quinta-feira, 22 de abril de 2010




O invicto

* Por Gustavo do Carmo

Victor já nasceu um vencedor. Foi o primeiro bebê do ano e por isso seus pais ganharam um bom prêmio de um fabricante de fraldas. Também o elegeram a criança mais bonita do bairro de Bonsucesso, da cidade do Rio de Janeiro, do estado da Guanabara e do Brasil.

Aos quatro anos foi a mesma coisa. Nunca perdeu um concurso infantil de beleza em sua vida. Quando entrou para a escola, no ano seguinte, participou e ganhou um concurso de desenho.

Aos oito, entrou na escolinha de futebol. Sem posição de linha no time, virou goleiro. Não tomou um gol enquanto jogava e ganhava concursos de redação e olimpíadas de matemática no primeiro grau colegial.

A adolescência chegou junto com uma miopia galopante e espinhas borbulhantes. A beleza campeã foi embora com a infância. Deu lugar a fealdade. Mesmo assim, Victor não deixou de ser um vencedor. Participou brincando de uma competição de homem mais feio do país. A decisão dos jurados foi unânime.

Aos vinte, entrou para a faculdade de direito. Até então, jogava no time do colégio de ensino médio, várias vezes campeão invicto dos torneios intercolegiais, além de ter passado por todas as categorias de base do futebol de campo. Quase se tornou um jogador profissional. Encerrou a carreira sem tomar um gol.

Cinco anos depois estava formado como advogado. A fealdade foi embora junto com as espinhas expulsas por um tratamento de pele e a miopia exorcizada por uma cirurgia ocular. Ainda como estagiário, ganhou o seu primeiro processo civil. Primeiro de muitos. Aos quarenta anos de idade venceu o milésimo processo por danos morais.

A beleza já voltara quando casou-se com Sofia, sua primeira namorada fixa. Na adolescência, feio como era, não ousou paquerar ninguém. Mesmo assim, conquistou Orlaine Regina, a empregada de sua casa que era dentuça, queixo pontudo, nariz rebaixado e olhos fundos. Claro que Victor fugia dela. E mais uma vez se saiu vencedor.
Tão logo livrou-se das espinhas e do óculos virou um galã de cinema. Um conquistador nato. Sofia foi apenas a vigésima moça bonita que passou pelo seu currículo, digo, seu caminho. Com ela teve duas filhas: Laureane e Vitória.

Comemorava o seu aniversário de quatro décadas e meia quando veio a sua primeira derrota. No campeonato entre amigos de futebol society perdeu a sua invencibilidade de goleiro. Mas isso não abateu Victor. Ele não jogava desde quando saiu do ensino médio. Seu time ganhou por 4 a 1. Um mês depois, levou três gols e o inédito duplo revés: o jogo e o torneio. Mas isso não o abateu.

Victor perdeu a sua invencibilidade profissional anos depois. Era um julgamento difícil. Atuou na defesa de um fazendeiro influente que matou um inimigo político a sangue frio. Mesmo com sua competência e a tendência da justiça do país, o réu foi condenado por unanimidade não só por homicídio, como também por grilagem de terras. Mas Victor ainda não se abateu.

Por causa das ameaças do ex-cliente, mudou-se com mulher e filhas para a fria Noruega. Lá, mesmo casado, encantou-se por Danika, uma bela nativa de olhos azuis cor do mar e cabelos pretos nanquim, pele branca como gelo e amiga de Laureane, a filha mais velha adolescente. Perdeu também a invencibilidade de conquistador. Desta vez, Victor se abateu. Literalmente com roleta russa, que acertou o alvo na primeira e última tentativa.

* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores

2 comentários:

  1. Se abater com os fracassos pessoais
    é normal mas, sucumbir a eles, é fatal.
    Ótimo texto Gustavo.
    Abraços

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  2. tem um desenhinho pra minha reação: O.o
    Aprendi no orkut. São dois olhos arregalados. Sem boca.
    Que surpresa, Gustavo. Grande texto!

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