quinta-feira, 26 de janeiro de 2012



Um tema e várias visões

A
Bossa Nova ensejou várias análises, de artistas e intelectuais das mais diversas áreas, que geraram muitos livros, com visões diferentes dos autores sobre o mesmíssimo tema. Comentei, posto que superficialmente, quatro deles, a saber: “Rio Bossa Nova”, de Ruy Castro; “Eis aqui os Bossa Nova”, de Zuza Homem de Melo; “A linguagem harmônica da Bossa Nova”, de José Estevam Gava e “Breve história da Bossa Nova”, de Guca Domenico. Poderia, é certo, ter feito análise mais aprofundada dessas obras. Mas recomendo que o leitor atento e interessado as adquira e pesquise por conta própria. Certamente sairá no lucro.

Muitos outros livros foram escritos, a maioria por personagens desse movimento musical (e principalmente social), que revolucionou a MPB e a cultura nacional, projetando-as em âmbito internacional. Quando se diz que a Bossa Nova está “extinta”, isso não quer dizer que ninguém mais se lembre das marcantes (e magníficas) composições desse estilo ou que as principais canções não sejam mais interpretadas. Longe disso. Aliás, pelo contrário. Continua sendo executada e sempre com o mesmo efeito. O de encantar as platéias. A propalada “extinção” refere-se ao fato de que ninguém mais compõe seguindo os parâmetros que a caracterizam, embora, óbvio, não haja nenhuma proibição para quem quiser fazê-lo.

Entre os sete livros que selecionei para pelo menos mencionar, ou sugerir, ou recomendar ao leitor que queira ou recordar, ou conhecer um pouco mais desse histórico movimento cultural, destaco um de forma especial. Trata-se de “Eu e a Bossa: uma história da Bossa Nova”. E por que essa deferência tão enfática? Porque foi escrito não por eventual pesquisador, com base, apenas, em embolorados documentos, ou de mera testemunha, que desconheça detalhes essenciais, mas de um dos principais (para alguns, o principal) personagens do movimento: Carlos Lyra. O lançamento data de 2008 pela editora Casa da Palavra.

Entendo e acho até óbvio que quem “fez” determinada coisa está muito mais habilitado, mais credenciado e mais preparado para falar a respeito do que quem se limitou a testemunhar a feitura ou que apenas tomou conhecimento dela através de descrições, quando não de meras opiniões, alheias. Carlos Lyra é um cantor, compositor e instrumentista dos mais refinados e competentes, que dispensa apresentações. Seu repertório, vasto e qualificado, magnífico quer no que diz respeito a melodia e harmonia, quer às letras de intensa poesia, atestam, por si sós, sua importância.

No livro, o consagrado artista apresenta sua trajetória pessoal. Narra a própria história (parte dela, claro, mas apresentando detalhes e circunstâncias que apenas ele poderia narrar, por tê-los vivido). O principal mérito é o da contextualização da Bossa Nova no período histórico em que reinou, situando a música no contexto da política, caracterizado pela liderança do presidente Juscelino Kubitschek e de sua visão desenvolvimentista, da cultura nacional que fervilhava de criatividade em todas as artes e, principalmente, dos costumes, que se transformavam e se “modernizavam”, na melhor acepção do conceito de modernidade.

O livro traz vantagem sobressalente, que o diferencia dos demais a respeito do assunto: vem acompanhado de dois CDs preciosíssimos, cada um com 24 músicas, que são pequena amostra da vasta produtividade e criatividade de um artista fenomenal, que lançou, com sucesso, mais de 30 discos. Das sete obras que selecionei, todas de grande relevância, esta é a de que mais gostei, talvez por razões puramente subjetivas, sentimentais. Mas... creio que não foi somente por esse motivo.

Outro livro, digno de registro, que você deve ter em sua estante, é “Bossa Nova e a ascensão da música brasileira na década de 60”. Trata-se da edição de capas de discos da época do surgimento dessa vertente musical, muitas das quais refinadas obras de arte moderna. Bem que poderiam ser enquadradas em molduras e expostas em qualquer afamada galeria mundo afora. Inclui, ainda, a trajetória histórica do movimento, biografias, ensaios sobre os artistas envolvidos etc. Os textos são de diversos autores, editados por Gilles Peterson e Stuart Baker. O lançamento esteve a cargo da Soul Jazz Records.

Finalmente, minha sétima recomendação (e poderia fazer, sem exagero, outras setenta), é o livro “Da Bossa Nova à Tropicália”, de Santuza Cambraia Naves. Este é um pouco mais antigo que os demais que citei. Data de 2001. O lançamento foi da Jorge Zahar Editor. Seu mérito maior é o de registrar (e de comprovar) a indiscutível e profunda influência da Bossa Nova nos movimentos que a sucederam na MPB, notadamente na Tropicália.

A autora, Santuza Cambraia Naves, é conhecida pesquisadora da área de cultura popular, professora e antropóloga, catedrática do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio. Trata-se de profunda conhecedora da música popular brasileira. Há anos, dedica-se à pesquisa dos vários movimentos musicais, notadamente da Bossa Nova, Tropicalismo, Black Music e outros tantos, que transformaram a MPB numa exótica, mas fascinante mistura de ritmos, unindo o samba, o rock e até o repentismo, entre tantos outros, numa única e fascinante vertente musical.

Creio que, nesta série de textos, embora resumidos e um tanto superficiais, consegui, pelo menos, dar pálida visão desse importante e nem sempre bem compreendido movimento artístico-cultural que influenciou decisivamente e continua influenciando várias gerações de compositores, intérpretes, músicos e poetas, no afã de desvendar a riquíssima e original alma brasileira. Portanto, missão cumprida.

Boa leitura.

O Editor.



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