sexta-feira, 25 de novembro de 2011



O jornalismo que crê


O jornalismo, para os que têm absoluta certeza de que são dotados dessa vocação é, acima de tudo, um sacerdócio. Portanto, é muito mais do que mera profissão, do que apenas uma fonte de recursos materiais para o seu sustento e o da família. É fruto do talento. É missão de vida. Deve ser sempre exercido com absoluta responsabilidade, máxima competência, garra, e, sobretudo, paixão. Este é meu credo. Embora me sinta escritor (e provavelmente), sinto-me, antes de tudo, e de fato sou profissional de imprensa.

O jornalista – quer seja veterano, quer esteja em vias de assumir seu primeiro posto na carreira – precisa, a todo e qualquer instante, ter em mente as necessidades e desejos do alvo do seu trabalho: o destinatário das notícias que colhe e transmite, no caso o leitor (quando a mídia em que se atua é jornal ou revista), o ouvinte ou o telespectador. O público é seu verdadeiro "patrão", embora não aquele que o emprega. É com ele que o profissional do jornalismo assume implícito e sagrado compromisso de honra.

O ensaísta Ernest Renan afirma que "o sinal da verdadeira vocação é a impossibilidade de desertar dela". E essa "fuga" é impossível mesmo. O jornalista vocacionado não consegue escapar do seu destino. Mesmo quando afastado, por qualquer razão, da atividade, age como se estivesse nessa missão. Organiza arquivos, cultiva fontes, lê todos os jornais e revistas que lhe caem nas mãos, aperfeiçoa o uso da linguagem para tornar seu texto sempre correto, simples, claro, limpo e acessível a todo tipo de leitor e se mantém informado sobre o que se passa na sua cidade, no seu Estado, no seu país e no mundo. O jornalismo está no seu sangue! Gosta dele! Não é um trabalho, mas algo prazeroso e bom.

Quem tem paixão pela profissão, (e os jornalistas a que me refiro têm), está ciente do que é indispensável para seu exercício de maneira construtiva e sadia. A verdade, por exemplo, tem que ser colocada em um pedestal, acima de todo e qualquer interesse, e ser buscada com persistência, com coragem e até de forma obsessiva, em toda e qualquer ocasião. Mas é preciso, antes de tudo, que o jornalismo seja exercido com ética.

O jornalista tem que ter em mente que os personagens das histórias que traz a público – trágicas ou cômicas, coletivas ou individuais, envolvendo ora atos sublimes e nobres, ora crimes escabrosos e hediondos (estes, infelizmente, em maior quantidade) – não são imaginários, como os criados pelos escritores de ficção: romancistas, novelistas ou roteiristas de cinema. Envolvem seres reais, de carne, osso, sangue e vísceras, com reações e emoções contraditórias, com sonhos, recalques, desvios, alegrias e decepções. Tem que se conscientizar que está lidando com "pessoas", não com sombras ou conceitos.

Deve ter em mente que a "matéria-prima" do seu trabalho é o ser humano, com suas deficiências, virtudes, taras, grandezas, interesses e mesquinharias. Não pode nunca se esquecer de que, a mais leve insinuação, por mínima que seja, sobre desvios de conduta de alguém, sua moral ou sua forma de pensar, trará conseqüências, muitas vezes irreversíveis, para esse indivíduo. Pode destruí-lo. Daí a necessidade do profissional de jornalismo (repórter, editor, comentarista etc.) ser justo, imparcial e honesto no que faz.

Não precisa, (e nem deve), "carregar nas tintas" para obter efeitos e assim conseguir manchetes que impressionem e atraiam os leitores (ou ouvintes ou telespectadores). E nem dissimular os grandes dramas que se desenrolam no cotidiano, temendo chocar o público-alvo. O jornalismo é (ou deve ser) um espelho em que a sociedade se mire. Se a imagem que reflete é feia, não é sua culpa. A realidade é que muitas vezes é escabrosa e aterrorizante. Ou, em raras ocasiões, sublime e surpreendente.

O ingrediente básico para um jornalista obter a plena realização profissional, no entanto, é a paixão. É a absoluta convicção de estar fazendo o que gosta e o que melhor sabe. É sempre agir no sentido do permanente aperfeiçoamento, estudando, treinando, desenvolvendo técnicas, apurando a linguagem e se informando obsessivamente, sem cessar, não se deixando levar por uma estúpida e enganadora auto-suficiência, pensando que tudo sabe. É jamais achar que não tem mais nada para aprender. É ser humilde, determinado, corajoso e justo. É trabalhar, trabalhar e trabalhar, sem nunca esperar resultados de qualquer espécie (principalmente materiais), apenas por amor àquilo que faz.

