sexta-feira, 29 de abril de 2011







Insatisfação

* Por Rodrigo Ramazzini

Em um salão de beleza, com os pés sob cuidados está a cliente chamada Isabela. Realizando a atividade de embelezamento a manicure Maria. Elas conversam sobre o cotidiano...

- Guria, tu acreditas que o meu carro estragou de novo? Não agüento mais. É a segunda vez em dois meses...
- Isso arruma, dona Isabela! O importante é que a senhora tem carro. E eu? Que tenho que pegar dois “busão” lotado para chegar na minha casa. Imagina? Não é fácil, não!
- Mas esse trânsito cansa a minha beleza, minha filha. Tu que não diriges, por isso não sabe do sofrimento...
- Depois que eu e o meu marido terminarmos de fazer o puxadinho lá de casa, que vai ser o quarto dos meninos e tá ficando bem bonito, nós vamos tentar comprar um carrinho, sabe dona Isabela...
- Nem me fala em obra! Estou saturada de pedreiro... Mandei fazer uma reforma no meu banheiro, para deixar ele mais espaçoso, se não me engano ficou com dois metros de largura por dois de cumprimento... Tu acreditas que eles levaram duas semanas fazendo a tal obra? Era sujeira para todos os lados. Um horror só!
- Pedreiro enrola mesmo, dona Isabela...
- Eu quem diga...
- No meu banheiro, que eu troquei o chuveiro, por um desses que sai um montão de água... As crianças estão adorando... Só tem que cuidar o tempo, se não a conta no final do mês vem lá nas alturas...
- Pois é...
- A senhora conseguiu folga do trabalho hoje, dona Isabela?
- Consegui! Graças a Deus... Não estou agüentando mais o meu chefe, sabe? Ele é daquelas pessoas negativas, que fica fazendo tempestade com um copo de água... Está difícil... Estou até pensando em procurar outro emprego...
- Mas a empresa é grande, né?
- Bastante...
- A senhora é gerente lá, né?
- Isso... Do setor de compras...
- Mas a senhora ganha bem, né?
- Em comparação ao restante do mercado, talvez... Mas, com certeza, ganho menos do que mereço... Me dedico demais e ganho pouco reconhecimento, sabe com é? A minha última promoção mesmo, foi há dois anos... Acreditas?
- A dona Marlene, aqui do salão, nunca me promoveu e um aumento no salário, estou brigando a um tempão... Há! Há! Há!
- Hoje, mesmo! Tenho que ir numa dessa festas chatas, com gente posando de chique e com o ego lá nas alturas... É preciso ter paciência... Aliás, não demora muito aí que eu me lembrei que tenho que passar no shopping e comprar um vestido e uns sapatos...
- Calma, dona Isabela! Estou terminando... Nem me fala em festa... Estou ansiosa para que chegue o próximo domingo. Vai rolar uma roda de samba lá no Bar do Tino, lá na comunidade... Estou louca pra ir!
- Samba? Cruzes! Estou fora...
- A senhora diz isso porque não conhece a roda de samba do Bar do Tino... Coisa mais boa! Sambo e me divirto um monte!
- Me poupa, Maria! Meu celular tocando... O Carlos, meu marido... Alô! Sei... Tá! Pode deixar, Carlos! Eu passo lá! Já disse que passo... Tchau! Tchau!
- Ai! Tem dias que marido é só pra incomodar! Meu Deus!
- Há! Há! Há! O meu nego é que está faceiro, agora. Trocou de emprego, está gostando e ganhando um pouquinho melhor...
- Sorte a sua! O meu só incomoda!
- Há! Há! Há!
- Daqui a pouco são os filhos incomodando, também! Quer ver só? Espera para ver se o celular não vai tocar daqui a pouco de novo...
- Há! Há! Há! Dona Isabela... A senhora é muito engraçada...
- Por quê?
- Desculpa lhe falar, mas a senhora reclama de tudo...
- Falta de dinheiro me deixa estressada, deve ser isso...
- A senhora com falta de dinheiro, dona Isabela? O que sobra pra mim que vivo contando moeda...
- A situação está feia... Terminou as unhas?
- Prontinho, dona Isabela! Terminei... Ficou do jeito que a senhora gosta...
- Que bom! Mulher de unha e cabelo feito vira outra pessoa...
- É verdade!
- Muito obrigado!
- De nada, dona Isabela. Volte sempre!
- Volto sim, minha filha! Salão de beleza é uma terapia...
- É mesmo! Há! Há! Há!
- Pago ali no caixa, com a Cleuza, né?
- Isso! Ali com ela...
- Obrigado, Maria! Tchau!
- Tchau!

No caixa...

- Putz! Só tenho isso na carteira. Trocas uma nota de cem de reais?


• Jornalista

2 comentários:

  1. O encontro de mundos opostos dá em diálogos inusitados como este. É por isso que gente de classes sociais diferentes não formam casais harmônicos. Parecem certas as mães quando pedem para que se procure gente da mesma turma.

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  2. Obrigado pelo comentário, Mara! Perfeita a análise.

    Aquele abraço!

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