sábado, 23 de abril de 2011






Para o Inferno, enfim

* Por José Paulo Lanyi

Eu e o Chacrinha na Zona Neutra, onde, ante uma máquina gigante, calculamos todas as minhas más ações na Terra. O Abelardo Barbosa é, hoje, uma espécie de animador de purgatório. Onde mais podem solapar a esperança, senão na ante-sala do Além? Pois foi lá, na Zona Neutra, que ele, o Chacrinha, buscou subtrair-me ainda mais, desta vez para exibir, na grande calculadora, tudo o que eu fizera de proveitoso para mim e para os meus companheiros da Triste Crosta (note, é difícil pronunciar....).

Cem dólares - era o que, dizia o Velho Palhaço, teria eu de depositar na máquina. Reagi. Ele insistiu.

EU

Não tenho esse dinheiro. Faça o que quiser com a minha alma!

CHACRINHA

Alô, atenção! Sou apenas o empregado! Estou aqui para animaaaaaaaaaaar (fom! fom! fom! fom!)

EU

Só se for o capeta...

CHACRINHA

Se quiser, aperto o botão e te despacho, aêêêêêêêêêêêêêêêêêêêêê!!!!!

EU

Pelo jeito, só rico vai para o Céu (que frase de pobre...).

CHACRINHA

Nada disso. Esta é a Zona Neutra da classe média brasileira. E, de cara, cada um vai para a Zona Neutra que merece! Há a Zona Neutra de baixa renda. Lá nós cobramos em moeda paraguaia. Temos, também, a Zona Neutra dos ricaços. Lá...

EU

...Cobram em euros...

CHACRINHA

Nada disso. Lá eles não pagam naaaaaaaaaaaaaada (fom!fom!fom!fom!)

EU

Foi o que eu disse. Vão para o céu...

CHACRINHA

Rico vai para onde bem entende.

EU

Olha, Chacrinha, eu não esperava isso de você. Se ainda fosse o Flávio Cavalcanti...

CHACRINHA

Tudo bem. Você vai para o Paraíso.

EU

Ué? Por quê?

CHACRINHA

Fiquei com pena. Você é um coitado.

EU

Ei, Chacrinha, não é por aí. Depois, eu prometi na coluna passada mostrar que eu havia conquistado o tratamento justo aqui. Com o meu esforço.

CHACRINHA

É o que dá escrever sem viver.

EU

Não, não vou aceitar isso. Tem mais: quero falar com Deus.

CHACRINHA (rindo)

Você está exagerando, aêêêêêêê!!! (fom!fom!fom!fom!)

EU

Devo satisfação aos meus leitores. Eles lêem o Comunique-se e...

CHACRINHA

Comunique-se? Pois eu lhe digo: quem não se comunica...

EU

Eu, sei, Chacrinha, eu sei... Agora, chame o Senhor.

CHACRINHA

Você precisa terminar a sua história. Vou chamar para me livrarrrrrrrrrr!!!! (fom!fom!fom!fom!)

(Nisso, ele apareceu. ele, assim mesmo, em minúsculas. O príncipe das trevas, o coisa-ruim, o belzebu. O diabo em pessoa).

EU

Ei! Pedi Deus, veio Lúcifer!

CHACRINHA

Você é um ingrato. Não conseguia concluir a sua história. Chamei o deus e resolvi. Este é o seu deus ex-machina. A salvação dos escritores!

EU

Não, isso é sacanagem...

DIABO

Ora, cale-se, falastrão! Venha, vou costurar a sua boca com arame.
(Foi assim, pessoal, que fui para o Inferno. Há quem ache que, no fim das contas, eu não estivesse errado, essa fora mesmo a solução justa. Espero que não passem pelo que tenho passado. Dois conselhos, embora de alguém que habita as profundezas: separem cem dólares para a Grande Travessia. E não queiram falar com Deus).

(*) Jornalista, escritor e dramaturgo, autor do romance "Calixto-Azar de Quem Votou em Mim", do romance cênico (gênero que criou) "Deus me Disse que não Existe" e da peça "Quando Dorme o Vilarejo" (Prêmio Vladimir Herzog). Trabalha com o músico paulistano Flávio Villar Fernandes, com quem compôs a sinfonia Atlântica.

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