segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011


Corações mudos na boca


* Por Cacá Mendes

Meu coração disse a um outro do lado:
- Eu tenho pressa.
- Eu tenho não, moço... – Isto é imaginação pura, ela não disse nada. Apenas desconfio, suspeito.
No após, eu pergunto-lhe, no real:
- Eu sei, está calor no aqui, não é? Ou... né?! - Risos sem jeito de minha cara pra mim, caindo num abismo ali daquele ônibus sacolejando, no entanto dos buracos das ruas de São Paulo... Eu tinha certa frivolidade escondida nas mãos, espécie de carta aberta no jogo, para aquele enlevo bem ajustado de pernas femininas ali dentro de uma saia bem rodada e colorida de gostosa, na minha frente. Ah, eu te me entrego sem as burocracias da min'alma! Me leva!
Hum. Eu tô me apaixonando por mim em ti, menina! Mas aos poucos via minha coragem derrapando no piso daquele ônibus/carroça, descambando rua afora para o meu algum curto destino... (qual deles? Perguntei-me em voz alta). Mas nesse titubeio, vai-não-vai fui indo de manso com meus olhos nela, até encostar meus sentimentos nos seus delas assim cara a cara, com pele e vontade de viver ali. Ah, o osso do coração da gente não quebra de bater, se não, acho que o meu já estaria a pó. Risos aqui de novo, bem sem graça na minha cara de tímido, bobo, besta, entortado da vida... e sei lá mais o que posso me desdizer das minhas tolas sem gracisses de enveredo da minha vergonha!
- Sim. Isto foi ela real, em carne, bem seca, curta, lacônica, ou precisa... A dúvida é o meu alívio aqui. Ufa, continuo mirando-a.
Ela, depois de um tudo de empinado momento secular em bico labial, bem mordido de beijos graciosos de vida boa de bela, deu-me dois olhares tímidos e/ou ameaçadores (já certeza, não mais me havia no ali da vida). Eu quase dei um espirro de felicidade assim num bico bem contido de alegria. Depois, disfarçadamente me odiou, ficou no seu horizonte de sei lá o que de que pra quê. Um silêncio assim bem covarde, sem nada de reação, inerte, num fundo de baú de abismo. Eu sei, ela sabia, queríamos o mesmo querer mas morreríamos ali mudos, estáticos, pedra na pedra e nada, absolutamente nada em nada nos moveriam, em milímetros que fossem daquela trincheira absoluta.
Todos nós temos o nosso fraquejar, o nosso enrolado sistema sanguíneo de se relacionar. Sabe, aquele jeito de mandar sangue pro outro, esperar, bombear de novo, ver o que acontece com o receptor, bombear novamente, e ficar olhando-o nos olhos, assim bem lá nos eixos deles, até vê-los encharcados, borrados das imagens, fotos de papel molhadas...
Ah, mas eu perco a cabeça, arrombo as portas, às vezes, e fico assim querendo esmurrar tudo e todos, e acabar com a burocracia infernal daqueles olhos lindos me fritando naquele automóvel dos demônios. Ah, me leva, eu sou teu , me leva, me leva! Claro, diante dos meus olhos pedintes, insistentes o ônibus parou, freou no brusco e aqueles pés magníficos, delicados, levíssimos pisaram o além do chão e foi-se. Eu continuei no definitivo da infinita viagem em direção a algum extremo sul da cidade de São Paulo.

* Jornalista – blog: www.cronicaseg.blogspot.com

Um comentário:

  1. Dizem que um raio não cai no mesmo lugar e assim
    acontece com esses encontros de alma...tão raros.
    Abraços

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