Seu Kadu, o crente
* Por Edmundo Pacheco
Seu José Kadu Vida cria.
Cria como nem o mais empedernido crente jamais ousara crer. Não que ele fosse crente. Não, longe disso. Pelo menos não desses crentes seguidores de igrejas-mercado, que enchem o rabo de pastores-mercadores de grana... Muito menos de igreja tradicional, destas com séculos de história de engodo. Não, Kadu não era destes. Zé Kadu era crente. Crente na verdadeira acepção da palavra. Crente mesmo.
Kadu Vida nunca, jamais, por nenhum instante em seus quase 40 anos rastejando sobre essa terra miserável, tivera um segundo que fosse de dúvida. Ele cria. E era orgulhoso disso. E ele cria em tudo. Principalmente em tudo que fosse inacreditável. Bastava ser obviamente improvável, inacreditavelmente impossível, pro seu Kadu Vida crer.
Pai de santo? Ele cria. Mãe de santo? Cria! Tio? Tia? Irmão? Tivesse que parentesco tivesse do santo e ele pimba! E era fervoroso... Ele acreditava de corpo e alma e se dedicava às suas crenças. Aquibanda, alibanda, umbanda ou tivesse quantas bandas tivesse...
-Deus??!! Vixi!
-Diabo? Credo em cruz nossa senhora!
E era um festival de santas claras, escuras, aparecidas e desaparecidas, sumidas e encontradas. Era santo, santa... Mereciam a devoção de Kadu. Bíblias? Tinha todas. Traduzidas, interpretadas, do velho testamento, do novo, do novíssimo, ilustradas, em quadrinhos, em fita cassete na voz do Cid Moreira e em vídeo-dvd 3-D com som sorround 6.1 dolby, um luxo!
E sabe aquelas historinhas da bíblia? Do Zémané que foi rei da galiléia e da vidinéia e da reborréia; do pastor de ovelhas que encontrou “seu” lobo e perguntou:
- Por que olhos tão grandes? – Xiii, acho que essa é outra história... Mas, enfim, todas as compilações históricas imaginadas ou não, criveis ou não, eram motivo de reverência pro amigo Kadu Vida. Sabia todas, de cor e salteado. Em seus itens e sub-itens, versículos e ridículos. E quanto mais imbecis parecessem, mais lhe serviam de credo e ele tomava como exemplo a ser seguido, tangível, crível... E citava aos quatro ventos, pra qualquer motivo e pra qualquer transeunte.
- Só Limão disse certa vez, bem-aventurados sejam aqueles que acreditam sem ver...
- E o profeta Zémané falou...
E lá ia o Zé Kadu, desfiando aquela baboseira toda, gravada, ao longo de sua inútil vida. Os amigos, poucos, quando viam o Zé se aproximando, já se arrepiavam...
- Jesus! Vamos embora, que lá vem o Zé... Ninguém merece, ele é de morte!
E lá vinha o Zé Vida, crente absoluto. Certo de tudo. Sabia como o mundo havia sido feito, como todas as criaturas haviam sido criadas, pra que ele estava vivo e pra que o mundo existia. Estava tudo lá, era só acreditar e tudo se resolvia instantaneamente.
Enfim... Zé acreditava em gnomos... Papai Noel. Coelhinho da páscoa... Jurava já ter visto duendes na plantação de morangos, nos fundos de seu casebre...Zé só não acreditava mesmo nele. Era incapaz de pensar.Pensar? Nem pensar! Duvidar? Por quê? Detergente é... (epa!).
Fosse o que se fosse fazer, não contasse com ele. Zé já avisava que não ia dar certo; que ele não ia conseguir, não era capaz...
- Hiii... Nem adianta, minha mente num arcança essas coisas. Deus é testemunha... Sofro de impotência celebrau, com a graça do bom deus... Mas nada há de me fartá... – acreditava ele.
Vendia sorvete de sol a sol, pra se virar na vida, já que, apesar de acreditar cegamente, milagre nunca vira. Filho de deus nenhum sequer lhe dera um prato de comida que fosse. Sempre tivera que rastejar em busca de seu próprio sustento.
- É a mardição de Adão... Mas hei de vencer.... – ensinava o sábio Zé. E lá ia ele: Pém! Pém ! Pém! Empurrando seu carrinho, morro abaixo, morro acima e esperando que um dia deus, ou quem quer que fosse, lhe desse o descanso eterno e a felicidade eterna, e o amor eterno, e até o terno (como aquele bonitão que os pastores usavam) que ele não pudera ter aqui, na única vida que ele milagrosamente tivera e que lhe escapava pelos vãos dos dedos, inacreditavelmente.
Pém! Pém! Pém!
*Jornalista, ex-editor-chefe da TV Guairaca (afiliada Globo) Guarapuava, PR
* Por Edmundo Pacheco
Seu José Kadu Vida cria.
