quarta-feira, 19 de maio de 2010




Avassaladora

* Por Sayonara Lino

Aguardou com ansiedade a segunda-feira chegar. Pela manhã, caminhou ao redor da praça várias vezes, o que lhe trouxe um certo alívio. Onze horas. Olhou para a casa da esquina. Construção nova, ou melhor, a velha casa havia sido reformada. Entrou, cumprimentou o atendente e esperou. Sabe-se lá quanto tempo. Folheou as revistas que ficavam na mesa de canto. Concentração zero.

A terapeuta chegou. Cumprimentaram-se com dois beijos na face. Mais um instante. Pronto. A sala era aconchegante, o teto adornado. Divã verde. Preferiu a poltrona, melhor assim.

Começou a falar, a contar sua vida, trajetória, inquietações, alegrias, preocupações. Aquela mulher guardada, ali, era outra. Falava com firmeza, descrevia tudo em detalhes: devaneios, desejos, emoções reprimidas. Pedra de gelo coisa nenhuma. Uma brasa. Incandescente. Entrou em erupção. Desnuda, escancarada, estarrecedora.

Uma hora depois, fim da sessão. Prendeu os cabelos, agradeceu, remarcou consultas para um mês inteiro.

Saiu, caminhou lentamente, sorriu para uma vizinha que passou. Emanava pura candura. Por fora, singela. Por dentro, avassaladora.

* Jornalista, com especialização em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora e atualmente finaliza nova especialização em Televisão, Cinema e Mídias Digitais, pela mesma instituição. Colunista do portal www.ubaweb.com/revista.

4 comentários:

  1. E não somos todas avassaladoras?
    Quem tiver olhos para ver nos descortina
    aos poucos.
    Adorei Sayonara.
    Beijos

    ResponderExcluir
  2. Obrigada, Nubia, pela atenção tão constante! beijos!

    ResponderExcluir
  3. É incomum esse desnudamento tão rápido e fácil. Quem se expõe muito, antes da hora certa, e fala o que não era para falar, pode não voltar. Diz quem entende do assunto: "é melhor não acordar certos cães adormecidos". De todo modo, a psicanálise é um caminho para o auto-entendimento/conhecimento. Nessas descobertas podemos ver que somos mais do que estávamos supondo. Ou não?

    ResponderExcluir
  4. Mara, acho que essa mulher estava precisando abrir a vida para alguém e encontrou na analista uma ótima ouvinte! Havia um certo desespero em desabafar. Abraço!

    ResponderExcluir