quinta-feira, 18 de novembro de 2010


Colapso instantâneo ou lenta agonia


O amor tem que ser vivido, sempre, no superlativo. Já escrevi isso “n” vezes e, certamente repetirei essa verdade quantas vezes julgar oportuno, já que se trata de um sentimento que não pode ser “morno”. Se o for, torna-se enjoativo, insosso, intragável. É vibrante (e tem que ser sempre assim) principalmente quando “ferve”. Quanto mais intenso for, mais intensidade devemos tentar lhe imprimir. Para o amor não há e nem pode haver limites. Quem já amou ou está amando sabe do que estou falando. Falo do superlativo dos superlativos. Os poetas criaram, até, estranha metáfora para expressar o absolutismo desse maiúsculo sentimento: morrer de amor. A rigor, convenhamos, ninguém morre dessa causa, claro. E se morresse... seria morte gloriosa. Ninguém morre de amor, mas este, mesmo que alguns não admitam, morre. E seu colapso pode ser tanto instantâneo, fulminante, igual a um raio, quanto a morte pode ser precedida de lenta agonia, que pode durar anos a fio. Ademais, morre-se, também, de amor não-correspondido, o que é outra coisa.

A falta de correspondência é frustrante, dolorida e brutal. Esse, sim, é um sofrimento que não desejo nem para o pior inimigo. Mas quando somos correspondidos! Ah!, os amantes conseguem a façanha de transportar o céu para a terra. As pedras e espinhos não lhes ferem os pés, frio e calor não os incomodam e um vê a vida (como incrível magia) nos olhos do outro. É um delírio! Mário Quintana expressa, em magnífico poema, a ventura de se amar e ser amado, ao exclamar: “Tão bom morrer de amor e continuar vivendo!” Não conheço felicidade maior. Mas, reitero, tem que ser vivido, sempre, no superlativo.

Isso me reporta, de novo, à mágica crônica escrita por Nelson Rodrigues – ironicamente a última da sua vida, que foi publicada na Folha de S. Paulo no mesmo dia e na mesma página em que o jornal anunciou a sua morte – intitulada, justamente, “Amor que morre”. O “anjo pornográfico” encerra o quinto parágrafo desse marcante texto com esta constatação: “Eis a verdade, quem experimenta o verdadeiro amor já não sabe viver sem ele”. Não sabe, mas muitos não cuidam dele. E ele, sem os necessários cuidados, tanto pode morrer, repito, de forma fulminante – em decorrência, por exemplo, de alguma agressão, moral ou física, não importa – ou lentamente, desgastado pela rotina, pelo pouco caso, pelo egoísmo e por tantas e tantas e tantas outras ações e/ou omissões, das quais nos arrependemos muito tarde, quando não mais cabem arrependimentos.

Nelson Rodrigues escreve, no sexto parágrafo: “Cabe, então, a pergunta: pode-se saber quando um amor morre, ou por outra, quando o amor começa a morrer? Nem sempre são as grandes causas que liquidam o amor. Às vezes, ou quase sempre, o que decide é a soma de pequeninos motivos. Um incidente mínimo pode valer mais que um insulto grave, uma ofensa mortal. Por exemplo, um bate-boca. Eu vos digo que é no primeiro bate-boca que o sentimento amoroso começa a morrer”!. E não é? Basta observar o que acontece ao nosso redor (ou conosco, o que é muito pior).

Nelson Rodrigues explica isso melhor, no final do oitavo parágrafo: “Todos os fracassos matrimoniais vêm da soma – repito – da soma de todos os ‘não chateia’, de todos os ‘não amole’, que vamos largando pela vida. A mulher que é simplesmente chamada de ‘chata’ teria preferido uma ofensa mais grave e mais brutal”. Essa é uma das descrições da morte lenta, diria agônica, de um amor. Achamos que se trata de um detalhe tão pequeno que não nos passa pela cabeça que sirva de motivo para que uma pessoa deixe de amar outra ou para a separação. Mas... serve sim!

Cabe, aqui, um parágrafo sobressalente, à guisa de esclarecimento. O amor não é um sentimento isolado, único, mas é um conjunto de sensações e emoções (não raro contraditórias) que nos toma por inteiro e preenche todo o nosso tempo, às vezes nossa vida inteira. Pode até acabar, como vimos (e de morte natural ou provocada por uma ou por ambas as partes), mas sempre haverá de nos deixar profundas marcas, em que se misturam saudade e despeito.

Supera as limitações do tempo, não tem passado ou futuro e é eterno presente, mesmo que sobreviva só na recordação. Paradoxal, nos proporciona o máximo do prazer e os mais intensos sofrimentos, conforme as circunstâncias. É a feliz união entre emoção e razão, o concreto e o abstrato, o instintivo e o racional. É, simultaneamente, egoísmo e altruísmo, posse e doação, carne e espírito. O jornalista e escritor Marcello Rollemberg define-o de uma forma pitoresca e ao mesmo tempo, poética. Escreve: “Amar é um eterno cerzir de emoções e busco meus fantasmas para flertar com o passado”.

Faço uma ressalva para os que não me conhecem e estão lendo texto meu pela primeira vez. Detesto temas mórbidos. Raramente escrevo sobre a morte. Sei que este é o destino inexorável de todos os seres vivos, mas não vejo poesia e nenhum encanto nela, ao contrário de uma infinidade de escritores que se compraz em trazer o assunto à baila. Quase todos os poetas tratam desse tema. Eu, todavia, fujo dele. Busco, isto sim, exaltar essa coisa rara e preciosa, que é a vida. Dos mais de mil poemas que compus, em apenas três (notem bem, três) falo da morte, e assim mesmo incidentalmente.

Voltando à afirmação de Rollemberg, de que “amar é um eterno cerzir de emoções”, sem discordar dele, ouso afirmar que é mais seguro não deixar que esse fragílimo tecido afetivo se esgarce e até rasgue, para não ser preciso cerzi-lo. Mas... voltemos a Nelson Rodrigues que tem mais a nos ensinar do que eu. Atentemos para estas observações de um homem sábio, feitas em seus derradeiros instantes de vida, que concluiu dessa maneira a citada e magnífica crônica “Amor que morre”: “Devemos reservar o melhor de nós mesmos, de nossa delicadeza, de nossa cerimônia, de nosso charme, para a mais secreta intimidade do lar. É menos grave chamar de ‘chato’ um embaixador, um ministro, do que o namorado, a noiva, a esposa, o marido. Se respeitássemos o nosso amor, não seríamos tão solitários e tão malqueridos”. Atentem com toda a atenção para isso!!!!

Boa leitura.

O Editor.

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2 comentários:

  1. Geralmente as pessoas que escrevem sobre o amor, falam nele como experiência própria, quando estão amando, ou quando estão no desespero do abandono. O amor na teoria, como estamos lendo aqui, não é tão frequente. Será que depois da leitura saberemos impedir que o amor morra? Ou pelo menos conseguiremos amar?

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  2. Já dizia Che Guevara:

    " Todos os dias é preciso
    lutar para que o amor
    pela humanidade se manifeste
    em fatos concretos
    que sirvam de exemplos e
    que sejam mobilizadores"

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