quinta-feira, 24 de junho de 2010




Agora ajoelha e reza!

* Por Fernando Yanmar Narciso



Gente engravatada nunca faz coisa boa. A vida me ensinou a ser vacinado contra ‘fala mansa’, a arma fatal de todo autointitulado religioso. Sempre que aparece alguém à minha porta com aquela voz serena, apaziguadora, e não tiver cara de hippie nem de surfista, logo corto conversa.
Dada vez, quando eu tinha 14 anos, eu e nossa empregada estávamos em casa à tarde, ela com muito que fazer, eu sem absolutamente nada. Certas coisas nunca mudam...
Num momento o interfone tocou. Como é de meu costume, tentei dar uma espiadinha pelo vidro da porta, pra sacar o estilo do “visitante” antes de atender. Assim que eu disse ‘oi’, o sujeitinho de camisa social branca e gravata vermelha veio com aquele tom de voz calmo patenteado por pentecostais, testemunhas de Jeová, vendedores de bíblia e padres cantores. Enquanto meus olhos rolavam rumo à testa de agonia, ele começou:
-Meu amigo, nos dias de hoje ninguém está a salvo. Todos querem assaltar você, todos querem tomar seus bens. Estamos aqui para ajudá-lo...
Pra cortar logo as asinhas de anjo dele e fazer com que guardasse sua espada sagrada na bainha, recuperei minha consciência e perguntei na chincha:
-O senhor vende cerca elétrica?
Não me lembro da resposta dele, apenas que ele foi embora gemendo feito um cachorrinho abandonado.
Outro caso: Numa manhã meu pai exercia seu maior hobby, passar flanela no carro. Um senhor já de idade, de terno alinhado, tonalidade vocal do mesmo estilo anterior e com sorriso de ator global se aproximou dele.
-Bom dia, meu senhor.
-Bom dia.
-Trago boas novas...
-Desembuche, homem! (Palavreado do meu pai, também patenteado.)
-É sobre Jesus Cristo...
-Peraí! Jesus Cristo tem 2000 anos, não existe nenhuma novidade sobre ele, não.
E mais um saiu de nossa porta com o santo rabo entre as pernas...
Mas é fato que, mesmo entre os religiosos, é unanimidade que esse tipo de mensageiro só merece nosso mais sonoro ‘não’. Por favor, me perdoem se eu estiver ofendendo alguém no decorrer do texto. Porém, eles também deveriam nos pedir desculpas. Certa vez alguém me disse “Eu vou curar seu problema com Deus.” Curar? Não sabia que ateísmo era uma doença. Como seria a “cura” por acaso? Engolir uma bíblia com um copo d’água três vezes ao dia? Tomar duas hóstias com uma taça de vinho tinto e ligar para o padre no dia seguinte?
Por que os religiosos têm essa intolerância tão grande com os não-religiosos?. Aprendam de uma vez, engravatados e ‘embatinizados’ do mundo: O fato de eu não acreditar em Deus não quer dizer que eu acredite no pé-de-bode, no tinhoso, no chifrudo, no filho da perdição, no mais profano... Aliás, já repararam como o Diabo tem apelidos?
Certas pessoas preservam uma inabalável fé em Deus, apesar de todos os fatores parecerem conspirar incansavelmente contra suas vidas. Nos anos 20, havia um cantor de blues e gospel americano chamado Blind Willie Johnson, conforme já apresentei aqui. Nunca vou compreender como, apesar de ser negro, pobre, viver no delta do Mississipi, e ainda por cima cego, ele ainda encontrava estômago pra cantar “Louvo a Deus, estou satisfeito”. SATISFEITO COM O QUÊ, CABRA? Ele curou seus olhos e te deu dinheiro, por acaso? Se o caboclo lá em cima existe, por que então ele insiste em nos forçar a provar alguma coisa? Não seria mais fácil pro Criador se Ele nos mantivesse felizes e satisfeitos desde o início?
Apenas vendedores da Herbalife e a câmera do Big Brother rivalizam com engravatados de bíblia na mão em termos de invasão de privacidade. Para eles o ateísmo é o grande mal da humanidade, e como um dente estragado ou um mioma uterino, deve ser extraído da face da Terra. Afinal, temos ou não direito à nossa liberdade? Somos pessoas livres, com direito a procurar nossa própria espiritualidade da maneira que preferirmos.
Mas para esses fanáticos, não é assim que a roda gira. As outras religiões não prestam, só a deles traz a salvação. Para eles, os outros deuses não servem para nada. Mas, peraí. Afinal, Deus não é o mesmo em todas as religiões?


* Fernando Yanmar Narciso, 26 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com

3 comentários:

  1. É sim Fernando, mas a vaidade faz com que
    cada um puxe a brasa da sardinha para o seu lado.
    Uma pena, pois assim acabam justificando
    até guerras em nome de Deus.
    Ótimo texto.
    Abração

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  2. Além de libertar as borboletas, é bom que se liberte também o pensamento. Abaixo todas as violências, especialmente a religiosa.

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  3. Gostei Fernando, apesar de tudo isso, continuamos a não sber quem é Deus. Muitas são atribuições a ele concebida. Os nossos infortúnios e suas graças são predeterminadas e ditadas. Não obstante às tantas injustiças cometidas a raça humana, como: terremoto, enchentes, guerras e grandes catástrofes... Sempre atribuímos esse poder decisório a Deus. Fazendo-nos temer em ousar em discordar. Acreditar sem ver? Esse é o verdadeiro jogo da fé!
    Abração do,
    José Calvino
    RecifeOlinda

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