quinta-feira, 28 de outubro de 2010


Só um pouquinho de atenção

Boa parte dos problemas que afligem uma quantidade imensa de pessoas mundo afora, tão grande que se torna impossível de quantificar, mas que ascende a alguns bilhões, é a sensação onipresente de solidão. É a falta de compreensão alheia e a imensa dificuldade humana de comunicação. Vocês talvez tenham estranhado essa afirmação. Pois é isso mesmo o que ocorre com enjoativa freqüência. Basta observar atentamente. Raros não se sentem sozinhos e o tempo todo.

Reitero o que escrevi em inúmeros artigos e ensaios que, “se sentir só” é não apenas estar em um lugar isolado, em que não haja ninguém. Posso sentir-me assim (e geralmente eu e praticamente todo o mundo se sente) em meio a grandes multidões. A verdadeira solidão, a que dói demais e deixa profundas marcas psicológicas e afetivas, é a caracterizada ou pela ausência ou pela deficiência de contatos efetivos entre pessoas. É, pois, como afirmei, uma falha (se não falta) de comunicação.

Concordo com Milan Kundera quando escreve em seu “O livro do riso e do esquecimento”: “Toda a vida do homem entre seus semelhantes nada mais é do que um combate para se apossar do ouvido do outro”. Observe-se que o escritor checo não quis referir-se, aqui, especificamente, ao órgão auditivo. Quis dizer que nos empenhamos a todo o momento para obter e conservar a “atenção alheia”, e quanto mais, melhor. Até porque, os “desabafos” não ocorrem, somente, por via oral, mas também por textos (e hoje, com o advento da informática e da internet, mais do que nunca. Recebo, diariamente, dezenas de emails de pessoas expondo suas angústias e dificuldades. Não lhes nego atenção. Só lhes peço que não queiram conselhos meus, pois não sei o que lhes dizer).

Notem, por exemplo, o que ocorre em uma conversa informal qualquer. São raros os participantes desses papos, por mais descontraídos que sejam, que se dispõem a apenas ouvir. Todos querem falar (não importa o que), muitas vezes ao mesmo tempo. Quem mais ouve, calado (ou que assim pareça), passa a ser o personagem principal, o interlocutor mais requisitado nesses papos. Como se vê, “todos batalham, e o tempo todo, para se apossar dos nossos ouvidos”. Pôr para fora problemas, temores e mágoas é importante, importantíssimo. E ouvi-los? Também considero que seja.

Gosto de ouvir as pessoas. Daí, certamente, contar com certo grau de popularidade nas tais rodas de amigos. Faço isso, todavia, é bom que se esclareça, não por generosidade, mas pelo contrário, por motivos, digamos, bastante egoísticos. Aprendo demais sobre o comportamento, as neuroses, os terrores e os anseios de um monte de gente ouvindo o que esse pessoal tem a dizer. E como escritor, esse aprendizado é precioso e essencial, porquanto (óbvio) escrevo sobre pessoas, para outras pessoas lerem.

Cheguei à conclusão que o melhor que podemos fazer, em favor de quem precisa de ajuda, não é, por exemplo, lhe dar dinheiro para adquirir bens, nem comida para alimentá-lo, muito menos roupa para vesti-lo ou um teto para abrigá-lo. Podemos e devemos fazer isso emergencialmente. No longo prazo, todavia, a verdadeira generosidade consiste em ensinar essa pessoa a obter tudo o que precisa, mas com os próprios recursos. Trata-se da velha máxima de, em vez de dar um peixe ao faminto, ensiná-lo a pescar. Dessa maneira, não saciará a fome só uma vez, mas sempre que a tiver. Também concluí que ouvindo, atento, seus desabafos, por mais longos, monótonos e incoerentes que sejam, presto-lhe imensa ajuda, mesmo que não lhe diga uma única palavra. Acabo, nesses casos, fazendo as vezes de um psicanalista.

Carlos Bernardo González Pecotche, “pai” da Logosofia, observa: “A maior obra de caridade se constitui em estender a compreensão básica do que cada homem pode fazer em seu próprio benefício”. Ou seja, devemos ajudar o desvalido a se ajudar, mesmo que à sua revelia. Por comodismo, ele vai resistir a essa tentativa. É mais fácil pedir! Devemos, no entanto, ser inteligentes e persuasivos o suficiente para convencê-lo de que esse é o único caminho para a sua redenção e progresso. Isso quando se dispõe a ouvir-nos. Se não se dispuser, não nos custará muito disponibilizar-lhe nossos ouvidos.

Há pessoas cuja simples presença ilumina o ambiente em que se encontram, traz alegria ao nosso coração e nos leva a esquecer problemas, mágoas e preocupações. São as que têm o dom de encarar a vida sob um prisma positivo. E, mais do que isso, de nos convencer que nossos sofrimentos não são tão profundos como achamos e que nossas alegrias são maiores do que de fato são. Têm carisma, magia, e o dom da empatia. Partilham pensamentos e sentimentos nobres. Tentemos ser assim. Basta querer. Quando falarmos, evitemos de ser derrotistas, com pensamentos e sentimentos negativos.

Há pessoas que vivem, o tempo todo, a se lamentar. Encontram defeitos reais ou imaginários em tudo e em todos. Contagiam-nos com seu pessimismo e fazem com que fujamos da sua companhia, desagradável e negativa. Ainda assim, sejamos generosos. “Emprestemos-lhes” nossos ouvidos, para que elas ponham para fora tudo o que as amedronta, deprime e infelicita. Sejamos, em nossa conduta diária, na medida do possível, os que iluminam o caminho e consolam quem necessite de consolo. Façamos como o poeta Paul Claudel expressa num magnífico poema: “Que todos os que se aproximarem de mim tenham vontade de cantar, esquecendo as amarguras da vida”. Ofertemos ao próximo aquilo que para ele pode ser o bem mais precioso e que mais necessite: um pouquinho que seja da nossa atenção.

Boa leitura.

O Editor.

Um comentário:

  1. Os solitários somos todos nós. A pior solidão não é estar sentindo-se isolado numa multidão, mas estar com alguém que não se interessa pelas nossas miudezas existenciais. Aceitar, compreender através do escutar é a melhor maneira de ajudar alguém. Muitos não querem contatos com falsos psicólogos,(impostores), mas boa parte gosta de ser ouvido e ouvir sugestões pseudopsicológicas. Com o tempo e a experiência, podemos dar muitos caminhos aos aflitos, que saem da conversa muito melhor do que entraram.

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