quinta-feira, 17 de junho de 2010


Fugindo do bicho papão

Caríssimos leitores, boa tarde.

A Copa do Mundo de 1954, disputada na Suíça, entre 16 de junho e 4 de julho, antes mesmo de ser iniciada, apresentava uma favorita disparada, uma espécie de bicho papão, de quem todos queriam distância, que era a Seleção da Hungria, uma das melhores de todos os tempos. Todavia – e isso não é segredo para ninguém – essa máquina de triturar adversários não foi a campeã daquele ano e de nenhum outro. Igualou-se, nesse aspecto, por exemplo, à Holanda de vinte anos depois, a tal “Laranja Mecânica” de 1974. Acabou derrotada pela “zebra” alemã (o que, coincidentemente também aconteceu com os holandeses), à qual havia massacrado, na fase de classificação, por 8 a 3.
Futebol tem dessas coisas. Os húngaros sentiram, na carne, coisa parecida com o que os brasileiros haviam sentido em 1950, frente ao Uruguai, posto que com menos dramaticidade do que a derrota do Brasil.
Acompanhei esse Mundial fora de casa, no primeiro dos três internatos pelos quais passei em minha vida. A exemplo da competição de quatro anos antes, ouvi os jogos dessa também pelo rádio, pela Bandeirantes de São Paulo, que encabeçava a famosa “Cadeia Verde e Amarela”, na voz vibrante e característica do locutor Edson Leite.
O período de disputa da Copa coincidia com o do início das férias escolares. Nos anos anteriores, eu havia ido para casa nessa época. Contudo, em 1954, não fui. Não sei explicar por qual razão. Talvez meu pai quisesse me punir pelo meu mau comportamento, notadamente em sala de aula. Eu era o “cabeça” da turma da bagunça. Não posso garantir que tenha sido isso, mas tudo leva a crer que foi.
O internato, a essa altura, estava vazio, com um ou outro gato pingado que por alguma razão não pôde ir para casa, além dos funcionários da instituição. A disciplina ficava afrouxada e, pelo menos, podia-se respirar. Nessa ocasião, eu estava com onze anos e meio.
O futebol já havia entrado em meu sangue para nunca mais sair. A essa altura, eu torcia para um clube que, embora ainda exista, há muito extinguiu o futebol profissional, o Ypiranga da Capital (grafado assim mesmo, com “Y”), conhecido como “Vovô da Colina Histórica”. Foi apenas após a extinção desse time que comecei a torcer pela Ponte Preta de Campinas, paixão essa que já passa de meio século.
A Fifa aceitou 38 inscrições para essa Copa, a primeira a ser disputada na Europa do pós-guerra, que vivia a difícil fase da reconstrução. Estabeleceu, pois, torneios eliminatórios para determinar os 14 melhores, que se juntariam ao país anfitrião, a Suíça, e ao Uruguai, o campeão anterior, para a formação de quatro grupos, com quatro integrantes cada.
Após apurados os competidores, já valendo pelo Mundial, jogariam, em seus respectivos grupos, todos contra todos, classificando-se os dois melhores de cada um deles para a etapa do mata-mata. Eles já iam diretamente para as quartas-de-finais.
Nessa fase, não poderiam haver empates. Caso acontecessem, haveria prorrogações para apurar um vencedor. A fórmula de disputa, portanto, era rigorosamente a mesma adotada neste ano na África do Sul. A diferença é que agora participam 32 seleções, divididas em oito grupos de quatro e então eram apenas 16.
Nas eliminatórias do Grupo 12, da América do Sul, disputadas em fevereiro e março de 1954, o Brasil teria pela frente Paraguai e Chile, em jogos de ida e volta. A Argentina, a exemplo do que fizera em 1950, sequer se inscreveu, bem como Peru e Bolívia. Colômbia, Equador e Venezuela nem cogitavam de disputar um Mundial. E o Uruguai, reitero, estava automaticamente classificado, como o último campeão.
O Brasil venceu duas vezes o Chile (2 a 0 em 28 de fevereiro em Santiago e 1 a 0 em 14 de março no Maracanã) e duas vezes o Paraguai (1 a 0 em 7 de março em Assunção e 4 a 1 em 21 de março no Rio) carimbando, assim, seu passaporte para a Suíça.
Apesar de termos boa seleção, com apenas seis remanescentes de 1950 (Bauer, Ely, Castilho, Nilton Santos, Baltazar e Rodrigues), a imprensa, “vacinada” com o que havia ocorrido quatro anos antes, se mostrava entre cética e esperançosa.
Dizia-se que se o Brasil não cruzasse com a Hungria e caso essa tropeçasse pelo caminho, teria alguma chance. Caso contrário... Mas foi o que (infelizmente) aconteceu. Tombamos frente aos húngaros nas quartas-de-finais, com uma arbitragem no mínimo contestável do inglês Mister Arthur Ellis, que por anos permaneceu na boca do torcedor brasileiro como sinônimo de “ladrão”.
Mas... não vamos nos precipitar. Contemos essa história melhor e sem pressa. Nesse ano, o técnico escolhido foi um ex-goleiro, Alfredo Moreira Junior, ou Zezé Moreira, que em 1952 havia conseguido a façanha de ganhar o primeiro título brasileiro no exterior, o Panamericano do Chile, com direito, inclusive, de derrotar os uruguaios por 4 a 2.
Para impedir que o bairrismo atrapalhasse nossa performance, o treinador convocou exatamente 11 paulistas e 11 cariocas. Naquele tempo, eram permitidas, apenas, 22 inscrições.
A Copa da Suíça seria a primeira em que o Brasil utilizaria a agora tradicional camisa amarela. Os locutores aproveitaram a deixa para passarem a chamar a equipe de “seleção canarinho” e o apelido logo pegou. Estava na cara que pegaria. O desastre do Maracanã, de 1950, levou a então CBD a aposentar de vez o uniforme inteiramente branco, que nunca mais voltaria a ser utilizado. Será que na Copa de 2014 alguém terá coragem de resgatá-lo? Duvido!

Boa leitura.

O Editor.

Um comentário:

  1. Dos jogadores citados, apenas me lembro que meu pai falava muito de Nilton Santos.

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