terça-feira, 17 de abril de 2012



Quem tem medo da Copa?

* Por Guilherme Scalzili

E é neste país que se pretende fazer uma Copa do Mundo de futebol” – a frase virou um mote da indignação jornalística perante as mazelas cotidianas, um código de etiqueta para os cronistas iluminados que sabem ver a nudez do Brasil putrefeito sob o tolo otimismo das massas. E não faltam desgostos corriqueiros que alimentem a moda chique da autodepreciação. Seu apelo reside justamente na maleabilidade do protesto, no poder camaleônico de purgar os mínimos percalços da vida urbana, generalizando culpas e dissolvendo-as numa imponderável brasilidade sem remédio.

Ninguém critica os governos estaduais pela falta de metrôs, as polícias pelas confusões nos estádios, as companhias aéreas pelo sofrimento dos passageiros, as prefeituras pelo trânsito caótico, a Fifa e a CBF pela falta de investimentos, o Judiciário pelo sistemático desrespeito ao consumidor. Claro, é mais fácil mandar o país inteiro às favas. E não convém estabelecer responsabilidades pontuais que envolvam os poderosos anunciantes da mídia corporativa, os lobbies que financiam ou protegem gabinetes e redações, as alianças partidárias afinadas com o discurso do fracasso inevitável.

Acontece que essa diluição de nexos causais não se alimenta apenas de preguiça e oportunismo. A organização de megaeventos exige complexas miscelâneas de ações públicas e privadas, mas o produto midiático resultante possui uma identidade nacional. A desmoralização dessa imagem alcança os próprios esteios subjetivos do patriotismo (orgulho, euforia, crença nas instituições), e é desnecessário mergulhar em teorias acadêmicas para expor o alcance político-eleitoral do fenômeno.

O esforço da propaganda falaciosa foi incapaz de minar as candidaturas brasileiras à Copa e aos Jogos Olímpicos, ou de neutralizar o imenso triunfo de popularidade que suas vitórias trouxeram ao governo Lula. Agora, temendo o previsível benefício para Dilma Rousseff no ano eleitoral de 2014, seus adversários alimentam o pessimismo indiscriminado para grampear no governo federal as confusões igualmente previsíveis do torneio futebolístico.

Sim, haverá superfaturamentos, desmandos e corruptelas, como em todos os projetos similares de qualquer país que os sedie. Considerando a omissão, a incompetência e a brandura ética das autoridades “responsáveis”, talvez os nossos defeitos sejam de fato agravados. Mas a ideologização da cobertura também cumpre seu papel nesse redemoinho vicioso: o empresariado vigarista enriquece, os escândalos atingem o Planalto, a oposição ganha um palanque gratuito na mídia e ambas recebem favorecimentos daquelas mesmas corporações que ajudaram a absolver.

Bons propósitos e medidas isoladas não bastam. O governo Dilma precisa abandonar o soberbo distanciamento dos erros alheios e assumir de vez o protagonismo gerencial da Copa. Urge também criar um sistema exclusivo e permanente de comunicação que incentive a transparência do processo, amenize as manipulações da imprensa e contraponha a nova febre de ceticismo antes que a própria militância de esquerda seja contaminada.

Caso necessitem de um bom argumento para convencer a presidenta de que é necessário agir logo, seus assessores podem exibir-lhe a gravação da cerimônia de abertura dos últimos Jogos Pan-Americanos. A cena é constrangedora, mas simbólica e muito educativa. Tenho certeza de que Dilma entenderá o recado.

*Jornalista, advogado, historiador e escritor, autor dos livros “O colar da Carol ta na grama”, “A colina da Providência”, “Pantomima”, “Acrimônia” e “Crisálida”.

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