quarta-feira, 27 de abril de 2011



Mataram-me Albino Silva!

* Por Raul Longo

Houve época que tinha até me acostumado com a notícia, mas já não esperava que voltasse a acontecer. Pelo menos não aqui, no sul maravilha.
Pois foi aqui mesmo que me mataram na noite da última sexta-feira. Naquela que dizem ser a cidade mais civilizada do país.
Muitas vezes me mataram no Mato Grosso, no Pará que sequer conheci, no Acre, no nordeste. Não esperava ser morto em Curitiba, mas nesta sexta-feira santa fui executado numa chacina.
Não. Não fui crucificado. Amarraram minhas mãos e as de meus quatro companheiros e deram um tiro na cabeça de cada um de nós.
Eu, que não esperava mais ser morto dessa forma, fui avisado de meu assassinato por um telefonema do Canadá. Assustado, perguntei qual fora o motivo dessa vez e a amiga contou que a mando de ruralistas irritados por minhas atividades de proteção aos mananciais aquíferos, contra os quais querem mudar o Código Florestal Brasileiro.
Fui morto. Mais uma vez, na noite de 22 de abril de 2011. A amiga contou que minha morte foi noticiada aqui no Brasil e na imprensa internacional.
Triste por minha morte, lembrei os primeiros momentos em que me conheci Albino Silva. Para evitar a contaminação do lençol freático através da fossa de minha casa beira-mar, resolvi experimentar um processo de tratamento de esgoto até então ainda não implantado no Brasil. Ou, pelo menos não aqui, em Florianópolis. Só existia na residência do técnico alemão que me expusera o método empregado em seu país, ao qual chamava de Sistema de Zoneamento de Raízes.
Contratei os serviços da empresa do alemão e foi ele quem me apresentou Albino Silva que implantou a estação de tratamento que ainda funciona em meu jardim. Logo nos reconhecemos a mesma pessoa, como tantas outras vezes pude me reconhecer em outros. Naturalmente, nos revelamos sobre o que ainda não nos conhecíamos de nós mesmos.
Foram muitos os contares, mas o que mais me impactou foi ter estado como Albino Silva na queda do Muro de Berlim. Jamais esquecerei ter vivido aquele momento histórico como Albino Silva e posso dizer que os envolvimentos daquela vivência, o compartilhar como estrangeiro dos sentimentos daqueles que eram estrangeiros no próprio país, fez parte de minha constituição e continuará fazendo enquanto tiver de me sentir estrangeiro neste Brasil, como me sinto através de mais essa minha morte relatada nas notícias dos links que aqui copio para avisar a todas as pessoas de meu relacionamento de que fui assassinado nesta última sexta-feira.
Uma chacina na qual foram executados quatro outros companheiros que, como Raul, não conheci, mas como Albino Silva eram outros Raul Longo e, infelizmente, continuamos todos na mira daqueles com interesses acima da vida de cada brasileiro.
Como Albino Silva nasci no Rio Grande do Sul, me tornei técnico em saneamento na Alemanha, morei na Barra do Sambaqui e no Costão do Santinho, em Florianópolis, entre o final da década de 90 e início deste século 21 onde ainda é tão fácil se morrer no Brasil quando, para garantir a qualidade de vida de todos, se interfere com os interesses financeiros de alguns poucos.
Mas, com estes governos eleitos em nossos estados, acredito que esta minha morte da última sexta-feira será mais uma daquelas em que, apesar de tantos anos passados, meus assassinos continuarão impunes.
E aos que nada fazem para estancar esses assassínios antes que nos matem a cada um definitivamente: meus pêsames por mais esta minha morte.

• Jornalista e escritor.

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