sexta-feira, 25 de maio de 2012

A calçada vazia

* Por Paulo Valença

1

De bermuda, camisa e tênis desbotados, a barba apontando, o cabelo encaracolado crescido, a pele mais negra, o olhar tristonho, ele se senta na calçada à esquina da antiga mercearia de Elísio (hoje apenas servindo como depósito de bebidas) e, acendendo o cigarro observa o que ocorre na rua estreita e nas residências nas laterais dessa. Depois, informará a “novidade” que virá com a “batida policial” repentina; se alguém surge para vender a “droga” ou se “tramam” um assalto... Tudo analisa como bom “espia” e repassador da recente “notícia”...

- Fez bem em me alertar Bibiu. Toma pra o refrigerante.

A cédula. A mão de unhas sujas que a acolhe. Os olhos de repente com novo brilho e a voz baixa, no agradecimento:

- Obrigado Chicão.

Esse sorri e, despachando-o:

- Pode ir. Qualquer coisa me avise.

- Certo irmão.

A figura alta, magra, deixa a sala, enquanto Chicão reflete. Um pobre coitado para a sociedade, contudo, leal informante, valor à “Associação”.

2

O grupo de sempre se reúne no terraço da venda do Tonho, para conversar e beber, na descontração domingueira. Ali, ele, Bibiu, obterá as recentes “novidades” para depois as repassar ao Chicão, então, se ergue.

Calmo se avizinha do grupo de amigos e sentado no meio-fio da calçada, põe-se alerta, ouvindo o que falam.

- Eu soube que a droga tá solta aqui no bairro.

Diz o sujeito baixo, gordo, amulatado Seu Isael.

Os outros três escutam-no interessados.

Isael prossegue falando:

- Comentam que são esses jovens que ficam pelas esquinas até pela madrugada, que recebem e repassam a “mercadoria”.

O silêncio conveniente. E Seu Mário, então, baixando a voz:

- Também já ouvi isso, mas, vamos apelar para que os nossos garotos daqui da rua não entrem nessa onda perigosa. E, vamos conversar mais baixinho...

Com os olhos faz o sinal à figura de Bibiu, no meio-fio. Cabisbaixo. Silencioso. Disfarçando o interesse no que eles falam.

- Certo. Entendi.

Tornam a falar, se policiando, temerosos que são de uma repentina traição.

3

A calçada vazia.

O grupo reunido. A conversa. A descontração. A cerveja. E, de repente, Seu Isael sorrindo, indaga aos amigos:

- Vocês souberam?

- Não, o que houve, criatura? – indagas Seu Mário, na curiosidade de sempre.

Então, o outro:

- Encontraram o Bibiu morto, na Mata do Passarinho, aí de Olinda.

- O quê? E...

- Pois é. Falam que foi gente do tráfico que “queimou” ele.

O silêncio. A perplexidade.

- Comentam que ele era “informante” e deve ter dado uma “dica” furada e pagou com a própria vida.

O silêncio permanece.

- Mas, vamos beber! Quem morreu que descanse em paz.

Bebem. Distraem-se. Enquanto a manhã de domingo vai passando com a rua agora mais movimentada de carros, motos, bicicletas e pedestres e... Na esquina adiante, a calçada da mercearia está vazia, na denúncia de quem não mais faz parte deste mundo.

* Paulo Valença é autor paraibano, com livros de ficção premiados nacionalmente; Verbete do Dicionário Biobibliográfico de Escritores Contemporâneos; Verbete da Enciclopédia de Literatura Contemporânea; Membro de várias instituições literárias; Presente em diversos sites; Reside em Recife/PE.

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