedro.

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