domingo, 27 de novembro de 2011







Moderno ou eterno


* Por Pedro J. Bondaczuk


O poeta Carlos Drummond de Andrade, num de seus poemas, expressou que seu desejo não era "ser moderno, mas eterno". Mal sabia que, em decorrência do bom uso do seu talento, já, àquela altura, havia atingido a pretendida eternidade.
Não da forma como os místicos a entendem, como uma outra vida, incorpórea, ou como eventual reencarnação. Se isso existe, ou não, fica no terreno da fé, sem possibilidade alguma de comprovação. Mas todo homem tem uma chance – alguns, maior, outros, muitíssimo menor – de evitar a segunda morte. Aquela representada, não apenas pela extinção física, mas até da lembrança da sua passagem pela Terra, como ocorre com a maioria absoluta da humanidade.
Raros, raríssimos indivíduos conseguem deixar alguma obra marcante, a ponto de sobreviver ao tempo e ao esquecimento. Homero, Ovídio, Cícero, Dante Alighieri, Leonardo da Vinci, e outros tantos são exemplos destes gênios imortais, muitos dos quais desprezados, ridicularizados e até perseguidos pelos contemporâneos.
É verdade que o sucesso depende de circunstâncias. Mas tem, também, elementos de autodisciplina, de determinação, de clarividência e de muita, muitíssima vontade.
O escritor Murilo Mendes escreveu a respeito. Observou: "Muitos homens julgam que a idéia de eternidade reside num plano de mito, de ficção, ou que a eternidade é a vida de além túmulo. Entretanto, a vida eterna começa neste mundo mesmo: o homem que distingue o espírito da matéria, a necessidade da liberdade, o bem do mal, e que aceita a revelação de Cristo como solução para o enigma da vida, este homem já incorpora elementos eternos ao patrimônio que lhe foi trazido pelo tempo".
E nem é necessário ser reconhecido pelo nome, pela identidade pessoal, para que se seja eterno. Quem descobriu a maneira de produzir fogo à hora em que desejasse se eternizou nessa descoberta. Não há registro do autor dessa proeza. Todavia, ela significou importante salto nas civilizações.
O mesmo aconteceu, por exemplo, com o inventor da roda. Não se sabe quem foi este gênio, mas se tem certeza da sua existência. E sua imortalidade reside nesta invenção.
A modernidade depende das definições feitas a seu respeito. O que é tido como "moderno", hoje, numa fração não conhecida de tempo será obsoleto, antiquado, "demodé". O que se deve buscar, no entanto, é o eterno. São aqueles princípios e valores que o passar dos anos, dos séculos, dos milênios não consegue alterar.
A liberdade é um desses conceitos. O amor é outro. E há uma infinidade deles eternizada, depois de provada e comprovada. Uma das parábolas de Cristo fala sobre a distribuição de talentos – no caso, o nome de uma moeda da época.
Quem recebeu a maior quantidade, aplicou-a e dobrou-a. O segundo servo, que ganhou uma quantia mediana, igualmente fez bom uso desse capital e o multiplicou. Todavia, justo quem foi menos aquinhoado, não soube o que fazer com o patrimônio.
Enterrou seu talento e teve que devolver essa única moeda recebida, ficando sem nada. E ainda foi repreendido por sua falta de iniciativa. O mesmo ocorre no mundo. Os mais talentosos, em geral, têm autodisciplina para desenvolver novas habilidades. Os tacanhos preferem encolher-se e ficar reclamando das injustiças. E acabam por sumir, sem deixar pegadas.



* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

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