quinta-feira, 20 de janeiro de 2011


Divisão do indivisível

A vida do escritor no Brasil não anda nada fácil. Há exceções, claro, mas refiro-me à maioria, a que tem que batalhar muito para chegar ao seu destinatário e árbitro supremo da sua produção, esse ente sem rosto e sem nome (às vezes sem alma, sem piedade e até sem cérebro), mas sem o qual não há razão alguma para se escrever. Claro que vocês já concluíram que me refiro ao leitor. Estou até planejando, a exemplo do que fez o escritor argentino Ricardo Piglia, escrever um livro, exaltando, nas entrelinhas, a importância dessa figura fundamental.
Parodiando Euclides da Cunha, em “Os Sertões”, quando se refere ao sertanejo, constato que “o escritor brasileiro é, sobretudo, um forte”. E tem que ser para superar os obstáculos dessa verdadeira selva em que se constitui o mercado editorial. Pelo menos o nosso, que teoricamente está ao nosso alcance. Raros são os autores nacionais cujos livros ocupem, já nem digo o topo da relação semanal dos mais vendidos, mas até mesmo modesto décimo lugar. Nosso principal problema (se é que posso me expressar dessa maneira), na verdade, não é um só, mas são dois: distribuição e divulgação.
Raramente conseguimos algum espaço na imprensa para divulgar nossos lançamentos. Às vezes, com muito custo, conseguimos a façanha de ter publicada uma escondida e despretensiosa notinha de pé de página, referente aos nossos livros, nas editorias de cultura dos grandes jornais. E se, por uma infelicidade, aquilo que escrevemos com tanto sacrifício, mas com tamanha esperança, interessar algum crítico, mas por razões que não sejam a de qualidade e se ele desancar nosso romance (ou seja lá qual for o gênero), aí que a tragédia é total. Caímos em desgraça de vez. Nossos livros se tornam candidatos mais do que certos a se constituírem em contundentes encalhes nas prateleiras das livrarias. E as portas se fecham de vez para nós.
As coisas, é verdade, já foram piores, muito piores para nós, antes do advento da internet. Hoje, pelo menos, podemos ter um blog, por exemplo, e abastecê-lo com nossa produção literária. Mas o acesso a ele é, também, lotérico. Pode passar muito tempo sem que ninguém visite nosso espaço e, por conseqüência, conheça nossa forma de escrever e as mensagens que temos a transmitir (se a tivermos, óbvio). Mas é melhor do que sequer dispor desse recurso.
Baseado em um poema de Carlos Drummond de Andrade (que o poeta dedicou a outro “monstro sagrado” das letras nacionais, Manuel Bandeira), intitulado “Política literárias”, classifico os escritores pelo alcance de suas obras. Há, por exemplo, os “municipais”, conhecidos, apenas, nos arredores de onde vivem e às vezes nem mesmo ali. E conheço vários que mereceriam projeção não apenas nacional, como até internacional, pela qualidade e relevância de suas obras. E por que não têm? Mistério! Provavelmente por estarem adstritos àquilo que o filósofo José Ortega y Gasset denomina de “circunstâncias”.
Na sequência dessa escala, e em quantidade muito menor que a anterior, há os escritores que chamaria de “estaduais”. São conhecidos bem além dos limites de suas “aldeias”, mas muito aquém do que mereceriam pelos seus talentos e méritos literários. O acesso destes às editoras é menos traumático0, bem como às redações dos jornais. Mas estes também não têm vida fácil.
Finalmente, vem a “elite”, a categoria dos escritores “federais”, cujo número gira em torno de uma centena, se tanto. São bajulados pelas editoras e pela imprensa e, ainda assim, não são, necessariamente, campeões de venda. Não me refiro, claro, às exceções, aos que extrapolam o cenário e mercado nacional e se projetam no mundo todo, traduzidos para dezenas de idiomas e que vendem milhões e milhões de exemplares. Escritores como Paulo Coelho, atualmente, e como foi por muitos anos o baiano Jorge Amado, são fenômenos. Raros de nós podem se ombrear com eles (se é que podemos).
Para quem não se lembra do citado poema de Drummond, refresco sua memória. Diz: “O poeta municipal/discute com o poeta estadual/qual deles é capaz de bater o poeta federal./Enquanto isso o poeta federal/tira ouro do nariz”. Nem sei se Drummond quis dar ao seu poema a conotação que lhe dei. Desconfio que não. Em todo o caso, serve bem ao propósito desta reflexão. Só substituo a palavra “poeta” por “escritor” e uso-o como metáfora dessa divisão do indivisível, que é a literatura.
Aliás, não dá (salvo honrosíssimas exceções) para se viver exclusivamente dessa atividade no País. Quem tentar... terá que conviver não com a miséria, mas com seu extremo, a indigência. Para muitos (e põe muitos nisso), ela é ainda mero bico, e pessimamente remunerado. Para outros tantos, não passa de “hobby”, para se cultivar nas horas vagas. Poucos de nós, por exemplo, recebemos das editoras pagamento adiantado por livros que ainda nem escrevemos e que existem (quando existem) apenas em nossas cabeças.
Não podemos, como muitos medalhões estrangeiros, alugar, por exemplo, um confortável chalé, à beira de algum lago suíço, para na paz, no silêncio e no sossego, escrevermos o que quisermos. Somos forçados a roubar horas e mais horas de sono, vararmos madrugadas após madrugadas, e tudo isso sem a menor certeza (aliás, sem nenhuma) de que pelo menos encontraremos editora que faça nossas obras chegarem a seus destinatários. E ainda assim, nossa literatura é viva, dinâmica, original e pujante, sem ficar nada a dever para a de nenhum outro país (embora nenhum escritor brasileiro tenha, jamais, conquistado um Prêmio Nobel de Literatura). Somos ou não somos, pois, sobretudo. “uns fortes”?! E ai de nós se não formos.

Boa leitura.

O Editor.

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2 comentários:

  1. A internet veio suprir a lacuna da ausência de leitores. Ultrapassamos as 160 mil visitas.

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  2. Mas bah! Que baita editorial, Pedrão!

    Aquele abraço!

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