quinta-feira, 24 de março de 2011




Jogo da forca

* Por Fernando Yanmar Narciso



Dia desses, na praça pública de uma capital qualquer no Oriente Médio…
-Quais são suas últimas palavras?
Não diz nada. Vaias, urros e cusparadas no corpo do condenado à forca. Põem o saco preto em sua cabeça e o alçapão se abre sob seus pés.
-Conseguimos, meus irmãos! – Exclama um dos homens ao lado do carrasco. A última cabeça do império caiu! Estamos livres da tirania, da repressão, dos anos de tortura, sangue, escuridão! Livres!
A comoção é geral ao verem o corpo despencar para a morte. Saraivadas de tiros para o alto, rojões pipocam em todos os cantos. Alguns loucos rasgam a moeda local e jogam uns nos outros como confete. Mas, aos poucos, a alegria vai se dissipando, a ponto de todos os concidadãos ficarem olhando pro líder popular com cara de bobos.
-Ah, tá. Mas e agora, professor?
-Como assim?
-O que a gente faz, agora que estamos livres dele?
-Hum… Boa pergunta, hein? Deixe-me pensar… Hum… Âhn… Ehr…
Os dez segundos de silêncio parecem levar horas para acabar.
-Sabe que eu nem tinha pensado nisso, pessoal? Tudo o que a gente queria era acabar com a raça desse ditador sanguinário, e agora que conseguimos… Hum… Me deu um branco, sabe?
-Como é que é? – Uma cidadã se indigna. Quer dizer que você ficou meses na internet martelando que precisávamos de liberdade, lutar contra a ditadura, por nossos direitos, sem ter um plano para quando tudo isso terminasse?
-É, essas coisas acontecem, vocês sabem…
Inicia-se um burburinho nas fileiras da frente.
-Mas, e daí? – Continua. O que queríamos era nos livrarmos dessa corja que nos aterrorizou por mais de 60 anos, e conseguimos nos livrar dele, não conseguimos? Agora podemos fazer qualquer coisa que quisermos! Não há quem nos segure!
Começam a aplaudir novamente lá no fundo.
-Também não é assim, né? – Um senhor indaga na primeira fileira – Não podemos fazer nada desordenadamente, senão o país pode se tornar uma enorme anarquia! Assim, nada pode funcionar direito!
-Tem razão. Precisamos reconstruir todos os poderes do zero! Temos quantos economistas entre nós aqui?
Silêncio. O líder fica pasmo.
-Economistas, gente. Quem faz faculdade de economia aqui?
-De que jeito faríamos faculdade aqui? Nenhum cidadão comum recebe o bastante pra pagar as mensalidades. Quase todo mundo aqui é analfabeto!
-Hum… Tem razão. Mas não é possível que entre cada pessoa aqui não haja um economista, concordam?
-Bom… O único economista era o ministro da fazenda… E ele está lá na forca.
-Assim como cada ministro que poderia ser útil para nos mostrar como se faz cada coisa no país.
Ele fica ainda mais chocado.
-Certeza disso? Não sobrou unzinho, gente?
-Nenhum. Nem mesmo o exército, pra ajudar a colocar ordem.
-É… Guerra civil, matamos todo mundo, não foi?
Todos acenam para o líder com a cabeça, com fogo saindo pelos olhos.
-Ora, vamos, pessoal! Não deve ser tão difícil assim mandar num país pé-de-chinelo como o nosso! Se esse bando de víboras conseguia, é claro que a gente também pode conseguir!
-Agora nem sei mais, professor… Levaremos anos para refazer tudo. Quer dizer, As cidades estão em ruínas, muitos parentes nossos desapareceram, a inflação no país é um assombro, falta tudo pra todo mundo… Mas em compensação, sempre houve ordem com essa gente no poder. A polícia funcionava, lá do jeito dela. No começo até doía, mas depois de 15 anos, até que deu pra acostumar com as torturas, chibatadas, mutilações… Agora que nós matamos todo mundo… A vida vai ficar tão monótona…
-Uma paz tão grande…
-… É, né? Pessoal?- Diz o professor, meio sem jeito- Por favor, um minuto de silêncio em honra aos homens que hoje foram enforcados…
E, após aquele dia, só restou àquele povo esperar pela ajuda humanitária dos Estados Unidos- Que por um acaso nunca chegou.


• Designer e colunista do Literário

2 comentários:

  1. Ótimo texto. Ao ler, pois Fernando descreveu alguma praça pública de uma capital qualquer... Foi assim, a grande decepção: Você acha que tem muita gente se incomodando? Não! Estamos tão acostumados com a situação, que elevar o nível cultural de uma nação não é fácil. Exige empenho e dedicação por parte de todos envolvidos.
    Parabéns!
    Abração do,
    José Calvino
    RecifeOlinda

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  2. Como escrevi no blog:
    Essa visão é bem racista e imperialista, além de ingênua. Ninguém espera 60 anos pela liberdade sem ter programado tudo, feito estratégias de combate, e conseguido um grupo de apoio completo. A aparente pobreza e desorganização(falta de uniformes, por exemplo), dá a falsa ideia que há um grupo anárquico e desorganizado. Não é nada disso. São pessoas capazes, que num primeiro momento podem necessitar de ajuda da ONU, mas que em alguns anos podem caminhar sozinhas. Há também graus variáveis de organização. Não se pode nivelar paises diferentes como se fossem iguais. De todo modo é bom pensar, e aqui em nível humorístico, de que não podemos derrubar uma chefia sem ter outra melhor para colocar no lugar.

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