segunda-feira, 27 de junho de 2011



Jogadores são apedrejados na implantação do futebol

* Por Givanildo Alves

A história do futebol em Pernambuco, nos seus primórdios, em quase nada difere de outros estados do Brasil. Se em São paulo, Rio de Janeiro ou Bahia, por exemplo, ele foi introduzido por brasileiros que estudaram na Europa, como foi o caso de Charles Miller (São Paulo), Oscar Cox (Rio de Janeiro) e José Ferreira Filho (Bahia), para aqui ele também chegou, em fins de 1903, pelas mãos de um brasileiro que se educou na Inglaterra: o pernambucano Guilherme de Aquino Fonseca.
Fascinado pelo espírito esportivo dos estudantes do Hooton Lown School, onde havia passado cinco anos especializando-se no conhecimento do idioma, por imposição do seu pai, João de Aquino Fonseca, Guilherme não esqueceu de trazer, na sua volta ao Recife, uma bola, meiões, chuteiras, camisas e outros apetrechos para jogos de cricket, rugby e tênis, porquanto sua idéia não era somente a de inocular no recifense o vírus do futebol "association", mas também o de fundar um clube.
A população do Recife era praticamente a mesma do último recenseamento feito em 1900, isto é, 113.106 habitantes. Segundo o historiador Leonardo Dantas Silva, no seu "Recife, uma história de quatro séculos", a cidade de então possuía 245 ruas, 29 praças, 215 travessas e 67 becos. havia 17.147 prédios, dos quais 16.595 habitáveis; 169 em construção e 383 em ruínas. Os aluguéis variavam entre 10 mil réis e 1 conto de réis.
A vida social, econômica e cultural da cidade sofria acentuada influência britânica, pois estavam nas mãos nem sempre hábeis do "mister" os meios mais importantes de que dependia a população, como transporte, comunicações e comércio. Esta predominância já vinha de longe, conforme nos dá conta o sociólogo Gilberto Freyre, na sua monumental obra "Ingleses no Brasil": "Na verdade, desde os começos do século passado que o Recife tornou-se um dos focos mais intensos de irradiação de influência britânica no Brasil, através de considerável grupos de negociantes ingleses que ali se estabeleceram depois da abertura dos portos, alguns com suas famílias".
Peço desculpas aos amantes do futebol pelas pequenas digressões, mas como bem disse o professor João Lyra Filho, no prefácio do nosso livro, "não é possível empreender-se obra sobre a história do futebol sem o estudo sociológico do meio que o tenha influenciado". Agora, vamos direto ao assunto.
No Recife do alvorecer deste século, apenas dois clubes existiam: Internacional e Náutico. O primeiro, que se originara de um clube de regatas, estava praticamente sem vida esportiva, abrindo suas portas unicamente para bailes e jogos de cartas, muito em voga naquele tempo, enquanto a agremiação alvirrubra, fundada desde abril de 1901, raramente promovia competições, porque não tinha concorrentes em esportes aquáticos, sua única atividade.
O desânimo da juventude pelos esportes era tão patente que até mesmo o turfe, considerado no século passado como o esporte de maior atração popular, já não vinha mais provocando grande entusiasmo. E tanto isto é verdade que, dos três prados que existiam - Derby Club, Hipódromo e Pernambucano - apenas este último, o atual Jóquei Clube de Pernambuco, no Prado, continuava (e continua) de pé.
Como se vê, não é difícil advinhar as dificuldades encontradas por Guilherme de Aquino Fonseca para iniciar o então chamado "esporte bretão" entre nós. Os poucos brasileiros educados na Europa, como ele, que conheciam e já haviam praticado o futebol, recusavam-se em auxiliá-lo, uns porque os pais não consetiam, outros porque os preceitos sociais dominantes repudiavam, e até se achava ridículo um homemd e calção correndo atrás de uma bola. Ele chegou a ter vários entendimentos com os dirigentes do Náutico, tentando convencê-los a aderirem ao futebol, mas sempre se deparava com um grupo contrário que, tendo à frente o influente Bento Magalhães, recusava seus esforços, sob o argumento de que o Náutico era destinado exclusivamente à prática dos esportes aquáticos e que, além disso, o futebol não era esporte e, sim, troca de pontapés.
Guilherme não desanimou.Recorreu então aos ingleses, funcionários de companhias britãnicas aqui instaladas, que nos fins de semana costumavam bater bola nos espaçosos quintais das suas residências nos subúrbios. De porte fidalgo, falando fluentemente o inglês, não lhe foi difícil aproximar-se dos britãnicos, gesto seguido pouco tempo depois por outros rapazes de famílias ricas que passaram a engrossar a fileira dos adeptos ao futebol. Era o Sport em formação embrionária.
Como "ensaios", com quadros ainda incompletos, alguns jogos foram realizados, em campo improvisado, na campina do Derbi. Os moleques da redondeza gozagam o "espetáculo" que, para eles, não passava de um grupo de malucos correndo atrás de uma bola. Guilherme viria a dizer, muitos anos depois, que ele e seu grupo chegaram até a ser apedrejados pelos moleques, boquiabertos e de olhos rútilos ante à insólita cena.

História do Futebol em Pernambuco, Capítulo 1, publicado no Diário de Pernambuco, Recife, segunda-feira, 03.06.1995.

• Jornalista

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