sábado, 21 de abril de 2012







Pores-do-sol, coisas breves

* Por Deonísio da Silva


Luares, pores-do-sol, cousas que morrem breve”, dizem uns versos de Alphonsus de Guimaraens. São eles que me vêm à lembrança neste fim de tarde quando visito a Fazenda Pinhal.

A visita não é propriamente ao território, mas ao conhecido intelectual, autor de importante obra jurídica, Modesto Carvalhosa, senhor de verve marota, o granus salis de nossas conversas.

Quem me disse que Modesto estava na região foi um “aluno” que me ensinou coisas admiráveis ao longo deste último decênio. Passou dos oitenta anos e lê mais do que a maioria dos universitários. Brinco que deveria dar-lhe um diploma de letras, pois lê todos os livros que refiro em nossas prosas. Tenho tomado muito cuidado com isso, aliás. Mas o que ele ia fazer com o documento? Chama-se Paulo Botelho, é dono da Fazenda São Joaquim, em São Carlos (SP), município que deve ter a maior concentração de sedes de fazendas do século XIX.

Como acontece com freqüência, lá está o general Carlos Meira Mattos, com quem aprecio muito prosear. Já ultrapassou os noventa anos, é senhor de uma memória que brota sem parar, escreve artigos muito interessantes, gosto muito de vê-lo e de ouvi-lo. Além do mais, lá está também seu filho, José Carlos, poeta e contista.

Quando fui apresentado ao general, há alguns anos, perguntei-lhe: “mas o senhor é quem estou pensando que seja?”. “Sim’”, me disse com franqueza, “eu fechei o Congresso Nacional”. Para minha filha, apontando álbum de fotos de cadete, explicou-lhe como identificá-lo: “é o mais feio, dono do maior nariz”.

Da São Joaquim seguimos todos para a Fazenda Pinhal, cenário de parte de Avante, Soldados: Para Trás, romance que mudou não apenas a minha vida de escritor, mas a minha vida. Para escrevê-lo, fui ao teatro dos acontecimentos onde ocorrera a famosa, trágica e polêmica Retirada da Laguna, na Guerra do Paraguai. Não fora o escritor Visconde de Taunay acompanhar o comandante Carlos de Morais Camisão, cujos ossos repousam aqui no Rio, ali na Praia Vermelha, sob o bondinho, provavelmente ficaria confinada aos anais militares.

Um vermelho sem-terra anuncia o pôr-do-sol. Entre uns e outros comentários, lá pelas tantas Paulo Botelho me diz que o costureiro Dener teve este nome porque sua mãe, quando ia para a maternidade, leu como “dener” uma placa do DNER.

Paulo assegura que a história foi contada pelo próprio costureiro, em visita à Fazenda São Joaquim, onde, aliás, Ulysses Guimarães redigiu vários artigos da Constituição de 1988.

A conversa passa pelo presidente Lula e sua falta de escola. Não vou fazer inconfidência nenhuma, mas o presidente pode ficar tranqüilo se souber deste artigo: todos falamos bem dele e da tremenda capacidade que tem de aprender sem livros.

Há coisas, porém, que só podem ser aprendidas nos livros. Examinados os tropeços do presidente Lula, a maioria deles provém desta terrível insuficiência em sua formação.

Mas Paulo Botelho diz coisa muito pertinente sobre isso: “você já pensou quantas aulas o Lula já teve em tantos encontros pela vida afora, primeiro no sindicalismo, depois no Congresso e agora na presidência da República? Muitos de seus interlocutores devem ter citado o supra-sumo de muitos livros. Bons resumos ele teve, não teve?”. Frei Betto me diz a mesma coisa.

Quanto a mim, continuo achando que “Luares, pores-do-sol, cousas que morrem breve” podem nos ensinar muita coisa. O presidente Lula não é gênio, é oxigênio para muitos brasileiros que viram e vêem nele um jeito de sair da asfixia social a que foram confinados. Se ele se interessasse por algumas leituras indispensáveis, seria um estadista. É apenas mais um político. Nas próximas eleições o povo dirá se foi um bom presidente.

Um estadista pode perder eleições com um bom programa. Um político pode vencê-las sem programa algum. De todo modo, o poder pode ser acrescentado às cousas que morrem breve.

* Escritor, Doutor em Letras pela USP, autor de 30 livros, alguns transpostos para teatro e TV. Assina colunas semanais no Jornal do Brasil, na Caras e no Observatório da Imprensa. Dirige o Curso de Comunicação Social da Universidade Estácio de Sá, no Rio.

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