quinta-feira, 29 de abril de 2010




Urubu pintado de verde

Por Fernando Yanmar Narciso

Ei, por acaso você estaria interessado em comprar fotos do ET de Varginha? Eu mesmo tirei! Não? Que tal umas cápsulas de cartilagem de tubarão? Minha bisavó toma e já tem 132 anos. Não, não. Já sei do que você precisa! Tenho aqui uns relógios suíços de ouro legítimos, iguais aos que o Falcão usa. Eles não são contrabandeados, apenas não paguei ainda por eles. Dois por R$ 5.000,00 e você ainda leva um jegue que põe ovos de ouro de brinde. Vai levar ou não vai?

Quando eu tinha 10 ou 11 anos e morava em minha segunda casa, enquanto dava uma voltinha pelo bairro, me deparei com uma cena incomum. Na rua de baixo, estava estacionado um caminhão de bombeiros com a escada magirus erguida. Mas não havia fumaça, e a casa era térrea. Como a curiosidade matou o Yanmar, fui olhar. Uma equipe de filmagem estava presente, e o cinegrafista filmava dependurado no extremo superior da escada uma moça na varanda da casa.


Eu digo casa, mas na verdade era um barracãozinho da largura de um ônibus, socado no fundo de um jardim enorme. Eles filmavam um comercial para uma imobiliária, cujo nome não consigo me lembrar. O truque era filmar o barracão do alto, em close, para parecer que era uma mansão. Então na outra semana, quando o comercial foi ao ar, a moça dizia “Se não fosse pela imobiliária X, eu nunca teria conseguido comprar a minha casa.” O importante é sempre vender o peixe, e ninguém precisa saber do resto, OK?

E você? Como faria para vender uma coisa que ainda não existe? Nesse mundo capitalista, onde a competição é tudo, quem não tiver o dom do gorjeio e da malandragem logo vai ser devorado pelos mais espertos. Aos pequenos, algumas vezes é sugerida a fina arte de descolar um troco fácil e rir da cara dos otários, pois muitos se baseiam em tal conceito de esperteza. Claro que não deveria ser assim, mas é.

Grandes vendedores conseguiriam vender um crucifixo pro Drácula colocar na cabeceira do caixão, até um lote num condomínio na lua. “Sim, senhor. Estamos totalmente cientes de que não há atmosfera na lua, mas já estamos trabalhando na questão. Daqui a dois meses, quando nossa primeira colônia deixar o planeta, o solo lunar já estará fértil e o ar estará respirável. Agora, se puderem assinar essas três vias...”

Aquele que se considera um grande golpista conseguiria vender algo que não é seu, como a Torre Eiffel, não uma, mas duas vezes, como no célebre caso de um trambiqueiro que o fez em 1925. Para se ganhar uma eleição, promessas mirabolantes impossíveis de serem cumpridas são sempre utilizadas, afinal nada rende mais votos que a promessa de um reino de fantasia, onde tudo dá certo e os pobres estão sempre sorrindo. Salários mínimos astronômicos, jornadas de trabalho mínimas, reforma agrária, vale tudo para garfar o coração do trabalhador.

A ficção é um santo terreno para malandros e vigaristas, principalmente no Brasil, onde muitos torcem pelo espertalhão. Renato Aragão tá aí pra não me deixar mentir. Não existe melhor estereótipo do cara que quer sempre levar a melhor que o Didi. O Pica-Pau é meu ídolo-mor justamente por ter sido o rei da malandragem em seus primeiros anos. E o que se pode dizer sobre o Zeca Urubu, então? Não tem personagem de desenho animado mais brazuca que ele, capaz de virar o mundo pelo avesso pra levar o Pica-pau na conversa, mas que sempre acaba sendo preso ou esculachado pelo anti-herói de cabeça vermelha no final.

De um modo geral, quase todo malandro da ficção acaba escapando pela tangente no final, rodeado de gostosas num iate, mas nas raras vezes em que vêem o sol nascer quadrado, nos sentimos vingados, apesar de as pessoas agirem igual a eles. Afinal de contas, trapaça só é trapaça se o trapaceiro for descoberto.

* Fernando Yanmar Narciso, 26 anos, formado em Design, filho de Mara Narciso, escritor do blog “O Blog do Yanmar”, http://fernandoyanmar.wordpress.com

2 comentários:

  1. Infelizmente "malandragem" no nosso
    país, é coisa antiga.
    Sempre nos apontam o tal "jeitinho" brasileiro.
    Mas a corrupção ou malandragem, como queira
    chegou aqui de além-mar...
    Ótimo texto Fernando.
    Abraços

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  2. Gostaria que não fosse a pura verdade, mas é. Achei sua abordagem no tom certo, nem esculachado e nem moralista. Boa análise.

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