quarta-feira, 19 de janeiro de 2011




O respeito à vida é o bem maior

• Por Mara Narciso

As vidas frágeis de pequenos animais – um filhote de passarinho que caiu do ninho, por exemplo –, são do tamanho da vida de qualquer um, pois são únicas. Há quem proteja toda a vida animal e vegetal, e o que as cercam. Acham que o respeito à vida deva ser geral e irrestrito e procuram praticá-lo.
Uma criança recém-nascida sensibiliza as pessoas, que soltam os músculos faciais, quase sorriem ao mirar a face de quem acabou de vir ao mundo. O pé e a nuca de um neném são tão graciosos, e ainda assim há quem agrida e até mate um bebê. Quando a criança não é perfeita, ainda maior é o descaso, o que agrava o problema. O gesto vil de espancar um lactente já foi visto por aí. Sente-se asco e pede-se que o agressor seja exemplarmente punido.
Uma família quer adotar uma criança deficiente, de cinco anos, portadora de paralisia cerebral, com uma flacidez muscular grave, que está num abrigo. Foi retirada da família biológica devido aos maus-tratos, que agravaram seus já intensos problemas neurológicos. A mãe adotiva conta que todos os seus parentes foram contra a adoção, pois iria desestruturar a nova família com seus problemas e exigência de eternos cuidados. O pai adotivo fala que, ao ver o menino, tão traumatizado e chorando, o colocou no colo e afagou a sua cabeça. Enquanto a criança se calou com o gesto carinhoso, o pai começou a chorar. Estava decidido, levaria o menino para seu novo lar. Assim foi feito, e agora ele já se recupera um pouco do que perdeu com tratamentos caros e diversificados, como a Equoterapia.
O rapazinho de 14 anos estava no CTI, em Belo Horizonte. Era vítima da Síndrome de Guillain-Barré, destruição da mielina que envolve os nervos e com isso tinha perdido os movimentos dos quatro membros e tórax, e respirava com a ajuda do respirador. Na época e local não havia broncoscópio flexível, apenas o rígido que não permitia retirar o tampão de secreção que o impedia de respirar melhor. De ambulância, cercado de cuidados, com o médico ao lado, foi levado a outro hospital para ser submetido a uma broncoscopia sob anestesia geral. No procedimento apresentou uma parada cardiorrespiratória. Após ressuscitá-lo, o anestesista explicou com desdém: mas também ele é tetraplégico!
“Eu respeito a vida” é mais uma das expressões que perderam o sentido. Não acontece nem respeito ao vivo. A arrogância foi institucionalizada. Muitos se julgam melhores do que os outros. É rotina ver pessoas desdenhando outra por ela ter um defeito físico, ser gorda, ser menos jovem, menos bonita, menos rica, menos aquinhoada de conhecimentos. E quem pratica esse gesto se sente melhor que os demais e algumas vezes, dentro da sua grande capacidade, é incapaz de avaliar como se comporta.
Algumas vidas humanas são desprezadas nos serviços de emergência por vários motivos. O descaso machuca as almas mais sensíveis. É como se uma vida fosse mais importante do que a outra. Assim, para fazer valer os seus direitos, as pessoas esclarecidas gritam pelo que deve ser feito: preferência no atendimento de acordo com a gravidade do caso.
Enquanto há quem não cuide bem dos pais ou dos filhos, agindo de forma vil ao cometer o crime de abandono de incapaz, há quem ame um estranho a ponto de se emocionar. Gente pode ser assim também.
Ser a favor do direito ao aborto, ou a favor da eutanásia quando há desejo expresso do doente, pode ser uma cortina sobre o real motivo: comodismo? Medo do desconforto? Não seria melhor a prática do sexo responsável e da medicina preventiva?
Há quem deixe no automático a frase de que é a favor da vida, mas não pratica o que diz. Não cuida bem da vida dos que estão sob sua responsabilidade e nem da sua própria vida. Não segue os preceitos de boa higiene, faz loucuras, come errado, tem vícios, não faz as prevenções, e se nega a seguir tratamentos consagrados.
Caso alguém receba orientação médica e diga friamente que não obedecerá nada daquilo, quem acredita que essa pessoa respeitará a vida do outro?

* Médica, jornalista e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”.

7 comentários:

  1. Mara,
    Seu texto nunca foi tão oportuno, dado o momento de calamidades por que passamos. Se todos pensassem e agissem assim, esse mundinho de meu Deus seria bem outro. Parabéns pelo manifesto!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Mara, respeito ao outro é artigo de luxo no mundo em que vivemos. As pessoas desrespeitam por detalhes, muitas vezes por não respeitarem nem a si mesmas, por ignorância e por pura maldade. Os motivos para tal atitude são muitíssimo variados.
    Eu mesma sofri na pele a falta de respeito em diversas ocasiões, mas uma me chamou a atenção pelo preconceito: o sujeito tentava me diminuir pelo fato de ter cursado Jornalismo em uma instituição particular. "Por que você não passou na Federal?", perguntava, pensando ser melhor do que eu pelo fato de ter feito Direito em uma instituição federal. Na verdade ese desrespeito todo é sinal de uma autoestima abaixo de zero. É mole?
    Parabéns pelo texto!

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  4. Abençoados sejam todos os seres desta Terra
    pois aos olhos do Criador somos todos à sua
    imagem e semelhança.
    Ótimo texto.
    Abraços

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  5. "Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo" diz o primeiro mandamento da Lei Divina. Se o seguíssemos, não precisáriamos de outros dez. Mas o homem perdeu o amor por si...
    Parabéns, Mara.
    Abraços

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  6. Mara,

    Seu texto representa o quadro humano que o Brasil é capaz de sugerir as pessoas observadoras e inteligentes. Realmente, devemos enfrentar corajosamente a vida.
    Parabéns!

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  7. Pessoal, a leitura de vocês e a atenção dos comentários são claros na valorização do respeito pela pessoa humana, que está falando com vocês. Fico-lhes grata e feliz pelo retorno carinhoso. Muito obrigada!

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