A esse propósito, Machado de Assis observou, na crônica "O Espelho", publicada na "Gazeta de Notícias" do Rio de Janeiro, em 11 de setembro de 1859: "Fazer do talento uma máquina, e uma máquina de obra grosseira, movida pelas probabilidades financeiras do resultado, é perder a dignidade do talento e o pudor da consciência".

Exercer o jornalismo com paixão implica em disponibilidade, entusiasmo, desprendimento pessoal e garra. É colocar o interesse público acima de qualquer coisa. É nunca esperar nenhum tipo de vantagem do exercício dessa perigosa profissão (dezenas de jornalistas são assassinados, anualmente, no mundo todo, a mando de poderosos que se julgam prejudicados pelo seu trabalho), nem financeiro e nem de prestígio pessoal. É fazer as coisas porque elas precisam ser feitas. É estar disposto, se necessário, a sacrificar descanso, lazer, família, amizades, posição social e, em alguns casos, até a vida (“remember” Tim Lopes), no exercício dessa sagrada missão.

Não se interprete, portanto, o termo "paixão" no sentido negativo que os dicionaristas também lhe atribuem. Ou seja, o do sectarismo exacerbado, que leve a pessoa a se aferrar, cegamente, a determinada ideologia ou crença, seja de que natureza for, e ficar tão obcecada, a ponto de perder o senso crítico e a noção básica e elementar do certo e do errado, ou que a faça distorcer, posto que inconscientemente, os fatos com os quais trabalha.

Parodiando o pensador Jaime Balmés, o jornalista apaixonado pelo que faz, e verdadeiramente vocacionado, é aquele que tem "cabeça de gelo, coração de fogo e braços de ferro". Possui frieza no julgamento, paixão na concepção das matérias e força e audácia na sua concretização. É dotado de um amor ardente, irrestrito e incontido pelo que faz. Tem o mais vivo entusiasmo pela profissão, sequer encarando-a como tal, mas como missão de vida, como realização pessoal, como sacerdócio.

A ação – fundamentada na disciplina, no conhecimento de causa e na perseverança – é o maior, senão o único antídoto contra as crises que assolam pessoas ou povos. Só se caminha para a frente quando há disposição e coragem e quando se persiste na persistência. É mais fácil, embora improdutivo, cruzar os braços diante das dificuldades e limitar-se a criticar ou a lamentar.

Difícil, posto que necessário, é acreditar, é construir, é manter, é curar, é ensinar, é alegrar, é conservar, é transmitir e é, sobretudo, agir. "Só é útil o conhecimento que nos faz melhores", teria dito Sócrates, de acordo com o testemunho de seu discípulo Platão. Esta é a filosofia que norteia o jornalista que acredita no que faz.

É trazer ao público o "outro lado" da realidade, que por incompreensível distorção de alguns meios de comunicação, é quase sempre relegado ao esquecimento ou a um plano secundário. Ou seja, o dos que constroem, que sustentam, que criam, que curam, que ensinam e que mantêm o mundo funcionando dentro da normalidade. Muitos editores garantem que notícias positivas não vendem jornais e revistas. Estão errados! São derrotistas! São sensacionalistas! Fazem o antijornalismo! A realidade tem múltiplas faces. Enfatizar para o público apenas um desses lados, o negativo e escabroso, é também uma forma de alienação. É desonestidade profissional. É desinformação!

O jornalista honesto e apaixonado pela profissão, ao mesmo tempo em que retrata as distorções e aberrações do convívio social, focaliza a ação e a motivação, por exemplo, do médico, do gari, do professor, do caminhoneiro, do comerciante, do jardineiro, do pesquisador, do feirante, do ator, do operário, do engenheiro, do músico, do próprio jornalista, da enfermeira, do físico nuclear, do pedreiro etc. Enfatiza a atuação daqueles profissionais (não importa o status de que gozem), cuja presença quase nunca é notada, tamanha a assiduidade da sua ação, mas sem os quais a vida se tornaria difícil, senão impossível. É isento, justo, correto, preciso e determinado. Exerce, sobretudo, "o jornalismo que crê".


Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Gostei da citação "cabeça de gelo, coração de fogo e braços de ferro". Muitas profissões podem se acolher nessa definição, inclusive a de médico.

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