quinta-feira, 22 de abril de 2010




Vale solitário

* Por Fernando Yanmar Narciso

“Felicidade só é verdadeira quando compartilhada” Chris McCandless

Alguém já ouviu falar de Chris McCandless? Se você tinha 15 ou 16 anos por volta de 1992 ele provavelmente foi um de seus ídolos. Ao se formar em antropologia, influenciado pelos livros de filosofia que devorava, esse americano de 20 anos á época doou tudo o que tinha para a caridade e iniciou sua jornada através do país, em pleno estado de contemplação da vida e da natureza, e isso sem saber patavina sobre viver no meio do mato.

Abominando dinheiro e o materialismo, na maior parte do tempo seguia sozinho, ora a pé, ora indo clandestinamente em trens, descendo rios de caiaque e sempre anotando tudo em seus diários. Durante todo esse tempo nutria um único objetivo: chegar ao selvagem Alasca, e viver exclusivamente do que a natureza podia lhe dar.

Chegando lá, passou a morar num ônibus velho encostado à beira da estrada, onde ficou ilhado por vários meses durante uma enchente. Como nunca tinha praticado escotismo e não sabia como se virar sozinho na floresta, acabou morrendo aos 22 de inanição associada a envenenamento acidental. O seu cadáver foi encontrado por exploradores em um saco de dormir, duas semanas após a sua morte. De acordo com seus diários, estava enlouquecendo gradualmente devido à solidão e ao isolamento. Uma de suas últimas frases é a que ilustra o início deste texto.

Alguns podem enxergar glamour na tal vida de “lobo solitário”, mas conviver exclusivamente consigo mesmo às vezes enche o saco. Sempre tive uma vida privilegiada, alguns períodos menos que os outros. Apesar disso, sempre fui um cara sozinho, recluso e excessivamente tímido. A hiperatividade me fazia parecer um sujeito expansivo, extrovertido e bagunceiro, quando moleque, mas apesar de ter pertencido às turminhas dos “diferentes” das várias salas em que estudei, infelizmente nenhum dos meus colegas com quem eu tinha mais afinidade permaneceram ao meu lado depois que os cursos acabaram. Eles nem devem lembrar mais o meu nome. Justo, pois não me lembro dos nomes deles.

Até o presente momento, quase 26 anos, eu não tenho nenhum amigo, daqueles de verdade, que tomariam um tiro ou dois no peito por mim, fora da internet. Todos os relacionamentos que já tive foram passageiros, tirando os familiares - e os da net.

Quando criança, tinha aqueles meninos no bairro que todos conheciam, mas sentiam preconceito em relação a mim, e se aproveitavam da minha impulsividade para me explorar. Perdi meu Atari e minha coleção de Lego por conta dessas “amizades” que tive. Ingênuo como era, eu nem percebia e continuava brincando com eles.

Essas adversidades me ensinaram a desconfiar até da minha própria sombra. Por exemplo, quando vou comprar alguma coisa, meu cérebro funciona mais ou menos como a visão do Exterminador do Futuro. Chego à porta da loja, dou uma espiada geral em tudo e se não encontro o que procuro de prima, vou embora sem dar uma única chance do atendente me empurrar alguma coisa. Aprendi essa com meu pai. O caso é que criei uma barreira de isolamento ao meu redor e não sei como fazer para acabar com ela.

Sou um cara objetivo. Tenho alergia à conversa fiada. Se o papo não agrada, saio andando e nem dou tchau. Assim fica difícil ter afinidade com alguém, concordam? Pois, quando se tem amigos, o papo furado é que mantém a relação. Logo, não gosto de fazer nada que amigos gostam como ficar no bar bebendo a noite toda, rindo alto, falando de futebol, torcendo e... Sejam lá quais forem as outras coisas. Por outro lado, amizades ajudam a tornar a vida menos insuportável. Apóiam a gente, empurram pras roubadas que não queremos participar nem mortos e acabamos nos dando bem mesmo assim, descolam umas minas, torcem por nós na formatura, tornam os períodos de depressão mais curtos ou longos, dependendo da amizade. Eu sei que tenho de mudar, mas sabe quando você passa muito tempo cavando um buraco, e depois fica com medo de sair dele? Eu passei todos esses anos baseando minha vida em autorias, personagens, coleções, TV, filmes, origami... Largar tudo que desperdicei tanto tempo construindo é difícil. Enfim, pra variar, não sei como resolver mais essa situação. Talvez eu também acabe encontrando por aí um ônibus encostado na estrada.

* Fernando Yanmar Narciso, 26 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com

2 comentários:

  1. Por Deus, não quero te dar conselhos, mas apenas
    te mostrar um pouquinho do que sou.
    Sempre pareci ser uma criança normal, até me pegar
    chorando compulsivamente sem nem saber o motivo.
    Chorava tanto que adormecia. Minha mãe disfarçava sua preocupação, meu pai? Ah, esse não tinha tempo, educar os filhos era obrigação da mãe. Mais tarde, na adolescência vim a descobrir que o que eu sentia era melancolia.
    Não sei te dizer se me livrei disso, apenas fico mais atenta e me envolvo com coisas que
    me dão prazer, isso inclui pessoas também.
    Se permita, pode doer um pouquinho, mas vale a pena.
    Beijos

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  2. Todos temos momentos em que nos questionamos. É natural. Amanhã tudo estará diferente. Poderá estar pior, ou melhor. A cada dia um novo aprendizado.

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