quinta-feira, 19 de abril de 2012



Criatividade e realidade

O escritor é, ao lado do leitor, personagem central que dá vida à atividade literária. Um não pode passar sem o outro. O primeiro é agente ativo, que faz, que concretiza sonhos, pensamentos e sentimentos com este instrumento frágil e simultaneamente magnífico, que é a palavra. O segundo, porém, justifica a existência do primeiro e determina seu sucesso ou fracasso. De que nos valeria escrever se não houvesse quem lesse o que escrevemos? Todavia, se ninguém escrevesse, não teríamos o que ler. Vai daí que um não pode passar sem o outro, cada qual no seu papel: um ativo, produzindo, outro passivo, consumindo.

Há, claro, profundas diferenças entre ambos, mas a principal é que todo escritor é, antes e acima de tudo, ferrenho, atento e fervoroso leitor. A recíproca, todavia, nem sempre (ou quase nunca) é verdadeira. Nem todos os que lêem têm preparo, interesse, talento e disposição para escrever. Aliás, são, relativamente, poucos os que podem, querem e assumem essa função. Nem por isso seu papel se torna menos importante. Cada qual na sua.

A exemplo do que fiz em relação ao leitor, trago, para sua apreciação, um decálogo para nortear o escritor em sua pretensão (justa e indispensável) de conquistar platéia que aprecie (e muitas vezes deteste) o que produziu. Foi elaborado por alguém do ramo, por Miguel Sanches Neto, homem bem sucedido neste não raro frustrante e árduo mundo das letras. Claro que poderia catalogar outras tantas recomendações pertinentes a propósito. Este decálogo destina-se, sobretudo, aos que já concluíram suas obras e estão em busca de outro personagem indispensável para que esta venha à luz e vá, finalmente, parar em mãos do seu legítimo destinatário, para o qual ela é voltada, ou seja, o leitor. Trata-se do editor.

Ele é que deverá ser convencido a selecionar nosso livro, entre os tantos, de tantos outros escritores, que buscam a mesmíssima coisa que nós, e a publicá-lo, divulgá-lo e torná-lo, se não best-seller, pelo menos um produto aceitável, vendável, que não encalhe nas prateleiras das livrarias. A tarefa é muito mais complicada do que os que não são do ramo possam pensar. Como proceder para que isso ocorra e para que possamos, finalmente, adquirir o legítimo direito de nos considerarmos (e de fato sermos) escritores? Vamos, pois, às dicas a propósito, sugeridas por Miguel Sanches Neto:

1º) “Não fique mandando seus originais para todo mundo”. Nosso primeiro impulso, ao concluirmos um livro, é o de buscar o máximo de opiniões a respeito, antes de sairmos em busca de editora. Alguns fazem uma infinidade de cópias e as remetem a parentes, amigos, inimigos, jornalistas, professores etc.etc.etc. A maioria desses destinatários não dá a mínima para esses textos. Outros tantos, não os lêem, mas mentem dizendo que leram e se desmancham em elogios. Se nos deixarmos levar pela vaidade, correremos sério risco de cairmos em ridículo. Não faça, pois, isso. Valorize-se. Ou você não confia no seu taco?

2º) A segunda regra proposta por Miguel Sanches Neto é relativamente simples e quase sempre eficaz. Ele recomenda: “Publique seus textos em sites e blogs e deixe que sigam o rumo deles. Depois de um tempo publicando eletronicamente, você vai encontrar alguns leitores”. Caso os comentários (se existirem) aos seus textos forem favoráveis, você terá já certo parâmetro, bastante válido, sobre a qualidade do que escreve. Mas absorva as possíveis críticas. Leve-as em conta, notadamente as que apontam as deficiências de sua escrita. E corrija-as, claro.

3º) “Leia os contemporâneos, até para saber onde é o seu lugar”. Essa leitura irá situá-lo no mundo da literatura. Você saberá, por ela, quais as preferências dos leitores em termos de estilo, de temas, de formas de exposição etc.etc.etc. Não se arrisque, jamais, a empreender “ vôos cegos”. Oriente-se adequadamente para saber para onde quer ir e como fazer isso, utilizando a experiência alheia.


4º) “Considere apenas uma pequenina parte de toda a sua produção inicial, e invista na revisão dela, sabendo que revisar é cortar”. Se você quiser caminhar com segurança, neste caminho áspero, pedregoso e, sobretudo concorrido, sumamente competitivo da Literatura, dê um passo de cada vez. Seja criterioso com o que pretende publicar. Corte tudo o que for supérfluo em seu livro. Não cometa a suprema imprudência de deixar escapar erros de conceitos, de grafia de palavras, de concordância, regência etc.etc.etc. Esses equívocos são o caminho mais curto para torpedear sua credibilidade e reputação. Fechar-lhe-ão todas as portas e tendem a levá-lo, fatalmente, ao ridículo.

