quinta-feira, 20 de janeiro de 2011




(Apertem os cintos) A paixão sumiu

* Por Fernando Yanmar Narciso

Todos nos sentimos meio órfãos quando um programa de TV chega a seus finalmentes. E lá se foram nove meses de intrigas, falcatruas, cenas impossíveis, desvios de personalidade... E, surpreendentemente, nenhuma paixão pela qual valesse a pena torcer. É claro que estamos falando de Passione, a agora finada novela das 9, escrita por Silvio “Papai Smurf” de Abreu e mais três esclerongos que, a essa altura do campeonato, não precisamos mais saber os nomes.
E o que dizer a respeito da estória, agora que ninguém mais se importa com aqueles personagens e situações?
Nesse ano em que voltei a acompanhar novelas, tive uma idéia de como funcionam as coisas na Globo. Sempre que falta alguma coisa numa novela, esta aparece em excesso na produção seguinte. Se em Caminho das Índias, de Glória Perez, o que reinava era a fantasia excessiva e a falta de realismo e bom senso, na novela seguinte, “Viver” a Vida, do eremita Manoel Carlos, o que não faltava era isso... Em compensação, faltou uma trama movimentada, personagens obcecados com alguma coisa e um par romântico principal convincente. E esse ponto foi exatamente o que o autor trabalhou em Passione, em proporções variadas.
Como vimos no último capítulo, toda a trama girou em torno de traumas sexuais, e todos convergiam para uma única personagem: Vovó Valentina, defendida com maestria por Daisy Lucidi. Sua personagem asquerosa era cafetina desde o feto. Vendia o próprio corpo, o da filha, o das netas ainda crianças- a chorona Kelly e a psicótica Clara, tentou vender a neta mais nova duas vezes pro mesmo cafetão pedófilo paraense e ainda estuprava o indefeso filho de Bete “Fernandona” Gouveia, Gérson, o que provocou no garoto um trauma bisonho e uma obsessão sexual na idade adulta, que até o presente 90% dos brasileiros não conseguiram entender. E aposto que a velhota ainda alugava cavalos, cabras, melancias e bonecas infláveis da Alcione para diversões “incomuns” nos fins de semana.
Enfim, Seu Sílvio só nos apresentou temas levíssimos, pra lá de adequados para um horário em que nenhuma criança foi pra cama ainda. E a vovó demoníaca foi só uma das personagens dementes apresentadas no folhetim. Fred, o protótipo de vilão defendido de maneira caricata pelo monocórdio “galã” Reynaldo Gianecchini, nutria um mais que suspeito caso de amor pelo próprio pai, sendo capaz até de matar em honra à sua memória. A motivação de seu personagem para acabar com a família Gouveia era que ele acreditava que seu pai-herói havia sido injustiçado na fábrica em que trabalhava, quando teve seu braço esmagado por uma máquina e não recebeu indenização alguma. Desempregado e deprimido, ele se matou na frente do filho, gerando nele um desejo incontrolável de vingança contra os Gouveias. O garotão passou a novela todinha tomando vacina anti-rábica e chutando a bunda de quem se opusesse a ele. Mas, como em Passione ninguém prestava e causas justas não existiam, só na última semana descobrimos que o paizão, um bebum viciado em carteado e em mentir, havia se amputado de propósito para arrancar uma bolada da empresa e nunca mais trabalhar, e passou o resto de seus dias incutindo na cabeça do filho a história da injustiça. Típico folhetim, concordam?
Essa deve ter sido a primeira novela do horário em que os galãs não comiam ninguém. Os verdadeiros comedores da trama (tramóia?) pertenceram à turminha do Retiro dos Artistas. Encabeçados pela vovó-capetona citada acima e pela quatrocentona Brígida (Cleyde Yaconis) do lado do bem. Os geriátricos dessa vez falaram sobre e fizeram sexo muito mais que os jovens, bonitões e cheios de gás da nova geração. Talvez seja um reflexo dos tempos modernos...
Se nos tempos da novela do Maneco a regra era a morosidade, a falta de acontecimentos importantes ou sem importância e o boom-mike aparecendo toda hora no topo da tela, aqui a palavra de ordem, além das perversões sexuais, foi o clima tenso, suspense barato e excesso de tramas paralelas.
Isso sem falar nas estripulias do núcleo “cômico” da novela. Nunca vi Francisco Cuoco, um dos nossos maiores atores, pagando tantos micos na carreira como em seu papel de Olavo, o Rei do Lixo. Ele nem conseguia completar uma frase sem ficar arfante. Aliás, não consegui entender por que o núcleo encabeçado por ele chamou tanta atenção. Cada vez que a turminha do Jardim América aparecia, eu mudava de canal.
Tanto a audiência como os autores ficaram feito cego em tiroteio na maior parte do tempo, e isso se evidenciou na baixa audiência que o programa teve em seu decorrer. A mais baixa para o horário na década!
Sílvio só conseguiu se redimir com o telespectador em seu último mês de exibição, onde a estratégia adotada foi lotar cada capítulo com tantos exageros, absurdos e mortes de “figurantes deluxe” em um ritmo tão vertiginoso que o povo nem teria paciência pra analisar o que estava acontecendo. E não é que deu certo? 57 pontos de IBOPE num único capítulo, fato esse que não ocorria desde 2005. É mole ou quer mais?

* Fernando Yanmar Narciso, 26 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com

3 comentários:

  1. Fernando, parece que as novelas perderam o conteúdo e o senso crítico de quem assiste aumentou( pelo menos o meu! rss). Resultado: está ficando difícil acompanhar...Ótimo texto! Abraço!

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  2. Você sabe que não acompanho mais os folhetins
    a não ser os últimos capítulos...
    E essa novela especialmente por muito pouco
    quase detona a Fernanda Montenegro.
    Graças aos céus que acabou.
    Abração

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  3. O seu texto é mais interessante do que a novela. Vi raros diálogos, e mesmo reconhecendo que escrevê-los é um grande desafio, os achei tão sem propósito, que descartei. Daí preferi ler a sua análise que vê-los.

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