quinta-feira, 27 de maio de 2010




Universos paralelos em desencanto

* Por Fernando Yanmar Narciso

Todo dia eu vivo a mesma situação. Ela olha pra mim, eu olho pra ela por minutos, até horas, vendo se conseguimos entrar num acordo, se conseguimos ser mutuamente benéficos. Mas o perrengue sempre se repete. O que fazer?

Se alma existe, a minha se revela através do papel. Não neguemos o fato. A raça humana é serva do papel. Praticamente tudo ao nosso redor é feito de ou contém papel e derivados. Você acorda, vai ao banheiro e se limpa com papel higiênico. Toma o café e limpa a boca com guardanapo. Passa horas no engarrafamento recebendo panfletos que ninguém lê e multas.

No escritório, alterna as horas de trabalho entre assinar formulários, separar papeis em ordem alfabética, reclamar com a impressora que vive comendo as folhas e ler o jornal. Na hora do almoço, joga quilos de papelão no lixo do shopping. Chega em casa, apanha a correspondência e 90% dela são propagandas e ofertas que você não quer nem de graça. Isso sem falar em todo o dinheiro que ganhamos e perdemos ao longo do dia em forma de notas, talões de cheque, bilhetes de loteria... Se alienígenas invadissem o planeta a fim de falar com nossos líderes, acabariam proseando com revistas na banca, pensando que os papéis são os grandes ditadores.

Em toda a minha vida, os únicos amigos com quem eu posso contar são os papéis. Se for branco e achatado, lá estou eu em cima dele. Desenhando, escrevendo, fazendo dobraduras, sonhando, enfim, dando asas à imaginação. O papel é meu melhor amigo, mas também o que mais me faz sofrer. Desde criança, quando eu grampeava várias folhas juntas e enchia de rabiscos ininteligíveis, me condicionei a acreditar que o papel seria o meio pelo qual construiria minha carreira. Assim que compramos o primeiro computador, lá em 2000, não tardou até que eu forçasse meus pais a comprar um scanner. Foi o primeiro passo para ficar conhecido fora de casa, numa forma de mídia ainda ingênua e, até aquele momento, um tipo de “social club” a que poucos tinham acesso ainda.

Meus primeiros desenhos foram descobertos pela manga-ká Denise Akemi, que os disponibilizava em seu site. Através dele, fiquei conhecendo o grupo de discussão Manga-ká Brasil, uma forma muito popular de trocar idéias naqueles tempos, sem MSN e com poucos fóruns de discussão disponíveis. Infelizmente, procrastinação é um de meus piores defeitos. Era de se esperar que, depois de desenhar bastante, eu começasse a fazer minhas próprias histórias em quadrinhos, mas sou um sujeito tão exigente quanto medroso. Ainda não me considero com rigor técnico o suficiente pra criar cenas de ação. Desde que comecei a desenhar, nunca treinei desenhar trivialidades como móveis, natureza, cenários... Também, com tantos personagens em minha mente, pra que eu ia querer aprender a desenhar uma cadeira? Quando me dá o temível “branco”, com o qual todo artista sempre se depara, sei lá. Eu fico meio desorientado no mundo real. Fico me achando ainda mais inútil que o habitual.

Apenas há seis anos, resolvi me aventurar no ramo da literatura. Antes de escrever esses ensaios que ninguém comenta, eu sou um escritor de histórias de ação que ninguém comenta também. Sou apaixonado por filmes de ficção científica, seriados de ação japoneses e animes. Já criei centenas de personagens, várias séries e desenhei muito, mas nunca consegui levar uma única série ao final. O único motivo pra isso é a eterna falta de feedback. Talvez por minhas séries fugirem completamente do que quase todos os meus colegas “fanfiqueiros” fazem geralmente – A.K.A. plágios descarados das séries japonesas que estão atualmente no ar, e por criar histórias talvez um pouco rebuscadas demais, eu não receba o reconhecimento que julgo merecer. Quem escreve, sabe que sem o apoio dos fãs e sem as opiniões deles sobre seu trabalho, fica difícil sentir-se motivado para terminar uma saga. Afinal, sabemos que sabemos escrever, mas queremos receber das outras pessoas um retorno, e ver se também compartilham desse sentimento.

Tenho o sonho de fazer das minhas idéias um pé-de-meia, desde que percebi que não teria futuro nas áreas óbvias em que todo homem se mete, como futebol e indústria pornô. Já pensei, sonhei, idealizei, escrevi, desenhei tanta coisa, mas parece que quanto mais eu preencho espaços em branco, mais vazio eu me sinto.

* Fernando Yanmar Narciso, 26 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com

3 comentários:

  1. O seu desencanto é proporcional ao meu encantamento de ler o quanto você se comunica bem pelas letras e no caso, pela tela, e não pelo papel. Que alguém o descubra logo!

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  2. Acho que te entendo Fernando, esses dias
    cacei pela casa um monte de papéis rabiscados,cheios de pequenas poesias, umas inteiras, outras pela metade.
    Aqui em casa ninguém as lê...acredita nisso?
    Tudo bem, não é todo mundo que gosta de poesias.
    Seria um bom motivo para eu desistir do lápis e dos pedacinhos de papel? Talvez...
    Mas não pra mim, faço delas minhas companheiras e já consigo dividi-las sem sentir dor.
    O vazio que tu sentes é normal, a cada texto ou poesia concluída.
    Mas se este é o seu caminho, não desvie cara, siga em frente.
    Abraços

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  3. Fernando, gostei muito do seu texto, muito espontâneo! Espero que você siga em frente e que mais pessoas descubram seus talentos! Abraço!

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