sexta-feira, 27 de agosto de 2010




A cegueira da visão

* Por Rodrigo Ramazzini

Sala de uma casa. Todas as luzes desligadas. Apenas a oscilante luminosidade emitida pela televisão iluminava o ambiente. Sentados lado a lado no sofá estavam dois irmãos. Um assistia ao programa eleitoral na TV. Seu nome é Washington. O outro somente escutava, pois é deficiente visual. Cego mesmo. Zero de visão. Chama-se Marcelo, mas é conhecido como Zen. Degustavam uma pipoca de micro-ondas. O pote com o milho estourado estava entre a dupla. É noite. O cachorro do vizinho latia lá fora e um vento frio soprava levantando as folhas caídas das árvores.

Fora os candidatos proferirem numerosos compromissos se eleitos na televisão e o estalar da pipoca entre os dentes, o silêncio era total na sala há cerca de 20 minutos, foi quando Washington exclamou:

- Muito bom, cara!
- Muito bom, o quê?, questionou Marcelo.
- As promessas desse candidato, Zen! Não escutaste?
- Escutei, sim!
- Direito a aposentadoria aos 45 anos, com um complemento do governo de R$ 500 se sair do mercado de trabalho... Boa, né?
- Urún!
- Essa de passar o salário mínimo para R$ 3 mil... Bah! Que sonho, cara! Já imaginou eu ganhando três paus por mês? Não tinha “guria” pobre! Há! Há!Há!
- É...
- A promessa de colocar um policial militar para cada cem cidadãos é muito boa também! Com essa insegurança de hoje em dia... Faz falta mesmo!
- Pois é...
- O velho Brizola deve estar se revirando no túmulo, mas acho que finalmente as escolas em turno integral que ele idealizava irão sair do papel...
- Se vão...
- Esse candidato tem cara que cumpre o que promete!
- Oooh, se tem!
- Esse compromisso de implantar um posto de saúde em cada esquina da cidade e um hospital para cada 200 mil habitantes é ótimo! Não achaste?
- Bom...
- Ontem mesmo, tinha uma fila enorme de pessoas para serem atendidas no posto daqui...
- Pois é...
- Essa troca de tempo repentina, também, não ajuda. Ninguém tem saúde para tanta variação no clima...
- Esse tempo sem-vergonha mesmo...
- Gostei, também, da promessa de terminar essas obras inacabadas da região... Acho que, se eleito, com esse as coisas irão andar... O que achas?
- É...
- Admiro quando o cara se compromete publicamente, como fez esse candidato em ajudar a agricultura, o meio ambiente, com a geração de empregos... Enfim, é isso que precisamos!
- Admirável!
- Acabei de me decidir depois de ouvir essas promessas: vou votar nesse candidato! O que achaste dele, Zen?

Então, Zen, justificando o apelido, após ouvir atentamente o entusiasmo do irmão com as promessas do candidato, com calma e sabedoria, mastigou uma pipoca e questionou, em um tom irônico:

- Muito boas as promessas, mas acho que perdi essa parte. Por acaso, o candidato disse como vai fazer tudo isso depois de eleito?

• Jornalista

2 comentários:

  1. Já discuti inúmeras vezes por causa de eleições.
    às vezes me obrigo a ouvir as propostas dos candidatos.
    Aí me lembrei do Tiririca que diz o seguinte:
    _ Vote em Tiririca, pior do que tá não fica.
    Ele mal fala, mal promete e assume que não sabe o que um deputado faz...
    E nós diante disso? Como ficamos?
    Ótimo texto.
    Abração

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  2. A fala é livre, assim como nossos ouvidos onde entram toda espécie de lixo. Mas não votamos com falas e nem com lixo. Somos ingênuos, mas não tão burros. Nada acontece sem verba, nem mesmo a eleição desses políticos vazios. Desconfio ainda mais daqueles que prometem reduzir os impostos e fazer tudo isso citado no diálogo acima. Aí já é zombar demais da nossa capacidade de discernimento.

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