quarta-feira, 21 de abril de 2010







Um dia no acampamento dos sem-terra

* Por Marco Albertim

A comissão de negociação dos sem-terra subiu às 14h para o gabinete do superintendente do Incra. Jaime Amorim, presidente do MST no estado, dissera: “Só desmontamos o acampamento depois que fecharmos um acordo com o Incra”. Abelardo Sandes, o superintendente, adiantara: “Vou ficar aqui para negociar o dia todo!” Inda que não consentindo a presença da imprensa na sala de negociação. Sentado no portal do sobrado que abriga o Incra, ouvira de uma mulher de 24 anos, casada, três filhos: “Arrancaram nosso roçado de macaxeira, feijão, inhame e milho”. Não se identificou, a mulher de seios cheios, um filho trepado na cintura grossa. “Só me identifico com autorização da direção”. Seu relato, pouco, prenhe de comoção, dá conta da expulsão de 40 famílias do Engenho Pimentel, Vitória de Sto. Antão. No local há 14 anos, espreitando a imissão de posse, foram expulsos há nove dias. Um oficial e um promotor de justiça, à frente de uma dúzia de PMs, cumpriram a sentença. “Quem está por trás de tudo é a Destilaria Sibéria!” – diz o marido. A destilaria já ocupava o outro lado da rodovia. “Agora tem os dois lados”. A ordem de despejo tem data de três anos atrás. Em romaria, seguiram para o Engenho Xixaim, já ocupado por 50 famílias, em Moreno.

Nos fundos do sobrado, há árvores no meio, muros de um lado, de outro. Mais recuados, dois prédios com cinco andares. Em frente ao mais próximo, uma goiabeira sem frutos crescera à altura do teto do segundo andar; no galho mais alto, a bandeira do MST. No trajeto, uma centena de plásticos escuros, esticados nos muros e estacas de madeira, a modo de acampamento. Faz calor, há filas para o banho. Moças de bermuda, rapazes com o boné do MST. “Há 2.500 pessoas aqui”, estimara Jaime Amorim. De todas as regiões do estado, vieram de ônibus, caminhões, caminhonetes. “Cada região trouxe sua cota de mantimento. Os cereais vêm de plantações de terras já ocupadas. Os remédios, nós conseguimos com prefeituras do interior”, explica Rossana Maria, do setor de Comunicações do MST. Sob as lonas de plásticos, a temperatura sobe com as achas de lenha entre lajes de cimento. Às 16h, o cheiro da comida mistura-se ao fartum dos corpos suados.

A cozinha da Região Metropolitana mostra-se fornida de carne. Há uma manta de carne de sol, 10, 12 quilos, estendida no balcão de madeira. Não há cobiças das outras comitivas, inda que haja fome. José Severino da Silva, negro, 27 anos, tem a camisa e o boné do MST; é coordenador de brigada. “Nós nos juntemo e compramo a carne. Todos os companheiro”. Ele coordena brigadas em Escada, Vitória de Sto. Antão e Moreno. Mora no acampamento do Engenho Xixaim. O local recebeu gente expulsa de outros engenhos. “Lá tem 112 famílias”, diz Severino. A noite não se fecha. Escurece sob as lonas. A fumaça das trempes espalha calor, mas perfuma as camas de espuma com o viço da macaxeira, do cuscuz, do charque, do ovo cozido.

Um violão rompe o silêncio. Ouve-se o grito de um moleque que insiste em se distrair. Antônio José de Arruda, 64 anos, de Lajedo, diz que na Fazenda Pereiro moram 46 famílias. “Há onze meses foi dada a imissão de posse. Mas falta o parcelamento das terras”. Ele, a mulher, quatro filhos e dois netos estão em Pereiro há nove anos. Diz que recebe do Pronaf um quilo de feijão, outro de arroz, de sal, de açúcar... Por mês. “Às vezes passa dois meses sem a comida chegar!”

Em Pernambuco há 16 mil famílias à espera de assentamento. No Abril Vermelho, 25 propriedades foram ocupadas.

A noite fecha-se. Não há avanços nas negociações. No Canudos do asfalto, há esperança.

* Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.

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