quarta-feira, 18 de maio de 2011







Brasilidades nuas

* Por Marco Albertim

O Samba do Crioulo Doido tem expressão na plasticidade corpórea de um negro nu. Luiz de Abreu, no palco, não tem nenhum adereço no corpo; só o par de botas prateadas, com polainas dobradas. O calçado não acentua o contraste com sua cor negra, realça a feminilidade artística. Move-se em câmara lenta, num balé inconfesso, sutil, ressaltando os pormenores do corpo. A performance dá conta de um corpo, cujos ossos gesticulam sós, num monólogo independente do esqueleto. As omoplatas bailam, uma de cada vez ou simultâneas. Os ombros, do mesmo modo, esticam-se sem que o tronco se mova; os braços levantados crescem no tamanho. A impressão é de deformidade voluntária, atenta à plasticidade do ritmo em combinação com o diâmetro de outros membros, sobretudo o das pernas. Noutro feito, o estômago mexe-se para baixo, para cima, para os lados, expondo a simetria dos ossos. Tudo conforme a tensão homoerótica. O pênis esconde-se em si mesmo, interpenetrando-se. No único momento em que traveste o corpo, usa um lençol plástico retangular com desenhos da bandeira do Brasil; há retângulos menores, do mesmo tamanho da bandeira, abertos; ora, tem a cabeça num deles; ora, as nádegas que trepidam como uma britadeira no asfalto; ora, uma das pernas.
Com o título apropriado de Samba do Crioulo Doido, o vídeo compõe as 60 obras de 40 artistas, em Vestígios de Brasilidade. No Santander Cultural, Recife.
Em Fogo cruzado, o videasta Ronaldo Duarte documenta o embebimento de tecidos com combustível, ao longo de trilhos paralelos de bondes. O fogo é aceso. A trilha musical fica por conta de outros protagonistas da mostra pirotécnica, os percussionistas. Moços se abraçam e percorrem os trilhos por dentro e nas duas margens. O cenário é de um auto de fé, mas os gritos são de bacantes em transe. O casario colonial de alguma cidade mineira acolhe-os como luvas nas mãos.
Comércio e tráfico de aves e animais não são brasilidades, inda que as margeiem. Mas o fotógrafo Bob Wolfenson captura macacos presos em gaiolas, aves, e uma porção de armas de grosso calibre dispostas num carro de compras de supermercado. Apreensões da apreensão, um duplo flagrante.
Quarta-feira de cinzas é um filme digital. Com o recesso da folgança, as ruas se entregam ao vácuo prenhe de lembranças; o vazio se mistura à tristeza advinda do cansaço. É uma quarta-feira gorda para as formigas saúvas. Terras e barros úmidos da chuva são vizinhos da rua de tijolos de pedra. As formigas, uma a uma, feito escravos na construção de uma pirâmide, carregam confetes de diferentes cores, alguns brilham sob a luz vítrea das folhas. A quarta-feira dá conta do inverno próximo. As saúvas previnem-se. O filme é de Rivane Neuenschwander e Cao Guimarães.
Pierre Verger se faz presente com quatro fotos, o que é uma pena, posto que seu acervo é um depoimento de afinidades entre povos de duas nações. A captura é de negros dormindo à sombra de árvores em Salvador. Francelins, outro fotógrafo, mostra o rosto de um homem velho em transe; a objetiva circula no olhar. O rosto é mostrado fixo e em silhueta, refletindo sua mobilidade.
A alegoria da mostra divide-se em sete vertentes de brasilidades: Quarta-feira de cinzas, fetichismo, vento, preguiça, sortilégios, geometria e casa.

*Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.

Um comentário:

  1. Capturei uma ínfima parte do que traduziu aqui
    pena que eu não possa "ver" mais.
    Abraços

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