sábado, 21 de janeiro de 2012



Ainda debatendo a origem


O samba sincopado, divulgado e consagrado, com tanta garra e competência, por João Gilberto, a rigor, não foi nenhuma invenção da Bossa Nova, ao contrário do que muitos desavisados e mal informados supõem e propalam. Noel Rosa, por exemplo, na década de 30 do século XX, já havia composto, e cantado dessa maneira. Não resta dúvida, é certo, que o boêmio e consagrado Poeta da Vila não sofreu a mais ligeira influência do jazz. Sua magnífica obra tem características exclusiva e rigorosamente brasileiras.

Todavia, muito antes do surgimento da Bossa Nova, Lúcio Alves, Dick Farney e seu irmão Cyl Farney, Mário Reis e outros tantos já cantavam, no estilo intimista, canções que eram enfáticas declarações de amor, ou lamentos de dor de cotovelo, sem descambar, portanto, para os dramalhões, ao estilo de Nelson Gonçalves e Vicente Celestino, tão em voga na ocasião (embora se ressalve a tremenda importância desses dois intérpretes pára a MPB).

Eu, particularmente, concordo com os que situam o “nascimento” da Bossa Nova no lançamento do disco, em 1957, de Carlos Lyra, intitulado “Criticando”. A maioria, porém, atribui a João Gilberto a paternidade do movimento musical. E, mais especificamente, à regravação de “Chega de saudade”, que havia estourado nas paradas de sucesso na voz daquela que foi, por muitas décadas, a melhor cantora brasileira, reconhecimento que é praticamente consensual. Refiro-me, claro, a Elizeth Cardoso.

Esse disco, do polêmico cantor baiano, de voz pequenininha, mas de impecável afinação, foi um 78 rotações, com apenas duas faixas. Num lado, estava “Chega de saudade”, obra-prima da dupla Tom e Vinícius. No outro, uma composição do próprio João Gilberto, “Bim bom”, que introduzia na letra onomatopaicos, que até então os letristas nunca haviam ousado inserir em suas composições.

Quando a gravação saiu, foi um Deus nos acuda. A crítica caiu de pau no temperamental cantor e compositor baiano e o mínimo que se disse então foi que tudo não passava de enorme tapeação ao público por parte da gravadora. Os críticos incluíam no pacote de malhações tudo desse disco, ou mais especificamente, dessa faixa, ou seja, letra, música, arranjo, voz etc. Exagero, claro. Ou, pior, manifestação de conservadorismo, se não de tosco provincianismo.

Os mais abalizados comentaristas de MPB caprichavam em seus ataques. Insistiam, sobretudo, que estava havendo confusão entre “moderno” e “modernoso”. E foram ditas tantas coisas mais, do mesmo teor, todas depreciativas, que até me fogem da memória, passado tanto tempo dessa ocorrência. Pudera!

O público, entretanto, ignorou tudo isso. E, afinal de contas, é sempre ele que conta, para o bem ou para o mal. Em poucos dias, o disco subiu feito um foguete nas paradas de sucesso, até atingir o topo. A influência da crítica, nesse aspecto, é pouca, ou mesmo nenhuma. Entendo que o público tem uma espécie de intuição para o que é bom (embora, muitas vezes, se deixe tapear, de forma até inexplicável, por musiquinhas mambembes, “prêt-à-porters”, do tipo “use e jogue fora”, que não têm nada de aproveitável. Mas... gosto é gosto...).

O disco de João Gilberto vendeu tanto, que a Odeon resolveu convocá-lo, na sequência, a gravar um long-play, e com doze faixas, todas no mesmo estilo. Naquele tempo, eram raros os cantores que conseguiam essa façanha, pelo menos em tempo tão restrito. Alguém, para merecer doze faixas, teria que ralar muito. Precisava, por exemplo, estar na crista do sucesso ou então gozar de muito prestígio nas gravadoras, ou seja, contar com o tal do “QI”, o “quem indica”, tão em voga ainda em nossos dias. Pouquíssimos conseguiam isso.

O 33 rotações de João Gilberto foi lançado com grande estardalhaço, com a presença constante de divulgadores da gravadora em todos os programas de disk-jóqueis da moda, nos estúdios das principais emissoras de rádio de São Paulo (tempos depois, no início dos anos 60, eu também me transformei num deles, “revelado” pela Rádio Emissora ABC, de Santo André). O mercado paulistano é que determinava então (e creio que ainda determine hoje) o sucesso ou o fracasso de qualquer produto, artístico-cultural ou não.

Os principais programas do gênero, na época, eram comandados por radialistas de reconhecido talento e extraordinária capacidade de comunicação, verdadeiros ícones do radialismo nacional, que firmaram seus nomes na história dessa ainda hoje tão importante mídia, como Humberto Marçal, Henrique Lobo, José Carlos Silva (conhecido como “Pica-pau” e que tinha um programa consagrado, de massacrante audiência, chamado “Picape do Pica-pau”) e Enzo de Almeida Passos (cujo programa “Telefone pedindo bis” permaneceu por anos no ar, inclusive na Educadora de Campinas, atual Band), entre tantos outros. Espelhei-me na carreira desses mestres enquanto atuei em rádio. Não poderia haver paradigmas melhores.

Foi justamente o 33 rotações de João Gilberto, contendo, entre suas doze faixas, o famoso “Desafinado”, que revolucionou o mercado fonográfico brasileiro, primeiro o paulistano, depois, o carioca e, posteriormente o de todo o País.

Esse precioso LP (hoje valiosíssima peça para colecionadores) vendeu tanto, mas tanto que, até recentemente, quando ainda existiam os discos de vinil, antes, portanto, do advento das fitas cassetes, CDs, DVDs e outros tantos recursos de gravação, continuava em catálogo e com imensa procura por parte do público.

Boa leitura.

O Editor.




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Um comentário:

  1. Hoje, depois da internet, é difícil fazer avaliações do tipo da época do rádio (ainda hoje adoro rádio, e era fã de Hélio Ribeiro, quando menina). As medições são estratosféricas, e o tempo mínimo. O que dizer de Michel Teló, ou até mesmo de Luíza?

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