5º) “Gaste todo seu dinheiro extra em cerveja, viagens, restaurantes e não pague a publicação do próprio livro”. Valorize-se. Tenha em mente que ser escritor é exercer uma profissão. E nenhum trabalhador (a menos que se trate de rematada cavalgadura) paga para trabalhar. Você sabe o quanto de sacrifício a redação do seu livro lhe custou. Isso requer compensação que não se restrinja a elogios, que não enchem barriga. Ademais, se você arcar com os custos de sua obra, poderá ficar com um baita pepino nas mãos. Quem, por exemplo, a venderá? Onde? Como? Se até as editoras mais experientes e tradicionais enfrentam, não raro, dificuldades imensas em criar, ou determinar pontos de venda, imagine você que não entende nada do riscado! Ademais, bancando seus livros, você jamais saberá se é ou não bom escritor (ou mesmo razoável). Viverá iludido, talvez (muito provavelmente) ridicularizado pelas costas, nutrindo uma ilusão que, quando se desfizer (e elas mais cedo ou mais tarde se desfazem), lhe trará profundas amarguras e humilhações. Não caia nessa tentação. É fria!!! Valorize-se.

6º) “Nunca peça a ninguém para indicar o seu livro a uma editora”. Saia à luta. Batalhe pela sua produção. Confie no seu taco. Miguel Sanches Neto observa a esse propósito: “Se por acaso um amigo conhece e gosta de seu trabalho, ele vai fazer isso naturalmente, com alguma chance de sucesso”. Se fizer isso, ou seja, se recomendá-lo espontaneamente a alguma editora em que tenha livre trânsito, será pela sua qualidade de escritor e não “por favor”, para agradar você, ou, pior (que é o que acontece no mais das vezes nestes casos) para trocar essa ajudazinha por benefício semelhante ou equivalente.

7º) “Mande seu livro a todos os concursos possíveis e a editoras bem escolhidas, pois cada uma tem seu perfil editorial. É melhor gastar seu dinheiro com selos e fotocópias do que com a impressão de uma obra que não será distribuída e que terá de ser enviada a quem não a solicitou”. Esta recomendação é tão óbvia, que dispensa comentários. É o caminho mais seguido pela maioria dos “marinheiros de primeira viagem”, ou seja, dos candidatos a escritores em busca do sonho da publicação do primeiro livro.

8º) “Não force os amigos e conhecidos a escrever sobre seu livro”. Opiniões a respeito, para serem válidas e úteis, têm que ser rigorosamente espontâneas. Se a sua obra tiver valor literário, certamente muitos escreverão sobre ela. E essas avaliações terão valor multiplicado se não houver o fator subjetivo da amizade envolvido. Melhor será se vierem de pessoas que você conheça apenas de nome, mas com as quais nunca tenha mantido o mais ligeiro contato.

9º) ”Nunca passe recibo às críticas negativas”. Se alguém não gostar do seu livro e expressar isso nos meios de comunicação, não saia por aí comprando briga. Não se esqueça que, como homem público, você está sujeito a toda sorte de opiniões a seu respeito e sobre sua obra. Aceite tanto os elogios, quanto as críticas, numa boa, com serenidade, sem se deixar empolgar pelas primeiras e nem se abater pelas segundas. Ninguém consegue, conseguiu ou conseguirá agradar, simultaneamente, a “gregos e troianos”. Valorize-se e não se exponha desnecessariamente.

10º) “Evite reclamar de sua editora. Uma editora não existe para reverenciar nosso talento a toda hora. É uma empresa que busca o lucro, que tem dezenas de autores iguais a nós e que quer ter lucro com nosso livro, sendo a primeira prejudicada quando ele não vende”. Se você sair por aí acusando sua editora pelo fracasso de vendas do seu livro, corre o risco de fechar todas as portas para publicações futuras. Procure dirimir dúvidas e divergências em particular, em contatos reservados com a empresa, sem trazer a público nenhuma queixa. Ambos, certamente, sairão ganhando. Principalmente você, creia-me.

Bem, você concluiu seu livro, fez rigorosíssima revisão, cortou tudo o que era supérfluo, superou a barreira de encontrar uma editora para tornar seu sonho concreto e, em suma, seguiu todas as recomendações sugeridas por Miguel Sanches Neto. Resta, somente, desejar-lhe sucesso. Que sua obra chegue a um número máximo de seus legítimos e cobiçados destinatários, os leitores, e agrade se não a todos eles, o que raia o impossível, pelo menos à maioria. Que receba aval favorável da crítica e se torne best-seller, para sua alegria e felicidade ainda maior da sua editora. Que obtenha todos os prêmios literários possíveis, se consolide e o credencie a conquistar (por que não?) o Nobel de Literatura. Não custa sonhar. E já que sonha, por que não ter os sonhos mais altos e ousados, já que você fez tudo o que estava ao seu alcance para sua concretização?

Boa leitura.

O Editor.

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