quarta-feira, 26 de maio de 2010




Jean Rouch para todos

* Por Marco Albertim

A Mostra Jean Rouch de Cinema é indício de que o setor oficial de cultura, enfim, sinaliza para a difusão de grandes obras. No caso, é indício porque Rouch não é conhecido no país, nunca entrou no circuito nacional; mas um forte indício porque o cineasta francês é um titã do registro etnográfico. O criador da antropologia visual influenciou o Cinema Novo. Herdeiro de Dziga Vertov, de Robert Flaherty, recusou o conceito de Cinema Direto, do russo, transmutando-o em Cinema Verdade; sem nunca diminuir a importância do “kino pravda.” Rouch gravou e dirigiu 120 documentários interativos. A regra de não olhar para a câmara, um dogma para os autores do Cinema Direto, foi ignorada por ele. N’Os mestres loucos, ele reflete a influência do colonialismo inglês na rotina dos negros de Gana. Trabalhadores vindos a Accra se juntam para a grande cerimônia anual. Babam, tremem as mãos, têm a respiração curta, dão sinais da chegada dos deuses da força, personificando o domínio colonial. Em cada um, o capataz, o governador, o médico, a mulher do capitão, o general, o condutor de locomotiva. A cerimônia chega ao auge com o sacrifício de um cachorro que será comido pelos possuídos. Dia seguinte, voltam ao trabalho com fisionomias refeitas, nenhum sobressalto com a lembrança do rito quase canibal. Marcel Griaulle, etnógrafo e colaborador de Rouch, pede que destrua o filme por ser “cientificamente incorreto.”

Apaixonado pelo fenômeno da migração, Rouch a aborda em Eu, um negro. Três jovens migram do Niger para Ghana. Vivem na periferia de Abdjan. A riqueza de dados etnográficos está na crítica à destruição cultural da colonização francesa, e as desordens da descolonização.

A influência do Cinema Direto mostra-se quando ele utiliza os recém criados aparelhos de captação de som direto Nagra, e de câmaras leves. Foi em 1960, com a ajuda do sociólogo Edgar Morim, quando filmou Crônica de um verão. Mostrando o comportamento e as opiniões de moradores de Paris, inaugura o Cinema Verdade.

Em Di Cavalcanti Di Glauber, o cineasta baiano mostra-se seguidor das idéias de Rouch. A primeira cena do filme mostra o caminho que a equipe de filmagem percorre para chegar ao Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; expõe, portanto, os procedimentos para a realização do filme. São características próprias do Cinema Verdade, como a câmara na mão, o som direto como meio narrativo, o diretor diante da câmara interferindo no filme. É uma performance, como toda a obra de Jean Rouch. Outro cineasta que absorve os ensinamentos de Rouch é o documentarista Eduardo Coutinho. Em Cabra marcado pra morrer o diretor interage com o objeto da câmara.

A mostra Jean Rouch de Cinema está percorrendo as principais capitais. Trinta e dois filmes foram exibidos. O público, predominantemente de estudantes... Tem o apoio do Ministério da Cultura e da Fundação Joaquim Nabuco.

* Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.

Um comentário:

  1. Estou estudando "Cinema direção e arte", e de certa forma documentários. Vamos analisar "Deus e o Diabo na Terra do Sol", e gostei muito da sua análise, didática, esclarecedora e estimulante. Muito bem.

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