quarta-feira, 23 de março de 2011











Vestindo-se e despindo-se
com nuvens

* Por Mara Narciso

João e Maria perderam-se no bosque e encontraram uma casa feita de doces. Vinicius de Morais e Toquinho criaram “uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada”. A casa de Botumirim não é de doce, tem teto e chão e é feita de beleza, originalidade e amor. É a última edificação da cidade e fica numa parte intermediária do morro, alta o suficiente para se ver ao longe. Na frente há flores amarelas, num jardim sem cerca, com a cara na rua, mas com uma demarcação de pedras naturais e um calçamento de pedras lisas. É cor-de-rosa-choque com uma porta azul escura, ladeada por duas janelas da mesma cor, igual às casas que as crianças desenham. Do lado esquerdo tem um portão charmoso de madeira, e é toda no estilo do dono, alguém que não é formador de opiniões, mas modificador de comportamentos.
Dentro da casa tudo é diferente, de um jeito singelo no qual cada detalhe tem uma razão de ser: proporcionar aconchego sem tirar a visão privilegiada do local onde se encontra: uma área diamantífera esgotada, onde a natureza comemora exuberante vida. Cada cômodo tem um piso de cimento de cor diferente entre azul, vermelho e amarelo, com detalhes de ladrilho hidráulico pelos meios. Não há portas internas e em cada portal há um tecido bordado ou uma indiscreta cortina de crochê amarela. A quase ampla sala-copa-cozinha é dividida por um balcão que faz vezes de mesa, e no chão colchões e almofadas são as cadeiras. Potes de cerâmica com flores secas regionais assim como fotografias de pessoas do lugar em porta-retratos colocados no chão ou sobre telhas decoram os cantos da sala. Tecido indiano contrasta com tapetes locais. Telhas vermelhas sobre madeira de eucalipto pintada de marrom, expostas, formam o teto sem forro. À noite faz um frio gostoso, enquanto os grilos cantam. Durante o dia muitos passarinhos, inclusive colibris e outros azuis que saltam.
Sobre a pia da cozinha, a janela ampliada por um pára-brisa de carro na parte de baixo, pode-se mirar a meia distância uma das serras em todo o seu esplendor. Perto da pia há o fogão a gás e outro de lenha com seu suave esfumaçar. Tem eletricidade para aquecer o banho, - não tem TV-, e em frente ao chuveiro com banheira azul, e ao lado deste há dois outros pára-brisas ampliando janelas e a visão de quem faz a higiene e ao mesmo tempo vê o quintal e as flores. É o típico banheiro com visão panorâmica para dentro e para fora. Há também uma penteadeira de vidro e uma pia de alumínio.
Os quartos são dois, à direita da casa, e depois vem a porta de cozinha que dá para a varanda nos fundos e o quintal-jardim com pedras e flores numa situação tal que, não se sabe foram jogadas ao acaso ou arrumadas displicentemente, formando uma estética que passeia do delicado ao angelical. Vontade de deitar na rede e ficar olhando.
Na parte posterior, o quintal é uma sequência de pedras altas e de arrumação caprichosa, com limo, cactos, flores do cerrado e areia branca, que mais parecem ter sido planejadas e montadas por um paisagista esperto, pretensioso de sucesso e citação em anais da profissão. Sentar sobre elas, mirar o vale e as outras montanhas, ouvindo o rio de águas escuras - que não se vê, mas se adivinha - considerando as águas típicas dos rios da região: límpidas e ferruginosas, e por isso mesmo com menos mosquitos.
Quando se anda pelo local, se vê as pedras escuras, cobertas de vegetação florida, especialmente amarelas e cor-de-rosa, além das orquídeas. As pedras dos rios, bem lisas, lembram o mármore, entre o amarelo e o róseo, cercadas pelas areias claras, e em alguns locais branquíssimas. Encontra-se água corrente em profusão, de instante a instante.
Mais longe, pela estrada morro acima, demarcada por eucaliptos, pode-se ver uma das cachoeiras monumentais do lugar. Cai formando um véu de espuma, de tão alta que é. À medida que se vai subindo, vai se aproximando dela, muito linda e exibida, ciente da sua majestade. Mas, se mostrar e se esconder alternadamente, esse foi o show da montanha ao lado da casa de amor. Ela se vestiu e se despiu de nuvens, após a chuva ceder e o dia clarear, fez charme, entre tímida e segura, fez que ia mostrar o rosto, para em seguida esconder-se atrás do véu, e até o último momento se fez de difícil donzela. Por fim, apareceu bela, de olhos baixos, porém à espera dos aplausos.
Lembrando o amigo de Olavo Bilac, que desistiu de vender seu sítio, quando leu o comercial criado pelo poeta, acredito que se depender de mim, não se vende a propriedade, mas se divide com os amigos. É pecado usufruir sozinhos dessa maravilha encantada. Como não pude trazê-la, vieram as fotos, e, assim que a saudade apertar, precisarei voltar.

* Médica, jornalista e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.

4 comentários:

  1. Senti a brisa fresca da tarde.
    Pisei na grama desordenada, mas poupei
    as flores.
    E, de longe espiei a linda cascata se despindo aos poucos...
    Lindo Mara.
    Abração

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  2. Caramba, deu vontade de ver de perto tudo isso. Independente da descrição primorosa e detalhada, você nos atiçou a curiosidade sobre este paraíso, Dra. Mara. Muito bom.

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  3. Mara, quando retornar a esse refúgio, por gentileza, leve um item a mais em sua bagagem: eu! (rs) Lindo! Abraço!

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  4. Gente, você estão todos convidados a conhecer essa cidadezinha do norte de Minas chamada Botumirim. São apenas seis mil habitantes que conviveram com o garimpo de diamantes e depois com a Doença de Chagas. A beleza do lugar poderá apontar um outro caminho: o turismo ecológico sustentável. Agora é formar quem vai tomar conta disso. Obrigada pelos simpáticos comentários.

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