terça-feira, 19 de outubro de 2010




Sônia Rainho: uma guerreira

* Por Risomar Fasanaro



Pergunto-me constantemente se é possível ser duro, sem perder a ternura jamais, como pregou Che Guevara e, sendo-se mulher, ser uma guerreira sem deixar de ser terna, meiga, feminina, e, ainda assim, impor seus princípios, lutar por seus sonhos sem prejudicar ninguém, sem agredir ninguém, sem elevar a voz.




Ser capaz de vencer os obstáculos usando a não-violência. Pergunto-me se, no mundo atual em que os meios de comunicação retratam imagens tão negativas da mulher, ainda é possível nos manter fiéis à nossa natureza. Se é possível nos manter éticas em todas as situações, em todas as relações.


E cheguei à conclusão que sim. É possível, e eu encontrei uma mulher capaz de lutar por um mundo melhor sem usar armas , sem violência, sem agressividade. E vive aqui, na região norte da cidade de Osasco. Uma mulher simples, não muito alta, e que é uma verdadeira pacifista: Sônia Rainho.




Só os verdadeiros líderes conseguem lutar por justiça, lutar pelos de baixo mantendo o equilíbrio, a calma, jamais se utilizar de violência.


Sônia é uma guerreira. Uma guerreira no dia a dia: na luta por luz, água, esgoto, creches, quando nada disso havia nas regiões mais pobres desta cidade. E se existe uma ponte a separar os ricos dos pobres, os poderosos dos indefesos, ela nunca teve dúvidas, sempre soube de que lado da ponte deveria estar.




Temos a mania de acreditar que tudo que queremos e que nos tornará felizes se encontra distante de nós no tempo ou no espaço e a verdade é que, muitas vezes, (na maioria das vezes) o que buscamos se encontra ao nosso lado, nós é que não nos damos conta. Aconteceu isso comigo. E agora reparo meu erro.


Uma mulher suave, cheia de ternura em todos os gestos; que sempre encontra uma palavra de carinho, de apoio, para todos que a rodeiam, mas que não perde de vista seus objetivos. Que vê o futuro com esperança e, por isso mesmo, não abre mão dos seus sonhos.




Sendo a mais velha da família, ajudou a criar os vinte irmãos. Tornou-se bóia-fria. Trabalhou cortando cana, colhendo algodão, feijão e arroz no interior de S.Paulo e do Paraná. Muitas vezes carregou sacas de 25 quilos de algodão, mas isso não a impediu de estudar e de se inteirar dos problemas sociais o que a levou, muito cedo, a participar das reivindicações do seu bairro e mais tarde, da sua cidade e do seu país.


Uma guerreira que acompanha nossa história desde os anos sessenta. Em todos os movimentos em defesa dos injustiçados, esteve na liderança. Foi pioneira na criação de grupos de discussão sobre os problemas da mulher, quando mal se falava em feminismo.




Líder do movimento pela Anistia aos perseguidos e exilados políticos, vítimas da ditadura militar, entre eles dois líderes do movimento estudantil daqui de Osasco: Roque Aparecido da Silva e Roberto Espinosa. Fez parte do movimento Contra a Carestia; da luta pela implantação de Creches; pela implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente; do movimento em defesa dos Direitos Humanos e da campanha pela Constituinte.


No movimento por moradia popular há mais de vinte anos, sob sua liderança foram implantados nove núcleos residenciais na região, sendo sete em Osasco e dois em Carapicuíba, e ainda há dois em fase de implantação em Jandira e Itapevi. Detalhe: são moradias construídas com material de primeira qualidade, o que é raro nesses projetos.


Fico olhando esta mulher de olhos claros e serenos, ouvindo sua história, e me dou conta de que nunca a vi irritada, mal humorada. Alguém se lembra de quando a polícia invadiu sua casa e um dos soldados pisava no seu pé, agredindo-a. Nem naquela ocasião ela se alterou. E outra me conta: “Às vezes se irrita, mas não fala alto, nem ofende ninguém. Ela é sempre assim, calma, tranqüila.”

Quantas vezes procuramos em outros países exemplos de pessoas que dedicaram a vida em prol dos outros. Não precisamos disso. Muitos estão aqui ao nosso lado. Só me resta aqui relembrar Guimarães Rosa em “Grande Sertão: veredas”: “estamos próximos do que é nosso por direito, mas não sabemos, não sabemos, não sabemos...”


* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.

Um comentário:

  1. E por ser mais cômodo muitas vezes nem procuramos
    saber.
    Salve Sônia que deveria ter por sobrenome Guerreira.
    Exemplos de força e atuação como as dela deviam
    se tornar referências.
    Beijos Riso

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