domingo, 30 de maio de 2010




Recompensa ou fim?

* Por Pedro J. Bondaczuk

A palavra felicidade, junto com outros tantos conceitos ambíguos, como amor, esperança, fé etc.etc.etc. é uma das mais abordadas por poetas, romancistas, dramaturgos, psicólogos e filósofos de todos os tempos e das menos compreendidas. Há pessoas que são absolutamente felizes por nada e outras, por seu turno, têm tudo o que alguém possa aspirar e são “poços” de infelicidade. Por que?

Antoine de Saint-Exupéry, por exemplo, considera que a felicidade seja “recompensa” e não “fim”. Discordo. Entendo que ela seja uma predisposição, uma condição espiritual favorável, um estado de satisfação íntima que não depende de nada e ninguém para se instalar em nossas vidas.

Para sermos felizes, temos de “querer” sê-lo, mas com a máxima intensidade, de coração e alma abertos, sem atentar para o que somos, o que temos e com quem estamos. Claro que não sou o dono da verdade e posso, perfeitamente, estar equivocado a respeito. Escrevo, porém, com base, exclusivamente, na minha experiência pessoal e asseguro que, na maior parte do tempo, sou feliz! Por que? Porque quero!

É possível tratarmos da felicidade, cultivarmos esse estado de espírito, esta predisposição positiva face à vida, como uma planta delicada, para que sempre permaneça viçosa e florida? Entendo que sim! Não só podemos, como devemos cultivá-la, tratá-la, adubá-la com o adubo do afeto, do amor e das amizades e borrifá-la com o defensivo da fé, da esperança e da alegria, para que as ervas daninhas da inveja, do rancor, do desespero e de tantos e tantos outros nefastos, mas evitáveis, parasitas, não a sufoquem e lhe tirem o viço.

Vinicius de Moraes, nos versos finais do clássico “A felicidade”, trilha sonora do filme “Orfeu no Carnaval” (com melodia de Luís Bonfá), diz: “A felicidade é uma coisa boa/e tão delicada também,/tem flores e amores/de todas as cores,/tem ninhos de passarinhos/tudo de bom ela tem/e é por ela ser assim tão delicada/que eu trato dela sempre muito bem”. Até porque, o início dessa canção soa como advertência: “Tristeza não tem fim/felicidade sim”. Evitemos que ela se acabe.

Nunca deixemos as portas da alma entreabertas, ou seja, nem abertas por completo e nem fechadas de vez. Esse é o caminho das meias-verdades – que são piores que as mentiras explícitas por causa da sua verossimilhança – e da insensatez, que nos conduz ao erro e à infelicidade.

Escancaremos, sim, as portas do nosso entendimento à verdade, à felicidade, ao amor, às amizades, à alegria, ao bom-humor e à solidariedade, entre outros tantos sentimentos bons. E tranquemo-las a sete chaves – se possível com o reforço de um ferrolho – à inveja, intriga, rancor, violência, egoísmo e aos demais venenos da alma. Mas nunca, em circunstância alguma, as deixemos apenas entreabertas.

Tudo o que se faz na vida gera algum efeito. Nada, absolutamente nada passa incólume. Às vezes, é verdade, os atos são imperceptíveis e ficam assim para sempre. O efeito gerado é ínfimo e quem os praticou se conforma em não ser identificado. Às vezes, as ações tardam a ser percebidas e o autor, igualmente, permanece incógnito.

Às vezes, a percepção é imediata, mas as conseqüências é que são imperceptíveis. E às vezes, os atos (bons ou ruins) são percebidos de imediato e premiados ou punidos, de acordo com sua natureza, sem tardança. Mas tudo, absolutamente tudo o que se faz na vida gera algum efeito.

São os rastros, as marcas, os vestígios de nossa existência que deixamos nos caminhos do tempo. Cecília Meirelles ilustra essa situação de forma lírica e bela, com estes versos que encerram o poema “4º motivo da rosa”, e com os quais encerro, também, essa nossa periódica conversa: “Eu deixo aroma até nos meus espinhos/ ao longe o vento, o vento vai falando de mim// E por perder-me é que vão me lembrando,/por desfolhar-me é que não tenho fim”.

Desfolho-me, em cada lugar que passo, deixando um pouco de mim. Busco espalhar perfume no caminho que trilho, na tentativa de ser lembrado com carinho pelos que comigo conviveram ou que, ao menos, me conheceram. Tento, sobretudo, semear exemplos de conduta e motivar as pessoas na conquista e manutenção da felicidade. Como Cecília Meirelles, “por desfolhar-me é que não tenho fim”.

*Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas), com lançamentos previstos para os próximos dois meses. Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com

2 comentários:

  1. Que lindo texto Pedro e apesar de estar
    vivendo momentos preocupantes, compartilho
    de seus ideais.
    Beijos

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  2. Muito belo, e me faz lembrar também um outro poema de Cecília Meireles em que ela fala que por ser podada é que volta inteira, em cada primavera. Também concordo de que a felicidade seja um estado de espírito, uma maneira de pensar e sentir. Pode ser intensificada quando vão acontecendo fatos favoráveis, porém, ficamos a cada dia mais longe dela quando colocamos nas mãos de alguém a possibilidade de sermos felizes.

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