sábado, 27 de novembro de 2010




História de um sobretudo

* Por Urda Alice Klueger


Em maio de 1990, eu estava passando um mês em Paris/França. Queria que fosse um mês maravilhoso, e queria trazer um presente ainda mais maravilhoso para minha irmã Margaret.
Na primavera francesa, andei e andei pelas lojas de Paris, à procura do presente único, aquele que deixaria minha irmã de queixo caído, alguma coisa que absolutamente não existisse no Brasil, até que achei que tinha encontrado: em elegante vitrine, espiou para mim um mais elegante ainda sobretudo azul marinho. Gente, o sobretudo era lindo! Bastava dar uma olhadinha para ele para ver-se que só poderia ser originário de Paris. De casemira azul-marinho, tinha um corte tão elegante que, imaginei, deveria ter sido projetado para uma princesa de sangue real. Era o presente que eu tinha procurado - não titubeei nem um minuto em entrar na loja e comprá-lo!
Voltei, no fim do mês, e minha irmã adorou o presente. Ela ficou realmente elegante e bonita dentro daquele sobretudo sofisticado, e não via a hora de inaugurá-lo. Só havia um probleminha: nosso pequeno frio de Santa Catarina era muito pouco para usar sobretudo tão quente, adequado para neve européia. Ele permaneceu no armário, esperando um dia realmente frio para sair às ruas e, felizmente, não teve que esperar muito. Lá pelo mês de Julho a Argentina nos mandou uma massa de ar polar daquelas de bater queixo, e minha irmã, toda feliz, ia inaugurar o seu sobretudo.
Minha irmã Margaret, há anos freqüenta São Francisco do Sul, ilha encantadora ao norte do nosso Estado, onde possui casa.
Pois bem, minha irmã Margaret, freqüentadora assídua daquela ilha paradisíaca, estava convidada para ir a um baile em São Francisco do Sul bem naquele final de semana em que chegou a massa de ar polar, e não deu outra: iria inaugurar o sobretudo parisiense, imaginou-se a arrasar ao chegar ao baile naquele chiquê todo, com os moradores locais a se virarem para olhar aquele agasalho que, estava na cara, só poderia proceder de Paris, a Meca da moda.
Ela chegou a São Francisco e esmerou-se na aparência: maquiagem caprichada, perfume caro, etc., e o sobretudo por cima, na certeza de impressionar todo o mundo naquela noite. E o que aconteceu? Vou contar:
Para quem não sabe, São Francisco do Sul, além de uma ilha paradisíaca, rodeada de praias maravilhosas, também é um grande porto de importação/exportação, onde existe intenso tráfego de navios de todas as partes do mundo. E, justamente naquele final de semana de gelado ar polar, havia entrado no porto um grande navio alemão, cheio de marinheiros. Alguém da cidade acabou convidando os marinheiros do navio alemão para o mesmo baile aonde minha irmã ia, e eles, assustados com aquele ar polar em pleno trópico, tiraram das suas malas seus sobretudos, que costumavam usar em outras latitudes.
- Cada alemão daqueles tinha um sobretudo tão bonito quanto o meu! - contou minha irmã ao voltar, entre divertida e decepcionada.
Pois é, o sonho da minha irmã, de brilhar com o seu sobretudo parisiense na única noite de grande frio daquele ano, foi para o espaço. Dezenas de marinheiros alemães com lindos sobretudos eclipsaram o solitário sobretudo azul marinho que eu custara tanto a achar em Paris. Ainda bem que minha irmã Margaret é uma pessoa muito alegre, que não se decepciona com pouca coisa. Ela até hoje morre de rir quando se lembra do episódio.
E o que aconteceu com o sobretudo, presente que eu quisera inesquecível, garimpado nas lojas chiques de Paris? Continua no armário, quente demais para o nosso pequeno frio de Santa Catarina. Eventualmente, em raros dias em que a Argentina nos manda uma massa polar, ele sai por algumas horas à rua, desfila, chiquérrimo, por Blumenau, onde não corre o risco de ter de concorrer com marinheiros alemães. Creio que, para São Francisco do Sul, ele não vai nunca mais.


* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR

Um comentário:

  1. De fato, o sobretudo ficou obscurecido pela presença maciça de muitos deles. Mas além da ótima crônica, ficou o sobretudo e o amor que você tem pela sua irmã, de todo modo comprovado pelo lindo presente. Eu, como grande friorenta do norte de Minas, acho o frio de Blumenau muito intenso. Capaz de eu conseguir usar esse sobretudo, caso fosse meu e eu aí morasse, durante todo o inverno catarinense.

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