domingo, 26 de fevereiro de 2012



Sem serventia

* Por Lêda Selma


Inacreditável! Uma leitora brasileira, que se diz ‘rabiscadora de poesia nas horas vagas’, no fulgor de seus 93 anos, residente no Texas, e-mailizou-me: “...Sou sua leitora assídua, e, quando morava em Ribeirão Preto, li, já faz um bom tempo, no DM, um texto seu bem engraçado que falava de uma esposa desejosa de botar para escanteio o marido descumpridor das tarefas conjugais. Integro um grupo de senhoras e queria que elas lessem o texto, pois sei que se divertirão, mas não o encontrei na internet. Como encontrá-lo?”. – Aqui, dona Mariana. Republico-o em sua homenagem:

Agora é lei. E é para valer...! Ai do cônjuge que não desempenhar as funções para as quais se habilitou no famoso “Dia do Sim”! Maridos, cuidem-se: corpo mole, nem pensar! E ai da mulher que fraudar seu ciclo mensal em honra e glória de um premeditado descanso! Pois é, lei seca ou do menor esforço, no âmbito conjugal, coisa do passado. Portanto, ao desanimado ou preguiçoso, flagrado em negligência, a rigidez da lei.

Sabedora disso, certa esposa desditosa resolveu estrear a lei e buscar seus direitos. Pensou no Juizado de Pequenas Causas, todavia, desistiu: “Minha causa é enorme e precisa de um juizado maior, de grandes causas”. No entanto, logo soube que o tal mudou de nome: Juizado Especial e, então, animou-se ainda mais.

– É, meritíssima, o folgado, quer dizer, o arremedo de marido, no duro, é pura moleza. Pra ele, casamento é só mesmo o do sono com o travesseiro. Aquele outro, o prometido, jurado e sacramentado pelo padre, agora, só na lembrança. E, enquanto o espírito se ajeita com alguma distração, o pobre do corpo padece! A interessada, então, valha-me Deus!

– A senhora quer dizer que seu marido não tem marcado presença no leito conjugal?

– Digo, redigo e tredigo. E mais: vim denunciar o molenga, o sovina, o negligenciador do ofício noturno. O ridico só tem mesmo marcado é ausência. Presença? Só da soneira e do ronco.

– E a senhora já tentou conversar com o faltoso, isto é, com o marido?

– Pra mais de muitas vezes, meritíssima, bem pra mais...

– Talvez, uma estratégia nova, um temperinho diferente...

– Ah! tenho feito de um tudo, pode crer. Temperinho? Hum, temperão! Com óleo de dendê, malagueta e tudo o mais. E os disfarces então? Já me disfarcei de donzela, encarnei a vadia, empinei as protuberâncias, inventei remelexos e tremelexos e, mesmo assim, o maldito, o tal marido sem serventia, fugiu da lida. Feito cruz-credo fugindo de água-benta ou político, de eleitor, depois da eleição.

– Se a senhora está dizendo isso, e com tantas ilustrações, é sinal de que a situação está mesmo delicada. Bem, e a que pode ser atribuído tamanho desinteresse?

– A várias incompatibilidades: de desejos, de horário, de disposição...

– E quais as suas pretensões, com relação ao caso?

– Terceirizar os serviços do inativo. Sim senhora, abrir uma franquia. E tudo se resolverá: o enfastiado se refestela na moleza, o futuro operante mostra sua serventia e eu me livro da precisão. Assim, fica até mais em conta para o infrator, pois nem preciso apelar para uma indenização por danos conjugais.

– Melhor usar o bom senso: um diálogo franco, uma viagem a dois, um terapeuta de casais...

E, com cara de pouco marido, a juíza, após um relampejar de pensamento maroto, desveste o rosto da tradicional carranca e regozija-se num monólogo interior: “Meu marido, há muito, não tem me frequentado... Terceirizar os serviços do inativo... bastante pertinente.

E, então, com certo cinismo, conclui maliciosamente: “Se a queixosa quiser ouvir meus conselhos, ficar com o bom senso, com o diálogo ou com o terapeuta de casais que fique, porque eu, ah!, vou é tratar da tal terceirização. Uma franquia... Hum... e por que não?!

Momento poético:

... Já não me basta
o amor em combustão,
se tenho o sonho,
mas perdi a estrela.

• Poetisa e cronista, licenciada em Letras Vernáculas, imortal da Academia Goiana de Letras, baiana de Urandi, autora de “Das sendas travessia”, “Erro Médico”, “A dor da gente”, “Pois é filho”, “Fuligens do sonho”, “Migrações das Horas”, “Nem te conto”, “À deriva” e “Hum sei não!”, entre outros.

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