domingo, 22 de maio de 2011







Uma arte em extinção

* Por Pedro J. Bondaczuk

O homem contemporâneo vive, hoje, entre tantas contradições, uma que chama, em especial, a atenção. Este início de milênio, caracterizado pela comunicação de massas, é igualmente o período em que as pessoas mais se sentem solitárias. Nunca o mundo teve tanta gente como agora. Afinal, são cerca de 6,7 bilhões de seres humanos disputando o espaço de um planeta de pequeno porte.

Em época alguma houve tantas cidades gigantescas. São cerca de 90 com mais de um milhão de habitantes. No entanto, o homem está cada vez mais só. A saudável arte da conversação, embora encontre ainda um ou outro grupo heróico que a pratique, está em extinção.

O filósofo Ivan Illich constatou: "Cinqüenta anos atrás, a maior parte das palavras que um homem ouvia eram ditas pessoalmente a ele por alguém com quem conversava". E hoje? Atualmente este quadro é muito diferente, Ouve-se, é verdade, conversa o dia todo. Todavia, o que é ouvido é dito à distância.

São aparelhos de rádio, receptores de televisão, gravadores. Telefones fixos (mais e mais raros) e celulares (cada vez mais comuns) e vai por aí afora; que nos enchem os ouvidos e a cabeça. Pessoalmente, em diálogo de qualquer espécie, as palavras ditas são minoria. Os meios de comunicação eletrônicos ditam um enervante monólogo.

Otto Lara Rezende constatou, numa de suas crônicas: "Até um cidadão que não dispunha de um televisor, ou de um rádio transistor, acaba sendo alvo do bombardeio de notícias que está no ar o dia todo, todo dia. Ninguém escapa, com raras exceções, à onipresença da notícia".

É verdade que estar bem informado é fundamental para qualquer cidadão. Todavia, nem todo o tipo de informação veiculado é do interesse de todos. A seleção, contudo, torna-se virtualmente impossível. O homem contemporâneo consome, voluntária ou involuntariamente, uma overdose de notícias, em geral desgastantes --- sobre corrupção, crise econômica, assassinatos, seqüestros e outras aberrações sociais --- que lhe despertam medo, ira, revolta e ressaltam, sobretudo, sua absoluta impotência.

Mesmo os que ainda reservam tempo para um papo com amigos, entre um chopinho e outro, no fim do expediente diário ou das aulas no colégio, não conseguem mais escapar dos temas dirigidos. E estes são, invariavelmente, os mesmos: inflação, futebol, maledicências sobre a vida alheia, bravatas sobre conquistas amorosas quase nunca verdadeiramente concretizadas e outras banalidades do gênero. Tempo para tratar de assuntos relevantes, para aprender e ensinar algo, nunca sobra.

No entanto, jamais as pessoas sentiram tanta falta de diálogos construtivos. Ou de, pelo menos, ouvir alguém falar sobre coisas importantes para suas vidas. Palestras, conferências, simpósios e seminários multiplicam-se, para tratar de temas que há apenas meio século ou menos as pessoas levantavam em conversas nas varandas de suas casas, de forma amena e descontraída.

John Dewey constatou que "os homens vivem em comunidade em virtude das coisas que têm em comum; e a comunicação é o meio por que chegam a possuir coisas em comum". Só que, se comunicar, é uma via de duas mãos. Ou seja, um contínuo dar e receber. E é isto que está faltando nos dias de hoje, tornando as pessoas tão solitárias e arredias.

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

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