Cria como nem o mais empedernido crente jamais ousara crer. Não que ele fosse crente. Não, longe disso. Pelo menos não desses crentes seguidores de igrejas-mercado, que enchem o rabo de pastores-mercadores de grana... Muito menos de igreja tradicional, destas com séculos de história de engodo. Não, Kadu não era destes. Zé Kadu era crente. Crente na verdadeira acepção da palavra. Crente mesmo.
Kadu Vida nunca, jamais, por nenhum instante em seus quase 40 anos rastejando sobre essa terra miserável, tivera um segundo que fosse de dúvida. Ele cria. E era orgulhoso disso. E ele cria em tudo. Principalmente em tudo que fosse inacreditável. Bastava ser obviamente improvável, inacreditavelmente impossível, pro seu Kadu Vida crer.
Pai de santo? Ele cria. Mãe de santo? Cria! Tio? Tia? Irmão? Tivesse que parentesco tivesse do santo e ele pimba! E era fervoroso... Ele acreditava de corpo e alma e se dedicava às suas crenças. Aquibanda, alibanda, umbanda ou tivesse quantas bandas tivesse...
-Deus??!! Vixi!
-Diabo? Credo em cruz nossa senhora!
E era um festival de santas claras, escuras, aparecidas e desaparecidas, sumidas e encontradas. Era santo, santa... Mereciam a devoção de Kadu. Bíblias? Tinha todas. Traduzidas, interpretadas, do velho testamento, do novo, do novíssimo, ilustradas, em quadrinhos, em fita cassete na voz do Cid Moreira e em vídeo-dvd 3-D com som sorround 6.1 dolby, um luxo!
E sabe aquelas historinhas da bíblia? Do Zémané que foi rei da galiléia e da vidinéia e da reborréia; do pastor de ovelhas que encontrou “seu” lobo e perguntou:
- Por que olhos tão grandes? – Xiii, acho que essa é outra história... Mas, enfim, todas as compilações históricas imaginadas ou não, criveis ou não, eram motivo de reverência pro amigo Kadu Vida. Sabia todas, de cor e salteado. Em seus itens e sub-itens, versículos e ridículos. E quanto mais imbecis parecessem, mais lhe serviam de credo e ele tomava como exemplo a ser seguido, tangível, crível... E citava aos quatro ventos, pra qualquer motivo e pra qualquer transeunte.
- Só Limão disse certa vez, bem-aventurados sejam aqueles que acreditam sem ver...
- E o profeta Zémané falou...
E lá ia o Zé Kadu, desfiando aquela baboseira toda, gravada, ao longo de sua inútil vida. Os amigos, poucos, quando viam o Zé se aproximando, já se arrepiavam...
- Jesus! Vamos embora, que lá vem o Zé... Ninguém merece, ele é de morte!
E lá vinha o Zé Vida, crente absoluto. Certo de tudo. Sabia como o mundo havia sido feito, como todas as criaturas haviam sido criadas, pra que ele estava vivo e pra que o mundo existia. Estava tudo lá, era só acreditar e tudo se resolvia instantaneamente.
Enfim... Zé acreditava em gnomos... Papai Noel. Coelhinho da páscoa... Jurava já ter visto duendes na plantação de morangos, nos fundos de seu casebre...Zé só não acreditava mesmo nele. Era incapaz de pensar.Pensar? Nem pensar! Duvidar? Por quê? Detergente é... (epa!).
Fosse o que se fosse fazer, não contasse com ele. Zé já avisava que não ia dar certo; que ele não ia conseguir, não era capaz...
- Hiii... Nem adianta, minha mente num arcança essas coisas. Deus é testemunha... Sofro de impotência celebrau, com a graça do bom deus... Mas nada há de me fartá... – acreditava ele.
Vendia sorvete de sol a sol, pra se virar na vida, já que, apesar de acreditar cegamente, milagre nunca vira. Filho de deus nenhum sequer lhe dera um prato de comida que fosse. Sempre tivera que rastejar em busca de seu próprio sustento.
- É a mardição de Adão... Mas hei de vencer.... – ensinava o sábio Zé. E lá ia ele: Pém! Pém ! Pém! Empurrando seu carrinho, morro abaixo, morro acima e esperando que um dia deus, ou quem quer que fosse, lhe desse o descanso eterno e a felicidade eterna, e o amor eterno, e até o terno (como aquele bonitão que os pastores usavam) que ele não pudera ter aqui, na única vida que ele milagrosamente tivera e que lhe escapava pelos vãos dos dedos, inacreditavelmente.
Pém! Pém! Pém!
*Jornalista, ex-editor-chefe da TV Guairaca (afiliada Globo) Guarapuava, PR
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